9 de junho de 2017

A realidade está correndo

A ascensão de Corbyn à liderança do Partido Trabalhista e a campanha conduzida ao longo das últimas seis semanas reconfigurou o espaço do politicamente aceitável: falar de propriedade pública e bem comum, antes considerado como um veneno eleitoral, agora está de volta na agenda.

James Butler

Verso

Tradução / Nós nos preparamos para o pior. Na Novara Media, fizemos uma cobertura ao vivo a noite inteira da eleição, e, como parte de nossa preparação, escrevi algumas notas para orientar nosso comentário: “projeto de dez anos” entre elas, “trégua respeitável” era outra. Mas isso tudo saiu voando janela afora quando a pesquisa de boca de urna apareceu — e era possível ver o teto tremendo quando as pessoas do andar de cima pulavam pra cima e pra baixo de alegria. Fomos então confrontados com um problema que realmente não esperávamos: o partido trabalhista superando todas as expectativas e todos os augúrios dos comentaristas e especialista de marketing político. A realidade nos atropelou: agora nós tínhamos que correr para acompanhar. É um problema agradável de se ter.

Os conservadores formarão um governo de minoria, com o apoio do DUP, partido da extrema direita irlandesa. Qualquer expectativa de que um novo governo Tory seja moderado pela pancada que levou nesta eleição é ingênua: haverá muitos no norte da Irlanda chocados com a idéia do DUP com uma mão no governo de Westminster. Mas Theresa May, que entrou na eleição com uma vantagem de vinte pontos, está enfraquecida, e um governo minoritário com ela (ou qualquer um dos outros zumbis que provavelmente a substituirá) estará com o tempo contado — no mínimo porque seria muito difícil dizer que um governo conservador minoritário, rejeitado pelo eleitorado, tem autoridade ou estabilidade para realizar a enorme tarefa legislativa do Brexit.

Ao entrarmos nessas eleições, foram muitos os que pensaram que os Tories poderiam — pela primeira vez em décadas — ter uma clara maioria eleitoral de direita no país, com o UKIP retornando ao seio da nave-mãe Tory. O que se revelou um grande exagero. De fato, o eleitorado, que os estrategistas políticos davam como apático na Inglaterra, acabou se revelando uma pluralidade de eleitores com apetite por políticas social-democratas e rejeitando o consenso pós-Thatcher. Não há exagero em dizer que a ascensão de Corbyn à liderança do Partido Trabalhista e a campanha realizada nas últimas seis semanas reconfigurou o espaço do politicamente aceitável: falar de propriedade pública e de bem comum, antes considerado veneno eleitoral, está agora de volta à agenda.

Jeremy Corbyn ficará na liderança pelo tempo que quiser. Os 40% dos votos, obtidos nestas eleições, teriam sido o suficiente para ganhar qualquer eleição nas últimas duas décadas. Mais importante ainda, sugere que os métodos da “Brigada de Triangulação da Caneca de Imigração” — em poucas palavras: que política é buscar o voto racista oscilante — não podem mais ser considerados como a rota para o sucesso. A esquerda trabalhista apontará, corretamente, para o manifesto como o ponto de viragem na sorte do partido durante esta eleição, e exigirá que seu programa seja o senso comum do partido a partir de agora. Por enquanto, a guerra civil partidária — o que muitos sugerem ter sido o que impediu o partido de se sair ainda melhor nessas eleições — foi vencida.

As últimas seis semanas devem também por um fim definitivo a duas teses sobre o influxo de novos membros pós-Corbyn. Primeiro, que estes seriam membros apenas “no papel”: o enorme número de pessoas na rua fazendo campanha e convencendo (uma tática que os ativistas do Partido Trabalhista evitaram algumas vezes no passado recente) refuta esse argumento. Segundo, que esses novos membros seriam cucos no ninho trabalhista — não são, e estão aqui pra ficar. A aceitação desse fato exigirá alguns ajustes em ambos os lados, tanto nas instituições do partido quanto nos recém-chegados. Será preciso encontrar acomodações. Mas deve-se ressaltar que muitas dessas pessoas têm sido tratadas com condescendência, desprezo, insultadas e hostilizadas por terem entrado no partido. Isso precisa acabar já.

No entanto, são a mídia e os comentaristas políticos profissionais, em particular, que devem aproveitar esse momento para olhar no espelho, inflexivelmente, e praticar a desconhecida frase: “eu estava errado”. Seis semanas atrás, fomos informados de que Corbyn deveria renunciar para evitar a destruição total do partido, que uma direita ressurgente acabaria com a esquerda na Grã-Bretanha por uma geração, que o Partido Trabalhista seria reduzido aos seus redutos nas cidades do interior — se tanto. É de particular ironia que os comentadores que gastaram barris de tinta tentando entender a mentalidade do UKIP — que passaram horas fabulando o mais horrível racismo para então se ajoelharem diante dele — não dedicaram esse mesmo tempo a entender o voto em Corbyn: ridicularizado ou zombado, apresentado como nostalgia atávica dos anos 70. É hora dessas pessoas darem uma sentada e pensarem seriamente a respeito — ou então se aposentarem.

O sucesso que Corbyn e o manifesto do Partido Trabalhista mostraram nas pesquisas vem sendo construído de longa data. Uma corrente do influxo de Corbyn — e alguns dos militantes mais destacados — vem da juventude do movimento de estudantes e ativistas anti-austeridade, que encontraram sua voz em 2010–11 e, nos últimos dois anos, acharam no Partido Trabalhista seu ponto de apoio institucional, tendo feito um giro, compartilhado com outras partes da nova esquerda europeia, em direção ao envolvimento parlamentar após experimentar os limites do protesto de rua. Por isso, foi doce ver Nick Clegg, uma persona non grata para muitos, perder o assento na noite passada. Isso não diz tudo sobre o fenômeno de Corbyn — sua base é muito mais ampla e mais heterogênea — mas o arco que vai de 2010 até aqui é claro.

Há muito mais a ser feito. O governo entrante, embora fraco, será perverso. A trégua partidária não será permanente. E por mais que a votação demonstre que existe um forte eleitorado anti-neoliberal neste país, os resultados para os Trabalhistas exigem reflexão. Em parte, parece haver um enorme aumento na presença do Partido Trabalhista em comunidades onde o partido era irrelevante há anos, senão desde sempre, enquanto observa-se a perda de alguns assentos como Mansfield, que já foi visto como fortaleza do partido. Há uma história sobre a Grã-Bretanha aqui, sobre uma politização desigual em alguns centros urbanos e uma deriva anti-política ou para a direita em outros lugares — e é uma história na qual o Partido Trabalhista precisará pensar para construir em cima de seus avanços.

E a questão que se apresenta à esquerda fora do Partido Trabalhista é agora também: quais são as críticas que ainda são válidas? Quais não são mais? Que trabalho pode ser feito bem sucedidamente em parceria com o partido, e o que inevitavelmente terá que pressioná-lo de fora?

Esta noite foi muito melhor do que esperávamos. A juventude revelou que nenhuma lei da política britânica é imutável. Teremos mais para pensar, refletir e abrir um caminho para a frente nos próximos dias. Mas a realidade está correndo: tentemos acompanhar.

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