28 de abril de 2017

The H-Word de Perry Anderson - siga o líder

Uma história da hegemonia mostra que há limites rígidos para o poder suave

Adam Tooze

Financial Times

Um relevo em mármore do século 5º a.C. do Parthenon, Atenas, localizado agora no museu britânico. Bridgeman Images.

Para afastar os poderosos persas no século V a.C., os estados da cidade grega formaram a Liga de Delos. A líder da Liga era Atenas. Mas qual era a natureza da preeminência ateniense? Era uma superioridade imposta pelo poder, comandando apenas aquiescência forçada, ou a liga acabou por ser fundada no apego e no consentimento? Os contemporâneos não chegaram a um consenso, nem os historiadores. Mas o termo-chave cunhado no decorrer desse argumento ecoou nos próximos milênios. O que primeiro Atenas e depois Esparta exerciam, Aristóteles nos diz, era hegemonia.

O termo ficou fora de uso com os romanos - para eles, a República e o Império bastaram. Mas como Perry Anderson mostra em sua fascinante história, The H-Word, a discussão sobre hegemonia foi revivida em meados do século XIX por aqueles que achavam que na Alemanha fraturada e pós-napoleônica, a Prússia poderia desempenhar o papel que Atenas já teve na Grécia. Desde então, falar de hegemonia nunca mais foi abandonado. O termo foi usado pelos marxistas revolucionários, teóricos das relações internacionais, cientistas políticos e economistas. Hoje, a hegemonia é o pão com manteiga das páginas de opinião. Com a ascensão de Trump acabou a hegemonia do liberalismo estilo Davos? A Alemanha de Angela Merkel surgirá como a nova hegemonia liberal, ou o manto da liderança global passou para Pequim? Para Anderson, desde a década de 1960 uma das principais vozes na esquerda acadêmica, questões semelhantes estão presentes no seu trabalho que vai desde as Linhagens do Estado Absolutista (1974) até a história intelectual da política externa americana moderna de 2015.

Dos gregos em diante, a questão foi: a hegemonia simplesmente colocou o brilho do consentimento sobre formas de dominação mais nuas? Em retrospectiva, parece óbvio que a hegemonia do século 19 foi a Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha era um império. Na Índia, o coração desse império, governou principalmente pela força. Como Ranajit Guha, pai da Escola de Estudos Subalternos da história de baixo e um dos heróis de Anderson, descreveu, o Raj assegurou o domínio, mas sem hegemonia. Apoiou-se na força e não na persuasão. Mas isso não era típico do papel mais amplo da Grã-Bretanha, que combinava o poder de fogo e o alcance da Royal Navy com formas de influência mais sutis. O império informal da Grã-Bretanha apoiou-se menos na diplomacia da canhoneira do que na tecnologia, dinheiro e idéias. A rede global de cabos, o "sistema de Westminster", o direito comum, a religião do livre comércio, a visão da modernidade oferecida pelo Palácio de Cristal e a Grande Exposição de 1851: todas estas coias juntas definiram sua hegemonia.

Uma das coisas impressionantes reveladas pela pesquisa de Anderson é que a discussão aberta sobre o papel da persuasão no exercício do poder tende a ser um sinal de seu comprometimento fraco. Como Anderson mostra, foi precisamente quando a preeminência da Grã-Bretanha vitoriana desapareceu no final do século 19 que proliferou o uso do termo hegemonia. Quando estados desafiadores, como Japão, Alemanha e Itália, apareceram em cena, a hegemonia tornou-se um termo não de aprovação, mas de crítica. A Alemanha do Kaiser ameaçou a hegemonia no continente. Os marxistas russos adotaram o termo para descrever como a classe trabalhadora levaria as massas camponesas à revolução. De uma cela da prisão na Itália fascista, Antonio Gramsci, líder do comunismo italiano, invocou a hegemonia para conceituar como o burguês manteve o controle sobre o poder.

Para Gramsci, ficou claro que a hegemonia no século 20 ainda falaria inglês, mas com um sotaque americano. Ele foi um dos primeiros a descrever uma nova era de riqueza produzida em massa, o que ele chamou de Fordismo. A América também deu ao mundo Woodrow Wilson e sua promessa de autodeterminação. Hollywood era a fábrica de sonhos do mundo.

Nas décadas de 1920 e 1930, a influência americana estava em todo lugar. O mundo estava à espera do poder americano. Mas, como observou um contemporâneo perspicaz, a guerra entre os dois países manteve-se como "presença ausente". Ela exerceu uma enorme influência, mas fez isso indiretamente. À medida que surgiu uma nova onda de insurgentes - Alemanha nazista, Japão imperial - o que foi revelado foi os dolorosos défices de hegemonia sem dominância, influência e persuasão sem o respaldo do compromisso político ou os meios de dissuasão ou coerção.

Seria preciso uma segunda guerra mundial para que os EUA emergissem como um poder disposto e capaz de impor uma ordem na Europa e na Ásia Oriental. A Europa testemunharia no Plano Marshall o que o historiador econômico Charles Kindleberger chamaria a era da hegemonia americana de pleno direito. No Massachusetts Institute of Technology na década de 1970, Kindleberger deu a pesquisa da história que deu forma a uma geração inteira de cientistas políticos e economistas americanos. A economia mundial, argumentou Kindleberger, funcionou bem quando tinha uma âncora. Gemeu e deslizou quando não.

Mais uma vez, no momento em que foi teorizada, a hegemonia estava em crise. À medida que o sistema monetário de Bretton Woods entrou em colapso, a estagnação se estabeleceu. Esse foi um efeito colateral inevitável da perda de liderança dos Estados Unidos? A economia mundial realmente precisa de um centro dominante? Com a Europa recuperada da destruição da guerra e com o crescimento do Japão, a cooperação e a coordenação não podem ser suficientes? É precisamente o que Ronald Reagan e Margaret Thatcher e seus seguidores na Europa - Helmut Kohl, Bettino Craxi e, eventualmente, François Mitterrand também - entregariam. À medida que a posição da América era relativizada, o que surgiu não foi o caos, mas algo mais abrangente: a hegemonia liberal renasceu sob a forma de revolução do mercado ou, como aprendemos a chamá-la, neoliberalismo.

Em 1989, a nova hegemonia parecia estar pronta para declarar a vitória final, nada menos do que o fim da história. Como sabemos agora, isso era prematuro. Lemos Anderson porque nenhum comentador histórico tomou mais a sério a estrutura intelectual do poder liberal e ninguém a criticou de forma mais eficaz. Nós lemos Anderson hoje com uma atenção ainda maior, porque os 10 anos desde o início da crise financeira global em 2007 deram uma esmagadora reivindicação da predição básica do marxismo acadêmico: a hegemonia liberal não é auto-sustentável. É ameaçado por crise, assombrada pela incerteza radical e infinitamente produtiva de inimigos dentro e fora.

Na verdade, dado os eventos de 2016, podemos ter chegado ao ponto em que, para citarr uma frase de Donald Trump, a esquerda intelectual "está cansada de ganhar". The H-Word terminou em outubro de 2016 e podemos perceber que Anderson estava afiando suas armas críticas para lidar com a coroação de Hillary Clinton. Em vez disso, como todos os outros, enfrenta o desafio de dar sentido a uma presidência muito diferente. Como o principal crítico da hegemonia liberal responderá ao deslumbrante deslocamento do melífluo Barack Obama pelo poderoso ataque de Trump e sua comitiva? Como é comum observado, Trump está deixando a comédia fora do negócio. Ele fará o mesmo com o sofisticado esquerdismo intelectual? Dada a evidente ameaça da direita e sua própria fraqueza política, a esquerda deveria convir como s apelos centristas para a unidade, formando uma espécie de Frente Popular do século XXI? Pode-se imaginar que Anderson concorda. No seu pico, a hegemonia liberal estava muito feliz em declarar, "não há alternativa". Seria dolorosamente irônico se essa declaração hegemônica exigisse uma força prática ainda maior em meio à decomposição simbólica do liberalismo.

26 de abril de 2017

Por que o Brasil vai se mobilizar amanhã

O presidente não eleito do Brasil quer passar uma reforma draconiana das aposentadorias e pensões - e uma greve geral pode ser a única chance de impedi-lo.

Ella Mahony


Protestos contra a reforma da previdência no Rio de Janeiro, Brasil, em 31 de março de 2017.

A semana passada marcou o aniversário de um ano do processo de impeachment da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. A remoção da mandatária do Partido dos Trabalhadores (PT) abriu caminho para que seu vice-presidente, Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), assumisse o poder e instituísse uma impressionante reversão dos direitos sociais e trabalhistas. Ele chamou seu plano, que dizima os gastos públicos, ataca a diversidade política nas escolas, aprofunda a precariedade e acelera a destruição ambiental, de "Ponte para o Futuro".

Nas eleições municipais que seguiram a ascensão de Temer à presidência, pareceu que sua "ponte" seria fortificada por uma direita inconteste em cada canto do país. O partido de Temer ganhou quase mil disputas municipais, tornando o PMDB o partido no poder em um quinto de municípios do país. Em segundo lugar, o Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), que também conquistou centenas de municípios, desferiu um enorme golpe com a eleição de seu candidato apresentador de TV João Doria para a prefeitura da maior cidade da América do Sul, São Paulo. O PT, por outro lado, sofreu retrocessos em todos os lugares, perdendo 60 por cento das cidades que controlava em 2012.

Talvez seja por isso que, em dezembro, Temer imaginou que seu último ataque - uma reforma draconiana das pensõaposentadorias - seria mais fácil do que tem sido. A proposta inicial fixaria uma nova idade mínima para a aposentadoria - sessenta e cinco anos - onze anos a mais que a atual idade média de aposentadoria. O projeto de lei aplica-se sobretudo aos trabalhadores mais jovens, mas os homens com mais de cinquenta anos e as mulheres com mais de quarenta e cinco anos sofreria um aumento de 50 por cento em seu tempo de contribuição restante - economês para "agora você tem que dobrar o tempo que você trabalha para o benefício que já tinha alcançado". Também acrescentaria cinco anos para os idosos de baixa renda poderem começar a receber apoio extra. Isso desvincularia as pensões do salário mínimo já baixo. E buscaria eliminar provisões especiais para os trabalhadores do setor público brasileiro, um movimento claramente em sintonia com a agenda mais ampla de privatização de Temer.

A proposta de reforma conta com o apoio de amplos setores do capital nacional e internacional, bem como de seus cortesãos na mídia. O Moody's Investors Service considerou que as reformas podem ser suficientes para impulsionar a má avaliação de crédito do Brasil. The Economist, em um artigo intitulado "Less gold for the old", chamou a oposição maciça às reformas de "resmungos" e repreendeu que, eventualmente, "os brasileiros terão razão para agradecer [Temer.]"

Isso é improvável. O projeto faz parte de um ataque abrangente aos direitos dos trabalhadores que promete destruir as perspectivas dos jovens trabalhadores nas próximas décadas. Em um esforço para alinhar as normas trabalhistas do Brasil com as prioridades das corporações multinacionais, Temer também está promovendo um projeto de lei que permite às empresas terceirizar qualquer trabalho; prorrogar a duração máxima dos contratos de trabalho temporário de três meses para nove meses; e acabar com a jornada de trabalho de oito horas. Se essas reformas passarem, os jovens brasileiros enfrentarão um futuro sombrio de trabalho mais precário, menos benefícios, mais horas e diminuição das esperanças de aposentadoria.

Sem surpresa, tanto a reforma das aposentadorias como o próprio Temer são massivamente impopulares, e após as alegações explosivas de corrupção da semana passada dirigidas a quase um terço do ministério de Temer (e muitos de seus aliados no Congresso), pergunta-se se o presidente interino terá o capital político para segurar essa. Mesmo antes das acusações de corrupção, o índice de aprovação de Temer estava pairando em apenas 10% - no mesmo lugar em que Rousseff estava na véspera de seu impeachment.

É isso que o PT, as massivas federações do Brasil e a esquerda socialista, pequena mas vigorosa, esperam capitalizar com a greve geral desta sexta-feira.

Embora o Brasil não tenha visto uma greve geral em trinta e um anos, a ação de sexta-feira parece promissora. Afinal, no mês passado, as mobilizações contra a reforma atraíram centenas de milhares de pessoas em todo o país. Em 15 de março, Brasília, capital do país, testemunhou cerca de cinco mil manifestações, algumas das quais invadiram e ocuparam o Ministério da Fazenda. Em São Paulo, paralisações parciais feitas por trabalhadores de transportes públicos afetaram o trânsito da cidade, e os sindicatos de professores interromperam aulas por um dia.

As federações sindicais, verificando o caráter descaradamente anti-trabalhador das medidas, foram unânimes em sua convocação para a greve. Até mesmo a Força Sindical, cujo presidente Paulinho da Força apoiou o destituição de Dilma e defendeu o corrupto político de direita Eduardo Cunha, tem apoiado a ação.

O PT, por sua vez, espera claramente que os protestos posicionem o partido como a principal oposição ao mandato de Temer, o ajudem a recuperar parte de seu brilho pré-impeachment e apoiem ​​as chances do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2018. Nos protestos de 15 de março, Lula apareceu entre a multidão em São Paulo para fazer um discurso contundente, investindo contra Temer por querer "acabar com as conquistas obtidas pela classe trabalhadora nos últimos anos".

O PT ainda mantém uma forte influência sobre os sindicatos, especialmente a Central Unitária de Trabalhadores (CUT), a maior federação sindical da América Latina, com cerca de 7,4 milhões de membros. Se a greve for bem-sucedida, o PT poderia recompor sua imagem como os legítimos defensores dos trabalhadores brasileiros e até mesmo da mesma classe média - em particular, os trabalhadores públicos alvos da reforma - que saíram às ruas no ano passado para exigir a destituição de Dilma do cargo.

O que Lula não mencionou em seu discurso recente foi o seu próprio histórico problemático. Em seus primeiros cem dias de governo em 2003, Lula colocou a reforma das aposentadorias no topo de sua agenda e, como Temer, seu plano visava provisões para funcionários públicos e elevou a idade de aposentadoria em quase uma década.

Tão determinado foi Lula para passar as medidas que ele reforçou a relação do PT com o PMDB, isolando e, finalmente, expulsando a esquerda do PT. Foi este movimento que elevou o PMDB, o autor final do impeachment de Dilma, a uma maior importância no governo nacional. E foi a purga que levou os ex-líderes do PT Luciana Genro, Heloísa Helena, Babá e João Fontes a fundar, com outros integrantes de esquerda, o Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), hoje o partido de esquerda mais significativo do ponto de vista eleitoral no Brasil.

Devido a esta história sórdida, e os contínuos problemas do PT com a corrupção, a esquerda tem uma chance de fazer uma intervenção produtiva nas mobilizações de sexta-feira. Enquanto o PSOL não tem os tradicionais bastiões sindicais, eles fizeram incursões com funcionários públicos em centros metropolitanos, como professores, enfermeiros e alguns trabalhadores do metrô. Eles também conseguiram captar grande parte da energia dos movimentos feministas e estudantis da América do Sul, com sua convergência de jovens neste mês atraindo cerca de 1.500 estudantes de todo o país, incluindo Ana Julia Ribeiro, de 16 anos, que pronunciou um poderoso discurso no ano passado defendendo as ocupações escolares anti-austeridade.

Estes ganhos entre os trabalhadores mais jovens, que são menos incorporados às estruturas sindicais tradicionais, serão cruciais para estabelecer coalizões de longo prazo contra a austeridade. Estão livres tanto da história da política neoliberal do PT como dos laços com a corrupção, colocando-os numa posição melhor para alcançar aqueles que não são afetados pelo processo político.

Afinal, essa insatisfação, e não a popularidade da direita, levou à decadência do PT nas eleições municipais do ano passado. Apesar do sistema de voto obrigatório do Brasil, as taxas de abstenção foram as mais altas desde 1988 - a primeira eleição após a ditadura militar. Um quarto dos eleitores não apareceu em absoluto, e ainda mais configuraram votos em branco ou nulos. Em São Paulo, o número de pessoas que se abstiveram ou anularam sua escolha foi maior que o número de pessoas que votaram no prefeito atual, João Doria.

Nesse sentido, a greve de sexta-feira é um campo de testes para ver quem pode emergir como protagonista da esquerda brasileira. É perfeitamente possível que o PT possa explorar a oposição generalizada a Temer e manobrar Lula de volta à presidência. No entanto, o programa político do partido foi seriamente comprometido na última vez que esteve no poder, e não está claro se eles têm um plano para evitar cair nas mesmas armadilhas. Com a dissolução da esquerda do partido - a única facção potencialmente capaz de criar tal plano - há pouca razão para otimismo. Um mandato do PT que não beneficiasse os trabalhadores poderia facilmente cultivar a extrema direita mais nociva do Brasil, exemplificada pelo conservador Jair Bolsonaro, enquanto reprime e enerva a esquerda socialista.

Na preparação para a greve de sexta-feira, a esquerda socialista tem cultivado cuidadosamente uma coalizão de sindicatos de esquerda, correntes feministas, grupos indígenas e movimentos estudantis, todos eles cada vez mais vistos como independentes do PT. Os estudantes em particular, que no ano passado fecharam mais de mil escolas, provaram ser uma força elétrica capaz de articular uma política alternativa. Esta coalizão tem o potencial de colidir um polo energético de oposição a Temer que também está livre dos compromissos do PT.

Ainda assim, a medida mais crucial da greve de sexta-feira é se ela pode impedir as medidas desastrosas de Temer. Diante de tal oposição militante, o governo de Temer adotou uma estratégia do tipo Kamikaze para impulsionar as reformas. O ministro das Finanças, Henrique Meirelles, foi visto argumentando no Financial Times que "a impopularidade torna muito mais fácil para o governo tentar fazer algo ambicioso ... ele não têm nada a perder". Ele também observou que, como resultado do processo de impeachment, o atual presidente (não eleito) está mais unificado com os partidos conservadores que dominam o Congresso do que qualquer outro em décadas.

Os neoliberais no poder estão apostando que este consenso dominante pode superar o popular, de base. O desafio da esquerda brasileira é provar que estão errados.

Os passos para o ecossocialismo

Qualquer movimento ecossocialista deve ter uma estratégia de organização no aqui e agora.

Ian Angus e John Bellamy Foster


Alberta, Canada. kris krüg / Flickr

Tradução / Ficamos contentes ao descobrir que Daniel Tanuro estava escrevendo um artigo sobre esquemas de precificação de carbono. Seu livro Green Capitalism: Why it Can’t Work (Capitalismo Verde: Porque não pode dar certo) traz uma importante contribuição para o pensamento ecossocialista, e Tanuro tem um impressionante histórico de envolvimento pessoal em diversas campanhas radicais pelo meio ambiente na Europa. Esperávamos ansiosamente por uma explicação clara e uma forte crítica a abordagens mercadológicas das mudanças climáticas que sabemos que ele poderia escrever.

Infelizmente, “The Right’s Green Awakening” (O Despertar Verde da Direita) não correspondeu às expectativas da alta qualidade estabelecida pelo seu livro. Ao invés de abordar os planos de precificação do carbono que têm emergido nas políticas capitalistas, Tanuro foca sua crítica nas propostas desenvolvidas pelo importante cientista do clima James Hansen e no apoio crítico que demos a sua proposta na Monthly Review e na Climate & Capitalism.

Tanuro equipara nossa posição — e a posição diferente de Hansen — a uma proposta feita por políticos da direita americana, argumentando que apoiamos “uma variante populista... [da] doutrina neoliberal.” Obviamente, discordamos.

Não estamos dizendo que nossos pontos de vista não podem ser criticados. O debate aberto é uma parte essencial da construção de um movimento ecossocialista global e nós acolhemos respostas ponderadas a qualquer coisa que escrevemos. No entanto, já que o artigo de Tanuro deturpa seriamente tanto o plano de Hansen quanto nossa abordagem em relação a ele, precisamos corrigir seu equívoco antes de começar uma discussão adequada.

As propostas de Hansen

O que chamamos de “Estratégia de Saída das Mudanças Climáticas” de James Hansen inclui um plano de taxas e dividendos, no qual companhias de combustíveis fósseis pagariam uma taxa de carbono crescente na boca de poço, poço de mina ou ponto de entrada. Todos as rendas provenientes desses pagamentos seriam distribuídas como dividendos à população em um esquema per capita.

Diferentemente de planos de mercado de carbono e impostos sobre o consumo, a taxa proposta por Hansen seria simples de se coletar e difícil de sonegar. Hansen estima que 60 por cento dos cidadãos americanos iriam receber mais em dividendos do que teriam que pagar em aumentos de preços.

Ao contrário de economistas clássicos que prometem resultados mágicos a partir exclusivamente da precificação do carbono, Hansen entende que “por si só, um imposto sobre o carbono não consegue resolver o problema energético e permitir um rápido término gradativo do carvão”, então seu programa vai além disso.

Ele inclui um banimento total do petróleo de areias betuminosas, do óleo e do gás de xisto, e de hidratos de metano, assim como o fechamento de todas as usinas movidas a carvão que não capturem suas emissões de CO2 — o que equivale a todas as usinas em operação hoje.

Hansen também demanda eliminação de todos os subsídios a companhias de combustíveis fósseis, transição global para uma agricultura e práticas florestais sustentáveis, rápida redução nas emissões de metano, ozônio e de carbono negro, assistência substancial a países emergentes no que diz respeito à implementação e ao desenvolvimento de energia limpa, e investimento no que ele espera serem tecnologias nucleares de quarta geração e seguras.

Essas medidas, aplicadas em conjunto, representam uma estratégia abrangente de saída das mudanças climáticas.

Um cavalo de troia conservador.

A recém-formada Cúpula dos Líderes sobre o Clima (CLC) publicou “Uma Defesa Conservadora dos Dividendos Climáticos” em fevereiro de 2017. Seis ex-líderes do Partido Republicano e o ex-presidente da Walmart assinaram o documento, temendo que políticas anti-ambientais grosseiras prejudicassem os Republicanos nas pesquisas, levando “jovens votantes[,] que detém a chave para a futura fortuna política de cada partido,” a apoiarem defensores de “regulações de comando e controle inibidoras de crescimento.”

Para evitar isso, eles propuseram um plano “que demonstrasse o inteiro poder de convicções conservadoras duradouras.” Sua principal proposta — um imposto gradualmente crescente sobre as emissões de dióxido de carbono distribuído a todos os cidadãos estadunidenses — se assemelha ao plano de taxas e dividendos de Hansen, mas, em contraste agudo à sua abordagem, eles insistem que ela deve estar atrelada a um “retorno regulatório significante.” Sem o banimento a combustíveis não-convencionais, sem o fechamento de usinas a carvão, e sem o investimento em conservação e energia limpa. “Muito da autoridade regulatória da EPA (Agência de Proteção Ambiental) sobre emissões de dióxido de carbono seria eliminada gradualmente, incluindo uma revogação aberta do Clean Power Plan (Plano de Energia Limpa),” eles escrevem, e cidadãos não teriam permissão para processar emissores por danos.

Além disso, o crescimento de taxas iria acabar automaticamente depois de cinco anos, a não ser que um “Painel de Fita Azul” (um painel governamental de alto nível) decida o contrário. Eles não especificam a composição do painel, mas não nos surpreenderíamos quando interesses em combustíveis fósseis desempenhassem um grande papel.

Em suma, a caricatura do CLC de um plano de taxas e dividendos não mira em uma prevenção das mudanças climáticas. É um cavalo de Troia para eliminar todas as medidas práticas que poderiam contribuir para tal objetivo.

Na prática, claro, líderes republicanos de fato decidiram por abolir proteções regulatórias sem se darem ao trabalho de determinar um preço do carbono ou prometer a eleitores um dividendo, então a preocupação de Tanuro de que o plano CLC “poderia formar consenso público de maneira real” parece deslocada.

Ecossocialistas e o programa de Hansen

Essa fraude conservadora não é o mesmo que o plano de Hansen, e não tem qualquer semelhança com o programa revolucionário ecossocialista que viemos defendendo por anos.

Contudo, Tanuro conecta tendenciosamente as perspectivas de Hansen às dos conservadores — descrevendo o plano do CLC como “uma ideia inicialmente proposta pelo proeminente climatologista James Hansen” e afirmando que “Hansen formulou originalmente o plano.” Ele se refere a “Hansen e as propostas do CLC” como se fossem idênticas. Então, para a nossa surpresa, ele afirma que John Bellamy Foster “apoiou fortemente o imposto sobre dividendos,” assim como “seus seguidores, que incluem Ian Angus”. Ele dedica a segunda metade do seu artigo para nos criticar por isso.

Tanuro pode não ter tido a intenção de identificar as nossas perspectivas com as do reacionário CLC , mas certamente essa é a impressão que seu artigo dá.

Apesar de nós dois termos escritos múltiplos artigos sobre a abordagem de Hansen à mudança climática, a crítica de Tanuro é baseada em apenas um exemplo, “James Hansen e a Estratégia de Saída das Mudanças Climáticas” de Foster, publicado cinco anos atrás. Aquele artigo, o primeiro em qualquer publicação socialista a discutir a natureza e significado das propostas de Hansen, tem duas seções principais: “A Estratégia de Saída de Hansen,” um relato objetivo sobre o programa, e “A Pegada Ecológica do Capitalismo: Para além da Estratégia de Saída de Hansen,” uma crítica ecossocialista que defende “uma transformação social muito maior” do que Hansen imagina. (Nós achamos que as críticas a Hansen que Foster faz na segunda seção são, na verdade, bem mais afiadas e completas do que as de Tanuro.)

Em uma curta seção de conclusão, Foster argumenta que a abordagem de Hansen, apesar de suas limitações, representa um importante avanço no movimento para impedir o ecocídio capitalista.

Ao longo do artigo, Foster usa o termo “estratégia de saída” para se referir ao programa inteiro de Hansen, incluindo seu foco no fechamento de oleodutos, usinas a carvão, e operações com combustíveis não-convencionais. Taxas e dividendos compõem apenas uma parte do programa e, como Foster afirma claramente, ela não se sustenta sozinha: “todas as estratégias exclusivamente baseadas no mercado tendem a sair pela culatra, já que elas se apoiam principalmente em incentivos econômicos.” O plano de taxas e dividendos de Hansen, Foster escreve, “é apenas um único ponto de apoio no que deve ser uma estratégia bem mais abrangente de saída das mudanças climáticas.

Apesar disso, Tanuro repetidamente trata os comentários positivos de Foster sobre a estratégia inteira como entusiasmo pelo componente de taxas e dividendos. Ele diz, por exemplo, que nós “argumentamos que o imposto sobre dividendos é a única abordagem viável no contexto atual”. No contexto, as palavras de Foster claramente dizem que esse é o ponto de vista de Hansen, não o nosso: “Isso levou ele a promover taxas e dividendos como a única abordagem viável para diminuir as emissões de carbono rapidamente” (ênfase adicionada).

De fato, Tanuro repetidamente confunde a apresentação de Foster das visões de Hansen com a própria opinião de Foster acerca dessas visões. Por exemplo, Foster elogia Hansen, que não é um socialista, por fazer uma “tentativa calculada de levar a cabo o plano máximo que se poderia conceber ser aceitável pelo regime do capital”. O comentário claramente se refere às intenções de Hansen com toda a estratégia de emergência, mas nas mãos de Tanuro, isso se torna, “Eles argumentaram que o imposto sobre dividendos é... 'o máximo que o capital poderia racionalmente aceitar', como Foster coloca”.

De forma similar, Tanuro se opõe à descrição de Foster do programa de Hansen como um “primeiro passo,” porque “a solução pode vir apenas… da convergência das lutas concretas dos explorados e oprimidos,” implicando que Foster ignoraria tais lutas. Ele não consegue perceber que imediatamente após mencionar esse primeiro passo, Foster adverte:

Uma solução real demanda uma alteração radical nas prioridades sociais — o tipo de transformação revolucionária que poderia ocorrer em velocidade inimaginável se a população atingisse um dia seu próprio ponto de inflexão sócio-ambiental.

Frequentemente, Tanuro tira as palavras de Foster de contexto, mudando seu significado. Ele escreve: “Foster argumenta que a proposta [de taxa e dividendo] de Hansen é ‘objetivamente revolucionária.’ “ Aqui está a frase inteira de Foster:

O que é objetivamente revolucionário na proposta de Hansen é sua raiz em um senso compartilhado de emergência e de crise que pode ser prontamente comunicado no centro do sistema, nas próprias economias de capital financeiro monopolista.

Nenhum de nós jamais sugeriu que um plano de taxas e dividendos por si só é revolucionário. Como Angus escreveu:

Taxas e dividendos podem ser parte de um programa de ação radical contra as mudanças climáticas, mas não são suficientes por si só, e não são adequados para a construção de movimentos de massas que socialistas sabem ser necessários.

Corrigindo todos os erros de má citação e representação nesse artigo tomaria muito mais tempo e espaço, mas achamos que o ponto está feito. Daniel Tanuro está nos criticando — e a Hansen — por pontos de vista que não temos.

A importância da estratégia de saída

Reduzido ao essencial, o artigo de Tanuro traz dois pontos importantes. Primeiro, “o mercado não pode ser a solução... Temos que confrontar as dinâmicas de acumulação, o que o plano de taxas e dividendos simplesmente não consegue fazer.” E, segundo, precisamos “de uma estratégia de aliança com os explorados e oprimidos para desenvolver uma alternativa ecossocialista.”

Concordamos inteiramente. Isso é exatamente o que Foster argumenta no mesmo artigo que Tanuro critica:

A estratégia de saída de Hansen, apesar de todos os seus pontos fortes, é ainda insuficiente. Sua fraqueza é que ela não vai longe o suficiente no enfrentamento às contradições sócio-sistêmicas geradas pela estrutura de poder do capital monopolista-financeiro atual. O que é necessário sob as presentes circunstâncias é a aceleração da história envolvendo uma reconstituição da sociedade. Os tipos de mudanças a serem consideradas no contexto de uma emergência planetária não podem ser confinados a canais estreitos que a classe dominante e sua poderosa elite política irão aceitar. Pelo contrário, uma estratégia efetiva de saída das mudanças climáticas deve contar com uma transformação social muito maior que pode ser desencadeada apenas por meio de mobilizações democráticas em massa.

Ecossocialistas não precisam debater se soluções de mercado podem fazer o trabalho (elas não podem) ou se precisamos construir um movimento de massas que consiga barrar o ecocídio capitalista (obviamente precisamos). O problema real é: como vamos daqui para lá? Como podem os ecossocialistas, uma corrente política relativamente pequena, contribuírem com a construção de um amplo e unido movimento que concordamos que é necessário?

O artigo de Tanuro não aborda o contexto prático no qual a estratégia de saída das mudanças climáticas de Hansen se desenvolveu. Organizações conservadoras e liberais que trabalham próximas às companhias de combustíveis fósseis vêm dominando por muito tempo o movimento verde estadunidense. Como Naomi Klein demonstra em Isso Muda Tudo, os maiores grupos verdes têm “enredado seus destinos com as corporações no cerne da crise climática… As mãos de quase ninguém estão limpas.” Teremos pouco progresso contra as mudanças climáticas enquanto tais forças possuírem controle político e organizacional.

É por isso que ecossocialistas devem apoiar grupos e campanhas como 350.org, Idle No More, e NoDAPL. Enquanto poucos desses “novos guerreiros climáticos,” como Klein os designa, são explicitamente anticapitalistas, eles ainda assim arriscam seus corpos para barrar os projetos mais destrutivos do capital.

James Hansen desempenhou um papel crítico na motivação e construção do novo movimento climático radical. Ele não é apenas qualquer cientista climático ou apenas qualquer ativista. Desde que prestou depoimento pela primeira vez em um comitê congressional em 1979, ele tem sido reconhecido como o principal climatologista do mundo e um ator central no novo movimento climático:

Ele foi preso em uma tentativa de proibir usinas a carvão e em um protesto contra o oleoduto Keystone XL, projetado para trazer areia betuminosa de Alberta para o Golfo do México. Seu ativismo e o fato de ele estar disposto a ir preso por essas questões demonstram o que ele considera ser essencial.

Uma estratégia de saída das mudanças climáticas concebida por ecossocialistas teria sem dúvidas sido mais forte e mais radical do que a de Hansen, mas não teria tido a mesma relevância ou credibilidade científica. Quando uma figura de tal proeminência chega a conclusões radicais provindas da falha dos governos e de corporações em agir, a Esquerda precisa prestar atenção.

Foster escreveu seu artigo de 2013 exatamente por essa razão: para alertar ecossocialistas e outras pessoas da esquerda sobre uma importante inflexao nas políticas verdes, uma mudança profunda que oferece novas possibilidades para a ação unida contra o ecocídio capitalista. Escrevemos tais artigos porque concordamos com Marx: “Todo passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas.”

Discordamos com aspectos do programa de Hansen. Nos incomodamos com seu apoio à energia nuclear e achamos que ele dá ênfase demais à parte de taxas e dividendos do seu programa. Mas nunca conseguiremos construir um movimento amplo se insistirmos em unanimidade. A não ser que você acredite que se deva, por uma questão de princípio, fazer oposição absoluta à precificação do carbono — e não é essa a visão de Tanuro, já que ele é favorável a uma taxação sobre o combustível de aeronaves — não há motivo para rejeitar de imediato a estratégia de saída de Hansen.

Não estamos debatendo se taxas e dividendos oferecem uma solução completa, mas se um programa que os inclui, assim como campanhas pelo fechamento de usinas de carvão, fracking e mineração de areias betuminosas, pode contribuir para um movimento de massas contra as mudanças climáticas.

Enquanto construímos esse movimento, vamos nos deparar com o trabalho em conjunto com pessoas que pensam que “precificar o carbono” representa a melhor solução. (Se não nos depararmos com esse trabalho em conjunto, não estamos obtendo alcance suficiente!) Deveriam os ecossocialistas simplesmente afastar essas pessoas? Ou deveríamos as conduzir mais à esquerda, argumentando, “se tal programa for introduzido, ele deve alvejar diretamente as corporações de combustíveis fósseis, enquanto protege os padrões de vida do povo trabalhador e dos pobres,” como a proposta de Hansen almeja?

Precisamos de um programa para a ação contra as mudanças climáticas que possa ganhar apoio de um amplo alcance de correntes e ativistas em potencial. O programa de Hansen pode não ser perfeito, mas não conhecemos uma proposta melhor vinda de um ambientalista com a influência que ele tem.

O plano de taxas e dividendos não entra em conflito com a construção de um movimento de massas, a não ser que o apresentemos como a única solução. Como parte de uma estratégia de saída ampla na linha do que Hansen propõe, esse plano oferece uma base consistente para o desenvolvimento de um movimento amplo contra as mudanças climáticas e avança uma contestação sistêmica ao capitalismo.

Concordamos com Daniel Tanuro que o mercado não é a resposta: o ecossocialismo é a resposta. Apenas de quaisquer desacordos que tenhamos, esperamos poder trabalhar com ele nesse projeto de vital importância.

Colaboradores

Ian Angus é editor do site Climate & Capitalism e autor do livro Facing the Anthropocene.

John Bellamy Foster é editor da revista Monthly Review e professor de sociologia na Universidade de Oregon.

25 de abril de 2017

Gramsci e a Revolução Russa

O que pensou um jovem Antonio Gramsci sobre a Revolução Russa?

Alvaro Bianchi e Daniela Mussi

Jacobin


Tradução / Oitenta anos atrás, em 27 de abril de 1937, Antonio Gramsci morreu depois de passar sua última década numa prisão fascista. Reconhecido postumamente por seu trabalho teórico em seus cadernos do cárcere, as contribuições políticas de Gramsci começaram durante a Guerra Mundial, quando ele era um jovem estudante de linguística na Universidade de Turim. Mas mesmo naquela época, seus artigos na imprensa socialista desafiavam não apenas a guerra, mas a cultura italiana liberal, nacionalista e católica.

No começo de 1917, Gramsci estava trabalhando como jornalista num pequeno jornal socialista de Turim, Il Grido del Popolo (“O grito do povo”) e colaborando com a edição piemontesa do jornal Avanti! (“Avante!”). Nos primeiros meses após a Revolução de Fevereiro na Rússia, as notícias sobre ela eram ainda escassas na Itália. Elas estavam sendo limitadas, em grande parte, à mera reprodução de artigos de agências de notícias de Londres e Paris. No Avanti!, alguns artigos que cobriam a Rússia passaram a vir assinados por “Junior”, um pseudônimo de Vasilij Vasilevich Suchomlin, um exilado russo Socialista-Revolucionário.

Para abastecer os socialistas italianos com informação confiável, a liderança do Partido Socialista Italiano (PSI) mandou um telegrama para o deputado Oddino Morgari, que na época encontrava-se em Haia, pedindo a ele para ir até Petrogrado e entrar em contato com os revolucionários. A viagem não deu certo e Morgari retornou para a Itália em julho. No dia 20 de abril, o Avanti! publicou uma nota, escrita por Gramsci, sobre a tentativa de viagem do congressista, chamando-o de o “embaixador vermelho”. Seu entusiasmo sobre os eventos na Rússia era visível. Nesse momento, Gramsci considerou que a força potencial da classe trabalhadora italiana para enfrentar a guerra estava diretamente conectada com a força do proletariado russo. Ele acreditou que, com a revolução na Rússia, todas as relações internacionais iriam fundamentalmente serem mudadas.

A Guerra Mundial estava passando por seus momentos mais intensos e a mobilização militar afetava profundamente o povo italiano. Angelo Tasca, Umberto Terracini e Palmiro Togliatti, amigos e camaradas de Gramsci, foram convocados para o front – no que Gramsci escapou por conta de sua saúde precária. Essa acabou sendo a forma pela qual o jornalismo tornou-se o seu “front”. Em seu artigo sobre Morgari, Gramsci citava favoravelmente uma declaração dos Socialistas-Revolucionários russos, publicada na Itália pelo Corriere della Sera, conclamando todos os governos da Europa a abandonarem suas ofensivas militares e fazerem apenas manobras defensivas diante dos ataques alemães. Essa era a posição do “defensismo revolucionário”, adotada por uma grande maioria na Conferência Pan-Russa dos Sovietes, em abril. Poucos dias depois, o Avanti! iria reproduzir a resolução dessa conferência, traduzida por Junior.

Mas conforme novas notícias chegaram, Gramsci começou a desenvolver sua própria interpretação sobre o que estava acontecendo na Rússia. No final de abril de 1917, ele publicou no Il Grido del Popolo um artigo intitulado “Note sulla rivoluzione russa” (“Notas sobre a Revolução Russa”). Contrário à posição de muitos socialistas na época – que analisavam os eventos russos como uma nova Revolução Francesa – Gramsci a tratou como um “ato proletário” que levaria ao socialismo.

Para Gramsci, a Revolução Russa era muito diferente daquela do modelo jacobino, visto como uma mera “revolução burguesa”. Ao interpretar os eventos de Petrogrado, Gramsci expôs um programa para o futuro. Visando dar continuidade ao movimento e ir em direção a uma revolução dos trabalhadores, os socialistas russos deveriam romper definitivamente com o modelo jacobino – identificado aqui com o uso sistemático da violência e com a baixa atividade cultural.

Nos meses seguintes de 1917, Gramsci rapidamente alinhou sua posição com a dos Bolcheviques, algo que ficou expresso também na sua identificação com as facções mais radicais e anti-guerra do PSI. Num artigo de 28 de julho, “I massimalisti russi” (“os maximalistas russos”), Gramsci declarou total suporte a Lenin e ao que ele chamava de política “maximalista”. Isso representava, em sua opinião, “a continuidade da revolução, o ritmo da revolução e, portanto, a própria revolução”. Os maximalistas eram a encarnação da “ideia-limite de socialismo”, sem qualquer compromisso com o passado.

Gramsci insistia que a revolução não podia ser interrompida e que deveria superar o mundo burguês. Para o jornalista do Il Grido del Popolo, o maior risco das revoluções, especialmente da Russa, era o desenvolvimento da percepção de que o processo tivesse atingido um ponto de fechamento. Os maximalistas eram a força que se opunha a essa interrupção e, por conta disso, “o último elo lógico do devir revolucionário”. No raciocínio de Gramsci, a totalidade do processo revolucionário estava encadeada e era impulsionada num movimento no qual os mais fortes e mais determinados conseguiriam arrastar os mais fracos e mais confusos.

No dia 5 de agosto, uma delegação russa representando os sovietes chegou em Turim, incluindo nela Josif Goldemberg e Aleksandr Smirnov. A viagem tinha sido autorizada pelo governo italiano, que tinha esperança militaristas de que o novo governo russo iria dar continuidade à guerra contra a Alemanha. Após encontrar-se com os delegados russos, os socialistas italianos expressaram sua perplexidade com as ideias que ainda eram dominantes dentro dos sovietes russos. No dia 11 de agosto, o editor do Il Grido del Popolo questionava:

Quando nós ouvimos os delegados dos sovietes russos falarem em defesa da continuação da guerra em nome da revolução, nós perguntamos ansiosamente se isso não significava, então, aceitar ou até mesmo desejar a continuação da guerra para proteger a supremacia dos interesses dos capitalistas russos contra os avanços do proletariado?

Apesar disso, a visita dos delegados dos sovietes foi uma oportunidade para propagandear a revolução e os socialistas italianos aproveitaram o momento. Após terem passado por Roma, Florença, Bologna e Milão, a delegação retornou à Turim. Em frente da Casa del Popolo, quarenta mil pessoas deram as boas-vindas para a Revolução Russa na primeira grande manifestação pública na cidade desde o início da guerra. Na sacada da casa, Giacinto Menotti Serrati, o então líder da ala maximalista dentro do partido e firme opositor da guerra, traduziu o discurso de Goldemberg. E conforme o delegado falou, Serrati disse que os russos queriam o fim imediato da guerra e concluiu a “tradução” gritando “Viva a Revolução Italiana”, no que a multidão respondeu gritando de volta “Vida longa à Revolução Russa! Vida longa à Lênin!”

Gramsci relatou entusiasmadamente sobre esse comício com os delegados russos da revolução no Il Grido del Popolo. A manifestação promoveu, em sua opinião, uma verdadeiro “espetáculo das forças proletárias e socialistas em solidariedade com a Rússia revolucionária”. Alguns dias depois, esse espetáculo tomaria novamente as ruas de Turim.

Na manhã do dia 22 de agosto não havia mais pão em Turim, resultado de uma longa crise de abastecimento provocada pela guerra. Ao meio-dia os operários pararam o trabalho nas fábricas da cidade. Às 5 da tarde, quando quase todas as fábricas tinham parado, a multidão começou a marchar pela cidade, saqueando padarias e depósitos. A insurreição espontânea, que não havia sido convocada por ninguém, espalhou-se e rapidamente dominou a cidade. A restauração do abastecimento de pão não parou o movimento, que rapidamente assumiu um caráter político.

Na tarde seguinte, o poder em Turim foi transferido para o Exército, que tomou controle do centro da cidade. Os saques e a construção de barricadas continuaram nos limites de Turim. No Borgo San Paolo, um enclave socialista, os manifestantes atacaram e atearam fogo na igreja de San Bernardino. A polícia atirou contra a multidão. Os conflitos se intensificaram até o dia 24 de agosto. Na manhã desse dia, os manifestantes tentaram chegar ao centro da cidade, mas sem sucesso. Algumas horas depois, eles enfrentaram tiros do Exército que vinham de metralhadoras e carros blindados. No final do dia, a trilha de destruição contabilizava vinte e quatro mortos e mais de 1.500 pessoas presas. A greve continuaria até a manhã seguinte, mas sem as barricadas. Em seguida, vinte e quatro dirigentes socialistas foram presos. Essa rebelião espontânea chegava ao seu fim.

O jornal Il Grido del Popolo não circulou nesses dias. Ele iria retomar suas atividades no dia 1º de setembro, agora sob a direção de Gramsci, que estava substituindo a líder socialista que tinha sido presa, Maria Giudice. A censura estatal não permitia que fosse publicada qualquer referência a insurreição. Gramsci então aproveitou a oportunidade para fazer uma pequena referência à Lênin: “Kerensky representa a fatalidade histórica, mas certamente Lênin representa o devir socialista e nós estamos com ele, com todo nosso entusiasmo”. Aquela era uma referência aos dias de julho na Rússia e a perseguição política aos Bolcheviques que tinha acontecido logo em seguida e que acabaram forçando Lênin a se refugiar na Finlândia.

Alguns dias depois, no dia 15 de setembro, quando as tropas lideradas pelo general Layr Kornilov marcharam em direção a Petrogrado para restaurar a ordem contrarrevolucionária, Gramsci mais uma vez referenciou aquela “revolução que ocorreu nas consciências”. E em 29 de setembro, Lênin novamente foi definido como o “agitador das consciências, o despertador das almas adormecidas”. A informação existente na Itália ainda não era confiável e estava sendo filtrada pelas traduções de Junior no Avanti!. Nessa altura, Gramsci ainda identificava o Socialista-Revolucionário Viktor Chenov como “o homem que tem um programa concreto para a ação, um programa que é completamente socialista, que não admite a colaboração de classes e que não pode ser aceito pela burguesia porque ele subverte o princípio da propriedade privada, porque ele é finalmente o começo da revolução social”.

Enquanto isso, a crise política na Itália continuava. Depois da derrota do Exército italiano na Batalha de Caporetto, no dia 12 de novembro, a facção parlamentar dos socialistas, liderada por Filippo Turati e Cladio Treves, adotou uma postura abertamente nacionalista e passou a advogar pela defesa da “nação”, distanciando-se do “neutralismo” dos anos anteriores. Nas páginas do jornal Critica Sociale, Turati e Treves publicaram um artigo que afirmava a necessidade do proletariado defender seu país em momentos de perigo.

A intransigente facção revolucionária do partido, por sua vez, também se organizou diante da nova situação. Em novembro, os líderes dessa facção chamaram uma reunião secreta em Florença para discutir a “futura orientação do nosso partido”. Gramsci, que tinha começado a assumir um importante papel na seção de Turim do partido, participou da reunião na condição de representante. No encontro, ele se alinhou com aqueles que defendiam a necessidade de agir de forma militante, como Amadeo Bordiga, enquanto Serrati e outros falaram na necessidade de manter a velha tática neutralista. A reunião terminou reafirmando os princípios do internacionalismo operário e a oposição à guerra, mas sem nenhuma orientação prática sobre como agir.

Gramsci interpretou os eventos de agosto, em Turim, sob a luz da Revolução Russa e após ter retornado da reunião, ele estava convencido de que o momento exigia ação. Animado por esse otimismo e pelos ecos que falavam da tomada de poder na Rússia pelos Bolcheviques, ele escreveu, em dezembro, um artigo chamado “La rivoluzione contro ‘Il Capitale‘” (“A revolução contra o ‘Capital’”); nele, Gramsci declarava que “a revolução Bolchevique definitivamente era a continuação da revolução geral do povo russo”.

Após ter impedido que a revolução estagnasse, os partidários de Lênin tomaram o poder numa posição que estabelecia a “sua ditadura” e elaboraram “formas socialistas pelas quais a revolução invariavelmente tinha que conformar para continuar seu desenvolvimento de forma harmoniosa”. Em 1917, Gramsci não tinha uma noção clara de todas as diferenças políticas dentre os revolucionários russos. Além disso, o centro de suas ideias sobre a revolução socialista era uma presunção genérica que concebia que ela seria um movimento contínuo, “sem confrontos violentos”.

Por sua íntima e irresistível força cultural, a revolução dos Bolcheviques “era baseada mais em ideologias do que em fatos”. Por essa razão, a revolução não poderia ser lida seguindo à risca “a letra [do texto] de Marx”. Na Rússia, continuava Gramsci, o Capital era “o livro da burguesia e não dos operários”. Ele se referia aqui ao Prefácio de 1867, no qual Marx afirmava que as nações com maior desenvolvimento capitalista mostravam o caminho para as subdesenvolvidas, os “estágios naturais” do progresso que não poderiam ser saltados.

Com base nesse texto, os Mencheviques formularam uma leitura do desenvolvimento social na Rússia que afirmava a necessidade de formar uma burguesia e uma constituição totalmente adequadas ao desenvolvimento da sociedade industrial antes do socialismo tornar-se uma possibilidade. Mas, de acordo com Gramsci os revolucionários, sob a liderança de Lênin, “não eram marxistas” no sentido estrito do termo, ou dito de outra forma, ainda que eles não recusassem o “pensamento imanente” de Marx, eles “renegavam algumas das afirmações do Capital” e recusavam-se a toma-lo como uma “doutrinazinha exterior, cheia de afirmações dogmáticas e frases indiscutíveis”.

De acordo com Gramsci, as predições de Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo expostas no Capital estariam corretas nas situações de desenvolvimento normal nas quais a formação de uma “vontade popular coletiva” ocorreria a partir de “uma longa série de experiências de classe”. A guerra, contudo, havia acelerado essa temporalidade de forma imprevisível e, dentro de três anos, os trabalhadores russos tinham vivenciado intensamente essas experiências. “O alto custo de vida, a fome, a morte decorrente dela, tudo isso atingia a todos, dizimando dezenas de milhões de pessoas na época. [Contra] esse estado de coisas, a vontade coletiva foi colocada em uníssono, inicialmente de forma mecânica e, depois da primeira revolução, de forma espiritual”.

Essa vontade popular coletiva foi cultivada pela propaganda socialista. Ela havia permitido que os trabalhadores russos, numa situação excepcional, vivessem a totalidade da história do proletariado em um instante. Os trabalhadores reconheceram os esforços de seus ancestrais em prol da emancipação contra os “laços de servilismo” e rapidamente desenvolveram uma “nova consciência”, tornando-se “testemunhas presentes de um mundo futuro”. Além disso, atingindo essa consciência num momento no qual o capitalismo internacional estava completamente desenvolvido em países como a Inglaterra, o proletariado russo podia rapidamente atingir sua maturidade econômica, uma condição necessária para o coletivismo.

Apesar de que em 1917 ele ainda tinha pouco conhecimento sobre as ideias dos Bolcheviques, o jovem editor do Il Grido del Popolo havia feito um movimento natural de aproximação com a fórmula de Trotsky de revolução permanente. Gramsci viu em Lênin e nos Bolcheviques a encarnação de um programa de renovação de uma revolução ininterrupta. Uma revolução que ele queria que se tornasse real também na Itália.

Vinte anos depois, Gramsci morreu como prisioneiro do fascismo italiano. Tal olhar retrospectivo poderia nos levar a crer que esse destino trágico teria levado Gramsci a questionar as grandes esperanças que ele viu surgirem com os eventos de outubro de 1917. Ou até mesmo que seus Cadernos do Cárcere seriam um exercício para encontrar “novas formas”, mais moderadas ou negociadas, para lutar contra o capitalismo.

Mas nunca houve tal rendição. Em seus escritos no cárcere, Gramsci construiu uma teoria da política na qual a força e o consenso não são elementos separados e na qual o Estado é concebido como o resultado histórico de processos de forças entrelaçadas, processos nos quais raramente produzem condições vantajosas para os grupos subalternos. Ele escreveu sobre a necessidade de armar as lutas em todas as esferas da vida e também sobre os riscos de uma acomodação hegemônica e de um “transformismo político”. Ele deu atenção especial para o papel – quase sempre deletério – dos intelectuais na vida popular e sobre a importância de avançar no marxismo enquanto visão de mundo integral – a filosofia da práxis.

Sendo assim, durante seus anos de prisão não há nada que indique que Gramsci havia abandonado a Revolução Russa como uma referência histórica e programática para a emancipação da classe trabalhadora. A Revolução Russa permaneceu viva na mente e no coração de Gramsci até a sua morte, em 27 de abril de 1937.

19 de abril de 2017

Por uma Guiana livre

A Guiana francesa vai às ruas em protesto contra décadas de negligência e baixos investimentos.

Françoise Vergès

Jacobin
Manifestantes em Kouru, Guiana em abril de 2017. Créditos: Jeremy Beck.

Tradução / Em março, sindicatos e associações da Guiana Francesa organizaram um coletivo chamado Pou La Gwiyann dékolé, que significa, no crioulo guianês, “pela separação da Guiana”. Desde então, os ativistas planejaram manifestações, bloquearam estradas, fecharam cidades e comércio marítimo, organizaram uma greve geral e realizaram marchas que reuniram amplos estratos da população, desde estudantes do ensino médio e advogados até camponeses, agricultores e populações indígenas.

Eles apresentaram um memorando de quarenta páginas aos ministros franceses listando suas demandas, abrangendo saúde, educação, agricultura, desenvolvimento e segurança. O movimento denuncia como sucessivos governos franceses trataram a Guiana, citando a infraestrutura em ruínas da região; a falta de segurança e desenvolvimento; a crescente desigualdade e discriminação e o desrespeito generalizado. Os manifestantes repetidamente gritaram “Determinado!” e “Nou bon ké sa” (algo como “Basta!”). Carregaram a bandeira guianesa e cantaram em homenagem a seu país: a Guiana.

O sucesso do coletivo tem sido notável. Os bloqueios de trânsito, sit-ins [“sentaços”], marchas e a paralisação da capital, Cayenne, galvanizaram milhares de pessoas em protestos pacíficos. Os porta-vozes do coletivo mantiveram a multidão informada durante as conversações com o governo. Em 2 de abril, rejeitaram a oferta do governo de desembolsar pouco mais de 1 bilhão de euros; no dia seguinte, o primeiro-ministro declarou que a demanda coletiva por € 2,5 bilhões era “irrealista”.

Pou La Gwiyann dékolé prometeu continuar suas mobilizações e, em 4 de abril, milhares caminharam em direção a Kourou, a base aeroespacial europeia. Eles organizaram um “sit-in” na entrada, e trinta pessoas – incluindo mandatários eleitos, que o coletivo tinha anteriormente alijado – ocuparam o local. No dia seguinte o governo reiterou sua oferta de 1,086 bilhões de euros.

A ocupação terminou logo após a resposta decepcionante do Estado. Os ativistas expressaram sua frustração, denunciaram a contínua falta de respeito do governo e falaram da unidade da Guiana e do endurecimento do movimento. Na quinta-feira, o coletivo manteve seus bloqueios e começou a discutir novas estratégias.

Em maio, a França elegerá um novo presidente, e um novo parlamento virá em junho. Mas Pou La Gwiyann dékolé se recusa a ser refém da política francesa. Em cada barricada, em cada marcha e manifestação, eles gritam o que se tornou seu lema: “Determinado!”.

O movimento levanta questões familiares: que tipo de república reivindica o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” enquanto ainda governa tantas ex-colônias? Que tipo de poder imperial está sendo empregado agora? Muitos políticos na França continental repetem o clichê de que essas áreas são “território esquecido”, uma frase que implica amnésia. Em vez disso, não deveríamos discutir as escolhas políticas que criaram o esquecimento e a dependência?

Quando as notícias de um dos treze territórios ultramarinos franceses habitados chegam a Paris os meios de comunicação franceses respondem com surpresa, o público com descaso e os políticos com as mesmas velhas promessas de se lembrar mais dessas regiões. Essas respostas desempenharam papéis essenciais na reconfiguração do espaço republicano francês, transformando o que resta do império francês em um mapa mutilado de controle imperial.

O movimento de resistência guianense está desenvolvendo novas estratégias para conquistar a autodeterminação. Ainda que não consigam trazer a democracia e o desenvolvimento necessários para a Guiana, a sua luta pode ajudar-nos a compreender como a história colonial da França continua a moldar a vida dos seus súditos em todo o mundo.

A União Francesa no pós-guerra


Apesar do fato de Paris ainda governar territórios no Pacífico, no Oceano Índico, no Caribe e na América do Sul, as pessoas que vivem na França continental compartilham da convicção de que, após 1962, seu país abandonou qualquer forma de colonialismo. Os territórios ultramarinos desapareceram da consciência e este véu de ignorância impediu os franceses de se perguntarem por que tantas áreas supostamente descolonizadas ainda vivem sob o domínio imperial.

Lembrar a existência dessas regiões desencadeia uma de duas respostas. Alguns afirmam ter “amor e afeto eterno” para com os territórios e suas populações, enquanto outros se voltam para o discurso familiar da dependência, descrevendo seus concidadãos como preguiçosos, amargos, inconsequentes e irrealistas.

Em ambos os lados, os fatos permanecem vagos. Os ativistas precisam sempre repetir informações geográficas, sociais e políticas; os cidadãos franceses parecem incapazes de acumular esses conhecimentos, não importa quantas vezes eles os ouçam. Sua ignorância, no entanto, não importa de verdade: a verdade sempre pode vir à tona quando as sociedades ultramarinas estão em causa.

Para entender o descontentamento do coletivo guianense devemos retraçar rapidamente a reconfiguração do Estado francês durante o século XX. Depois da Segunda Guerra Mundial – como o racismo era universalmente condenado, os movimentos de descolonização estavam crescendo e a própria natureza do capital estava se transformando – a França revisou seu vocabulário oficial, renunciou a suas práticas imperiais e sugeriu parceria – e não o mero domínio – a suas antigas colônias. Eles chamaram a nova configuração de União Francesa, ligando a França continental – agora chamada de “Hexágono” – às suas ex-colônias como parceiros iguais, com Paris como guia.

Paris reconheceu que precisava de suas colônias. Seus recursos seriam essenciais para a reconstrução no pós-guerra e sua associação manteve o status de França como uma potência global. Enquanto o Estado investiu dinheiro em estradas, portos e outras obras de infraestrutura, pouco fez para acabar com a dependência, poder assimétrico ou racismo. No primeiro programa de desenvolvimento da França pós-guerra (1947-1954), afirmou que o desenvolvimento era impossível em partes de seu antigo império: Reunião, Guadalupe, Guiana e Martinica (que se tornaram departamentos em 1946), Mayotte, Nova Caledônia e Polinésia Francesa. Para garantir que essa análise se concretizasse, o Estado implementou duas políticas: emigração e controle de natalidade.

Durante toda a década de 1950 a França implementou essa política do “desenvolvimento impossível”. Ele destruiu a indústria local, aumentando o desemprego e a dependência. Milhares de jovens iam à França todos os anos para trabalhar em fábricas ou empregos públicos de baixo nível, onde enfrentaram formas metropolitanas de discriminação. Em suas terras natais, mulheres negras e pobres sofreram abortos forçados, esterilização e contracepção.

O Estado reprimiu os movimentos anticolonialistas e trabalhistas; a polícia francesa, o exército e as milícias privadas espancaram, prenderam e assassinaram líderes da resistência. O Estado rejeitou sistematicamente, reprimiu e condenou as demandas de autonomia ou independência e subjugou línguas, religiões e culturas não europeias. A fraude eleitoral garantiu que os conservadores leais permaneceram no poder. A França apresentou incansavelmente duas mensagens: “O futuro está em outro lugar” e “Não há alternativa à dependência”.

No final dos anos 1950, a França tinha preservado sua União, mas a guerra na Argélia exigiu uma segunda reconfiguração da República Francesa. Agora, a França seria totalmente europeia – apenas o “Hexágono” – e deixaria seu colonialismo no passado.

No entanto, sequer um ano se passou sem revoltas, greves e manifestações contra a censura e a fraude. As pessoas se levantaram na Martinica em 1959, na Ilha da Reunião em 1962, 1991 e 2012, em Guadalupe, em 1967, e na Nova Caledônia, em 1988, provando que a pacificação nunca teve êxito total. Os programas governamentais lançados em resposta a essas lutas, destinados a enfraquecer a desigualdade e aliviar o descontentamento, não produziram desenvolvimento econômico. Em vez disso, eles pretendiam manter o controle francês e oferecer ao Capital novos mercados para explorar.

Em 1999, a taxa de pobreza em todos os territórios ultramarinos era mais elevada do que em qualquer região francesa. Quase metade dos jovens com menos de vinte e cinco anos não tinha diploma (em comparação com um quinto na França); na Guiana, 50% da população deixou a escola ainda no nível primário. Na Martinica, a percentagem de crianças que vivem abaixo do nível de pobreza é quase o dobro daquela da França (13% e 8%, respectivamente); enquanto, na Guiana, 32% – quatro vezes o número no Hexágono – não podia pagar as suas necessidades básicas.

Apesar desta pobreza desenfreada, o custo de vida disparou, subindo entre 12% e 30% mais do que em Paris – o que se explica ao menos em parte por mais de 80% dos produtos serem importados da França. (Mesmo o café cultivado no Brasil deve viajar para a França antes de voltar para a América do Sul). Enquanto isso, os testes nucleares, o uso de pesticidas proibidos na Europa, a mineração de níquel, bem como a mineração de ouro ilegal e a infraestrutura de estilo europeu devastaram a terra e a saúde da população.

Em todos os territórios ultramarinos o racismo dividiu a população. As prisões estavam superpovoadas; negros e indígenas foram mantidos no fundo do poço social. Os funcionários públicos estaduais – que tendem a ser homens brancos franceses – recebem salários mais elevados do que os servidores públicos na França e pagam menos impostos. Esses burocratas locais lideraram greves, no início da década de 1950, para conquistar esses privilégios coloniais: salários mais altos, menos impostos e outras regalias financeiras, como viagens com suas famílias rumo à “pátria mãe”. Apresentavam suas reivindicações como reparação do colonialismo, mas os benefícios que receberam criaram uma assimetria duradoura entre a população local e os funcionários públicos de classe média.

A propriedade da terra está em disputa em toda parte, como resultado de séculos de colonialismo. Os descendentes dos senhores de escravos foram autorizados a manter suas terras após a abolição da escravidão em 1848, quando as receberam como compensação pela perda de sua propriedade escravizada. Os libertos não tinham acesso à terra e o Estado francês aplicava direitos à terra que expropriavam os nativos, reforçavam os privilégios dos grandes proprietários de terras e favoreciam os colonizadores brancos. Na Guiana, o Estado detém 80% da terra e não paga impostos sobre a propriedade. Em 2017, o desemprego, a dependência, o analfabetismo e o subdesenvolvimento continuam a definir os territórios ultramarinos.

Os políticos do Hexágono reclamam regularmente que os territórios ultramarinos “custam” o povo francês. Os benefícios oferecidos às multinacionais francesas e o fato de que o dinheiro público é reciclado para as empresas francesas e não para a indústria local desmente essas afirmações. Mesmo para o Estado francês, a continuação da propriedade dessas terras paga dividendos. Os territórios ultramarinos asseguram o estatuto nacional de potência marítima global, garantem a sua presença em todas as instituições regionais, fornecem terrenos para bases militares, vigilância por satélite e investigação científica e abrem novos mercados para os produtos franceses.

Simplificando, longe de se esquecer dos seus territórios ultramarinos, o Estado francês concebeu a sua configuração espacial e sua economia tendo eles plenamente em mente. Paris tem trabalhado para manter a dependência ao mesmo tempo em que concedeu alguns direitos de deliberação e decisão à população local, após intensas lutas. Este limitado poder local colocou os conselhos locais como responsáveis pelo desenvolvimento, libertando a França continental de qualquer responsabilidade.

O racismo colonial persiste, mas o Estado não é o único culpado. A esquerda francesa e os movimentos progressistas não se descolonizaram, eles próprios, a contento. Em 1956, Aimé Césaire se desligou do Partido Comunista Francês citando o fato de que o racismo colonial inevitavelmente contamina a sociedade colonizadora com uma crença na superioridade europeia, tornando-os incapazes de entender as demandas dos povos colonizados. Sua visão ainda é, infelizmente, atual.

Além disso, as políticas do Estado não poderiam ter sido implementadas sem proponentes locais, que brandissem seu status como cidadãos europeus e aqueles privilégios associados contra seus vizinhos indígenas. Não apenas os funcionários públicos, mas também trabalhadores sociais, professores, líderes políticos e artistas.

Mais recentemente, a xenofobia aumentou sensivelmente nos territórios ultramarinos. Em Mayotte, em Reunião, nas Antilhas e na Guiana, os habitantes locais associam novos migrantes a uma maior criminalidade, tirando proveito dos benefícios sociais e não trabalhando, não sendo “como nós”. Em Mayotte, os “estrangeiros” – normalmente oriundos de Camarões – são expulsos em maior número do que na França; os Maores chegam até a organizar a destruição de suas casas! Em outras palavras, a fabricação local do consentimento não pode ser ignorada. Na Guiana, ainda que alguns membros do coletivo Pou La Gwiyann dékolé demandem penas mais duras e até mesmo a expulsão de prisioneiros estrangeiros, nunca passaram aos ataques aos imigrantes.

Guiana, o Mundo


O movimento guianês representa um momento histórico. A capacidade do coletivo para mobilizar, organizar e reagir a eventos em desenvolvimento tem sido impressionante. Ao recusar-se a incluir funcionários eleitos, comunicando os resultados das negociações à multidão, permitindo que os meios de comunicação participem na maioria de suas reuniões e falando em crioulo guianês, os membros da Pou La Gwiyann dékolé estão inventando uma nova forma de deliberação e intervenção.

O coletivo inclui uma série de povos indígenas e Bushinenge (quilombolas). O grupo que domina o coletivo – os chamados “quinhentos irmãos” – formou-se para protestar contra a crescente taxa de assassinatos e exigir a expulsão de prisioneiros não-guianenses, bem como a construção de mais prisões, tribunais e delegacias. Eles imediatamente atraíram a atenção da mídia, pois seus líderes falam eloquentemente sobre a situação na Guiana e até agora mantiveram a unidade entre os diferentes grupos do coletivo.

Algumas de suas perguntas, entretanto, permanecem não apenas sem resposta, mas também não solicitadas: o que causa a criminalidade? Que posição toma o coletivo em relação aos migrantes e seus filhos nascidos na Guiana, que são cidadãos franceses? Que política de prevenção do crime eles imaginam? Mais policiais e mais deportações não apagarão a fronteira de setecentos quilômetros com o Brasil ou a fronteira de quinhentos quilômetros com o Suriname ou o aumento da pobreza que o capitalismo produziu. Embora haja, obviamente, um problema “franco-guianês”, a emancipação também deve ser imaginada com o contexto regional e global em mente. Os territórios ultramarinos franceses não existem no vácuo nem em relação exclusiva à França. A política e a economia regionais e globais devem ser consideradas.

No dia 2 de abril os membros do coletivo acrescentaram um novo item às suas demandas: uma discussão sobre o status administrativo da Guiana. Com isso, reapareceu a velha pergunta: como deveria a república francesa se relacionar com seus territórios ultramarinos? As demandas de autonomia ou independência nas décadas de 1960 e 1970 foram brutalmente reprimidas, e a possibilidade de imaginar outra estrutura administrativa foi excluída. No entanto, a posterior aplicação da hegemonia cultural e da pacificação não apagou as lembranças dessas lutas.

Movimentos anticoloniais naquele período fizeram uso de lutadores icônicos – quilombolas, rebeldes e artistas revolucionários – cujas memórias foram reativadas através de canções e poemas. O movimento atual também se baseia em referências revolucionárias e locais, como elogiar os espíritos de dois elementos essenciais: terra e água. Eles também apresentam sua luta no contexto de movimentos passados. Durante a Marcha de Terça-feira rumo a Kourou, os manifestantes inauguraram um monumento que celebra a memória de Martin Luther King Jr (que foi assassinado naquele dia, em 1968) e em honra de John Carlos e Tommie Smith (que levantou os punhos nos Jogos Olímpicos de 1968).

A mídia tende a prestar atenção apenas à discriminação racial na França continental, mas os movimentos políticos, sociais e culturais nos territórios ultramarinos, desde os primeiros anos da descolonização até hoje, tornam visível o colonialismo da república francesa. Embora historicamente e culturalmente situadas em todo o mundo, as colônias restantes da França pertencem ao Sul Global, todas ligadas a um Estado europeu com um passado imperial longo e uma história de descolonização repleta de violência.

18 de abril de 2017

Votar ou reinventar a política

Em um artigo no "Le Monde", o filósofo acredita que o voto só reforça o conservadorismo. Em vez disso, ele defende "reinventar o comunismo."

Alain Badiou

Le Monde


Tradução / Muitos eleitores ainda estão indecisos sobre a iminente eleição presidencial. Eu consigo entender o porquê. Não é tanto que os programas dos candidatos considerados elegíveis sejam obscuros ou confusos. Não é tanto – para usar uma formulação que usei certa vez com Sarkozy e que gozou de certo sucesso – que precisemos nos perguntar “em nome do que eles falam.” Na verdade, tudo isso está bastante evidente.

Marine Le Pen é a versão modernizada – e portanto feminizada – do que a extrema-direita francesa sempre foi, dévouée au capitalisme et à la propriété privée sur le fond, mais démagogiquement populiste, nationaliste à la petite semaine, xénophobe et boutiquière.

François Fillon é o burguês provincial católico intolerante, totalmente inconsciente do que é viver fora de seu ambiente rançoso, e cuja filosofia, ou orçamento pessoal, equivale a "poupar cada centavo". Sinon qu’il n’est pas regardant sur la provenance de ses propres sous, et par contre d’une intransigeance et d’une avarice sordides quand il s’agit des dépenses budgétaires, et donc des sous des autres, et surtout des sous des pauvres. Benoît Hamon est le représentant timide, quelque peu étriqué, du « socialisme de gauche », détermination qui a toujours existé, bien qu’elle soit plus difficile à identifier et découvrir que l’Arlésienne, sinon par sa différence in-différente d’avec le socialisme colonial et musclé des Lacoste ou des Valls.

Jean-Luc Mélenchon – certamente o menos desagradável – é no entanto a expressão parlamentar do que chamamos hoje de esquerda “radical”, na fronteira precária entre o velho socialismo fracassado e um comunismo espectral, misant sur l’éloquence « à la Jaurès » et sur une énergie partagée à la bonne franquette pour masquer qu’au pouvoir, il ne ferait que ce qui est déclaré possible par nos vrais maîtres, et donc presque rien de ce qu’il annonce à son de trompe.

Emmanuel Macron, lui, est une créature sortie du néant par eux, nos vrais maîtres, les plus récents, ceux qui ont acheté, par précaution, tous les journaux, les capitalistes de la dernière vague, ceux de la mesquine « révolution » informatique et de ses bas-côtés. Il porte beau, ce faux jeune, et s’il croit et dit que la Guyane est une île ou que le Pirée est un homme, ce n’est que parce qu’il sait que parler n’a jamais engagé personne dans le camp qui est le sien, et que, comme on disait dans le Midi du vieux socialisme de cassoulet, « il est bien pôvre, celui qui ne peut pas promettre ».

Alors, obscurément, ceux qui hésitent sentent que dans ce théâtre de rôles anciens et connus, la conviction politique, la révolte, la demande populaire, une dangereuse situation mondiale presque au bord de la guerre, le malheur planétaire de centaines de millions de gens, que tout cela ne compte guère, ou n’est qu’un prétexte pour de fallacieux effets de manche.

Por isso, é útil começar pela seguinte questão: o que é política? E o que é uma política identificável, declarada?

Uma política sempre pode ser definida a partir de três elementos. Primeiro, a massa de pessoas comuns, com o que pensam e fazem. Chamemos isso de “o povo.” Em seguida, as várias formações coletivas: associações, sindicatos e partidos – em suma, todos os grupos capazes de ação coletiva. Finalmente, os órgãos do poder estatal – congressistas, governo, exército, polícia – mas também os órgãos do poder econômico e midiático (uma diferença que se tornou quase imperceptível), ou tudo o que chamamos hoje – com um termo ao mesmo tempo pitoresco e opressor – “aqueles que decidem”.

Uma política sempre consiste em perseguir objetivos pela articulação destes três elementos. Assim, podemos ver que no mundo moderno – de modo geral – há quatro orientações políticas fundamentais: fascista, conservadora, reformista e comunista.

As orientações conservadoras e reformistas constituem o bloco parlamentar central nas sociedades capitalistas avançadas: a esquerda e a direita na França, os republicanos e democratas nos Estados Unidos, conservadores e trabalhistas no Reino Unido, democratas-cristãos e social-democratas na Alemanha, etc. O que essas duas orientações têm em comum é que afirmam que o conflito entre elas – especificamente a articulação desses três elementos – pode e deve permanecer nos limites constitucionais aceitos por ambas. Em outras palavras, o poder de alternância de um após o outro da tendência central é o modo de perpetuação, com pequenas alterações nas nuances de um consenso de base.

O que as duas outras orientações – fascista e comunista – tem em comum, apesar da radical oposição entre seus objetivos, é que elas defendem que o conflito entre os diferentes partidos sobre a questão do poder estatal é tendencialmente irreconciliável: não pode se restringir a um consenso constitucional. Eles se recusam a integrar na sua concepção de sociedade e do Estado os seus objetivos conflitantes ou apenas diferentes do seu.

Bien entendu, les objectifs de ces deux tendances sont – contrairement à ce qui règle le duo conservatisme/réformisme – totalement opposés. Le fascisme est un capitalisme d’Etat greffé sur le mythe d’une identité collective, raciale, nationale religieuse, culturelle, supérieure à toute autre. Le communisme entend, lui, briser le droit bourgeois, limiter de façon drastique la propriété privée des moyens de production, et s’adresse, hors identité fermée, à l’humanité tout entière. Mais l’un et l’autre s’opposent, au sein des opinions répandues dans le peuple, au bloc consensuel central.

Pode ser chamado de “parlamentarismo” a forma dominante do Estado no que é comumente chamado de Ocidente, a organização do poder que assegura a conservadores e reformistas uma hegemonia compartilhada – mediada pela máquina eleitoral, os partidos e sua clientela – que elimina em todos os lugares qualquer perspectiva séria dos fascistas ou comunistas tomarem o poder do estado.

Isto implica que existe um terceiro termo, uma poderosa base contratual comum, ao mesmo tempo externa e interna às duas orientações principais. É claro que em nossas sociedades, esta base é o capitalismo liberal. Liberdade ilimitada de empresa e enriquecimento, respeito absoluto da propriedade privada – garantida pelo sistema judiciário e pela polícia – confiança nos bancos, educação dos jovens sob o disfarce de “democratizar” a concorrência, apetite de “sucesso”, afirmações repetidas do caráter nocivo e utópico da igualdade: tal é a matriz das liberdades consensualmente estabelecidas. Estas são as liberdades que os tais partidos dominantes mais ou menos tacitamente se comprometem a garantir perpetuamente.

O desenvolvimento do capitalismo pode trazer algumas incertezas quanto ao valor do consenso parlamentar, e à confiança atribuída – durante o ritual eleitoral – aos “grandes” partidos conservadores ou reformistas. Isso é especialmente verdadeiro no caso da pequena-burguesia que tem seu status social ameaçado, ou em regiões de classe trabalhadora devastadas pela desindustrialização. Este é o caso no Ocidente - Estados Unidos e Europa, onde podemos observar uma espécie de decadência em face do poder ascendente dos países asiáticos. Essa crise subjetiva atual favorece sem dúvida orientações fascistas, nacionalistas, religiosas, islamofóbicas, e beligerantes, porque o medo é um mau conselheiro, e essas subjetividades marcadas pela crise são tentadas a se apegar a mitos identitários. Sobretudo, porque a hipótese comunista emergiu terrivelmente enfraquecida do fracasso histórico de todas as suas versões estatizantes, especialmente a URSS e a República Popular da China.

Les tenants intellectuels du consensus parlementaire, tant les conservateurs éclairés que les réformistes réalistes, tout ce qui va de Fillon à Mélenchon en passant par Macron et Hamon, nous supplient de voter « utile » pour barrer la route au proto-fascisme désormais installé dans le paysage. Mais qui a ouvert cette route ? Qui, par des campagnes ignorantes, acharnées, persécutrices, s’est employé à identifier l’orientation communiste à un crime ? Qui nous a enjoint de penser qu’une Idée égalitaire, le motif d’une émancipation de l’humanité toute entière, rompant avec une dizaine de millénaires de dictature de la propriété privée, pouvaient et devaient être jugés sur soixante ans d’expérimentations étatiques localisées, entre 1917 (révolution russe) et 1976 (échec définitif de la révolution culturelle chinoise) ?

Parlons de la répression de l’insurrection au Cameroun, avec les têtes des victimes exposées au seuil des villages. N’oublions pas les trente mille ouvriers morts sur le pavé de Paris lors de la répression de la Commune par ces parfaits démocrates qu’étaient messieurs Jules Ferry et Jules Favre. Et qu’on n’oublie surtout pas non plus que la seule première guerre mondiale, à partir des seuls Etats occidentaux et démocratiques, et pour des enjeux répugnants de rivalité impériale, créa l’époque où les morts à la guerre devaient désormais se compter par dizaines de millions. Qu’on se souvienne des atroces listes de jeune mortspour-rien qui composent de sinistres monuments dans le moindre de nos villages.

Oui, comparons, concluons. Le fléau de la balance ira invinciblement du côté de l’expérience communiste, laquelle, contre l’oligarchie minuscule qui cumule des profits extorqués, annonce, depuis très peu de temps, et dans la première grande vision étayée sur le réel, une libération de l’humanité tout entière. Quelques décennies de tentatives, brutalement encerclées et attaquées, ne peuvent convaincre quelqu’un de bonne foi qu’elles suffisent à annuler cette promesse et nous contraignent à y renoncer pour toujours.

Alors, voter ? Soyons, sur le fond, indifférent à cette demande de l’Etat et de ses organisations. On peut voter pour le moins pire, on peut ne pas voter par principe : c’est l’indifférence qui est en tout cas la bonne subjectivité. Car nous devrions désormais tous le savoir : voter, ce n’est jamais que renforcer, contre une autre, une des orientations conservatrices du système existant. Ainsi, ramené à son contenu réel, le vote est une cérémonie qui dépolitise les peuples. Analisado em seus reais conteúdos, o voto é uma cerimônia que despolitiza o povo. Devemos começar por re-estabelecer em todos os lugares a visão comunista do futuro. Militantes convictos devem discutir seus princípios em todos os contextos populares do mundo. Como propôs Mao, devemos “dar ao povo, em sua especificidade, o que ele nos dá em meio à confusão.” Oui, recommençons le communisme, au ras de la fusion entre son Idée et l’existence populaire. Ou seja, fazer política.

17 de abril de 2017

O socialismo é eurocêntrico?

Tanto a exploração capitalista quanto a resistência dos trabalhadores são similares em todo o mundo. No Ocidente e fora dele, o socialismo fala sobre essas experiências.

Nivedita Majumdar


Trabalhador de uma fábrica de roupas em Bangladesh. Banco Asiático de Desenvolvimento / Flickr

A melhor maneira de falar sobre socialismo é começar pelo capitalismo. O capitalismo, como todos sabemos, é um sistema fundamentalmente guiado pela intenção do lucro. Essa é a questão central do capitalismo. Todos os malefícios do capitalismo que conhecemos - salários baixos, condições de trabalho degradantes, perda da autonomia dos trabalhadores, retaliação contra quem se organiza - tudo isso provém da corrida pelo lucro. Os capitalistas querem lucrar; e todo o resto deriva dessa lógica fundamental.

O socialismo surge como uma resposta à esta natureza intrinsecamente injusta do capitalismo. Se o capitalismo está enraizado na intenção do lucro, o socialismo está baseado na intenção de lutar pela equidade e justiça. Os trabalhadores, apesar de tudo, sempre revidam. O socialismo é sobre essa luta, e sobre a visão de uma ordem justa, livre da opressão e dominação, que incentiva essa luta.

A pergunta a ser feita é, essas forças opostas da opressão capitalista e da resistência socialista têm diferenças nas diversas partes do mundo? 

Houve um acidente em uma fábrica de roupas em 2013 em Dhaka, Bangladesh, onde 1.100 trabalhadores perderam suas vidas quando as paredes desmoronaram em cima deles. Foi uma tragédia totalmente evitável. A administração sabia que a estrutura estava cedendo, mas forçou os funcionários a continuar trabalhando mesmo assim.

Mesmo que o acidente tenha chamado a atenção global, as condições de trabalho da indústria têxtil continuam funestas. Os trabalhadores em Dhaka, no entanto, continuaram a se organizar por melhores salários e melhores condições – e a retaliação contra eles tem sido brutal. Em dezembro de 2016, milhares de trabalhadores de Bangladesh participaram de uma greve não-autorizada. Consequentemente, nos dois meses seguintes, dezenas de organizadores foram detidos sob acusações criminais infundadas; mais de 1.500 perderam seus empregos, e no chão de fábrica, trabalhadores enfrentam retaliações verbais e físicas rotineiras e ataques aos sindicatos.

Não há dúvidas de que a história em Bangladesh corresponde à de trabalhadores no México, Indonésia, Brasil e em toda parte. No início de 2017, na Índia, por exemplo, tribunais condenaram treze pessoas em uma fábrica multinacional de automóveis à prisão perpétua e diversas outras a sentenças menores. Seus crimes: se organizarem. Há o Massacre dos Mineradores de Marikana na África do Sul, no qual trinta e quatro mineradores foram alvejados e mortos. Exemplos como estes são abundantes. 

A questão é, esses acontecimentos no Sul Global são tão diferentes daquilo que se vê nos países capitalistas centrais?

Durante as recentes audiências no Senado dos EUA de Neil Gorsuch, o então candidato da Suprema Corte de Trump, o caso do motorista de caminhão Alphonse Maddin recebeu atenção nacional. Maddin estava dirigindo um caminhão de reboque em temperaturas abaixo de zero quando os freios da carreta falharam. Ele pediu um caminhão de resgate e, depois de esperar várias horas sem aquecimento, decidiu desatrelar a carga e dirigir até um lugar seguro.

Por causa dessa decisão, Maddin perdeu seu emprego.

Maddin, como os trabalhadores têxteis de Bangladesh, foi obrigado a escolher entre a sua vida e seu ganha-pão. Novamente, nos EUA, como em qualquer outro lugar no mundo, quando trabalhadores se organizam contra condições brutais de trabalho e por melhores salários, encontram retaliação.

Em 2015, o Walmart fechou 5 de seus escritórios e 2.200 trabalhadores perderam seus empregos, tudo sob o pretexto de reparos nos encanamentos das lojas – mas os fechamentos foram claramente medidas para quebrar a sindicalização. A retaliação pode não ser tão crua e brutal, mas isso só ocorre porque eles conseguem se safar mais facilmente em outras partes do mundo.

A lógica, no entanto, é a mesma. Não há diferença no que motiva os capitalistas – ou no que motiva os trabalhadores.

A acusação de que o socialismo seria uma questão apenas Ocidental supõe que, por causa da origem do socialismo no Ocidente, ele perderia a relevância em contextos não-Ocidentais. Entretanto, os trabalhadores estão sujeitos às mesmas forças de exploração de trabalho, independente de onde estejam. Eles trabalham para patrões que são motivados apenas pelo lucro e que têm pouco incentivo para atender às suas necessidades. 

E aonde for, os trabalhadores também percebem que sua única opção é lutar, se quiserem melhores condições. Portanto, contra todas as adversidades, eles revidam.

Sempre internacionalista

Desde sua concepção, o socialismo foi fundamentalmente internacionalista tanto na sua conceituação quanto no seu alcance. 

Essa é a ideia de socialismo que incentivou Frantz Fanon em sua batalha contra o colonialismo francês; o comunista Chris Hani no movimento anti-apartheid na África do Sul; Amílcar Cabral quando ele lutou contra os Portugueses; Walter Rodney em seu ativismo pelos oprimidos do Caribe; Che Guevara em Cuba e na América Latina. Para eles, e para incontáveis outros, o socialismo era uma teoria e filosofia não menos relevante às suas realidades do que era para os sindicalistas britânicos ou estadunidenses.

Pensemos em M. N. Roy. Ele nasceu no fim do século XIX em uma vila na região da Bengala. Ele foi radicalizado no movimento de independência indiano, e nos seus vinte e poucos anos, Roy saiu da Índia para levantar fundos para uma insurreição armada contra os britânicos. Ele viajou da Indonésia para a China, para o Japão, e para os Estados Unidos – o tempo todo desviando das autoridades, fazendo conexões políticas e tentando obter armas e dinheiro, viajando disfarçado na maior parte do tempo.

Ele não pôde ficar muito tempo nos EUA pois estava sendo seguido. Acabou indo para o México, onde se envolveu com os trabalhadores organizados e fundou o que hoje é o Partido Comunista Mexicano em 1919. Vladimir Lenin confiou a Roy o trabalho na causa colonial, e Roy teve um famoso debate com Lenin sobre o papel da burguesia nacional em países coloniais.

Em 1920, em Tashkent, Roy também foi um dos membros fundadores do Partido Comunista da Índia. Mais tarde, ele voltou para a Índia, onde foi aprisionado em condições horríveis, mas continuou a escrever.

Agora imagine o absurdo que seria considerar o socialismo eurocêntrico quando apresentamos o contexto da vida de um revolucionário do Sul Global como M. N. Roy, que fundou não um, mas dois Partidos Comunistas, em dois continentes diferentes.

Então a verdadeira questão é: por que a dúvida se o socialismo seria apenas ocidental ou eurocêntrico ganhou força nos últimos tempos?

Um produto da derrota

Uma perspectiva como esta ganha adeptos somente em um momento de derrota. Quatro décadas de incessante ataques neoliberais aos pobres e aos trabalhadores, aos salários, ao financiamento público de necessidades básicas como moradia, saúde e na educação que possibilita uma vida decente, e de dizimação de sindicatos e do poder da classe trabalhadora no geral, resultou em uma esquerda eviscerada, incerta do seu próprio legado.

Assim, esse questionamento emerge de uma esquerda acadêmica, de uma esquerda que foi desprovida da força vital dos movimentos, e da compreensão do poder e da solidariedade que os movimentos trazem para a cultura mais ampla.

Sem os movimentos, não há muita consciência do que incentiva a classe trabalhadora. Se você não é proletário; se você é da classe-média ou classe alta, sua tendência natural não vai ser se aproximar das necessidades e interesses da classe trabalhadora, a menos que existam estes movimentos. Esse é o porquê dos movimentos terem, em muitas maneiras, mudado os cenários de um país como os EUA, especialmente os ambientes da Universidades, nas décadas de 1960 e 1970. Mas desde então houve um grande período de “seca” de movimentos.

Portanto, na academia de hoje dos países capitalistas centrais, temos uma classe abastada que não tem razão alguma para se inclinar às políticas da classe trabalhadora – mas que interesse, no entanto, de manter seus privilégios de classe.

A noção de que o socialismo seria Ocidental emerge deste quadrante, e toma a forma de um radicalismo que afirma falar pelo Sul Global, e declara que o socialismo não atenderia às experiências culturais desses países.

Note como tal posição tira o crédito do socialismo, e que cria um racha no interior da esquerda como ela é, sem estabelecer uma posição que ameace as estruturas de poder. E, ainda assim, parece ser radical porque afirma falar por um não-Ocidente autêntico. Muito esperto.

Essa posição é também parte de uma tendência mais ampla na academia frequentemente alinhada com problemas de colonialismo, raça, gênero, sexualidade e afins. Não há absolutamente nada de errado com isso. Não se pode ser socialista sem ser antirracista, feminista – alguém que é contra toda forma de discriminação e indignidade.

O problema é um tanto diferente: é como as análises desses problemas têm sido frequentemente alienadas da lógica do capital e da luta de classes.

Um radicalismo desdentado

O que temos hoje é um antirracismo dos privilegiados, um antirracismo que não ameaça o poder e que não se envolve com os sofrimentos reais dos pobres e das minorias.

A crítica à esquerda da corrida presidencial de Bernie Sanders refletiu muito dessa posição. Ta-Nehisi Coates, por exemplo, criticou Bernie por defender mudanças estruturais sem considerar a raça, como o aumento do salário mínimo ou faculdades gratuitas. Coates argumentou que esse tipo de programa universal acaba beneficiando principalmente os brancos.

O que esse antirracismo ignora é o fato de que a grande maioria dos trabalhadores que seriam retirados da pobreza ao aumentar o salário mínimo seriam pessoas não brancas. Ou que os benefícios da faculdade gratuita seriam enormes e pesariam esmagadoramente para os negros da classe trabalhadora.

Eu ensino na CUNY, uma universidade onde 75% dos estudantes são de alguma minoria. Mais da metade dos nossos alunos tem uma renda familiar anual de menos de US $ 30.000. Meus alunos não precisaram de nenhum curso em pensamento interseccional para entender que a faculdade gratuita é do interesse deles.

Por que, então, essa oposição a programas universais que visam transformar as desigualdades estruturais – precisamente as desigualdades que sustentam o racismo? É um antirracismo que se recusa a ver o capitalismo como o principal fator de desigualdade – e um antirracismo que goza de uma enorme popularidade nesta época. Como resultado, é um antirracismo que não fala das necessidades e interesses das minorias da classe trabalhadora. É o antirracismo de uma classe privilegiada.

Se você acredita que políticas econômicas universais não seriam especialmente benéficas para as pessoas negras pobres dentro do país, então você será igualmente crítico das políticas socialistas internacionalmente. Se a política socialista não fala das experiências das minorias raciais dos EUA, segue o argumento, ela também seria estranha à realidade cultural dos países não ocidentais.

É um radicalismo que, em nome da cultura, em ambos os casos prejudica certas necessidades e impulsos fundamentais das pessoas exploradas.

Algumas dessas mesmas forças estão operando no Sul Global, que também testemunhou um reinado neoliberal que ainda não foi contido. Também por lá, com o enfraquecimento da resistência da esquerda organizada, as idéias socialistas de transformação econômica e de direitos universais estão cada vez mais sob ataque.

Eu fazia parte da esquerda estudantil Indiana e, como estão fazendo estudantes em todos os lugares, nós lutávamos por uma educação de qualidade e acessível para todos. Também éramos muito ativos em outras causas maiores, sociais e políticas. Tive a sorte de fazer parte da esquerda em um país onde, ao contrário dos EUA, ela desfruta de uma ressonância cultural e eleitoral muito maior.

Se eu me lembro de ter sido acusada com a idéia que nossa luta pela justiça educacional e pelos direitos dos trabalhadores era algo… Ocidental? Que de alguma forma estávamos sendo enganados pelo pensamento Ocidental ao seguirmos essa linha? Sim, eu me lembro – essa acusação vinha da direita.

A direita cultural não tinha problemas com o capitalismo, mas o socialismo era uma coisa Ocidental. O feminismo também, aliás. Soa familiar?

Agora, a deslegitimação do socialismo como algo Ocidental por uma direita nacionalista no Sul Global é obviamente compreensível. O que é curioso é o ressurgimento da mesma idéia, de que o socialismo seria eurocêntrico e inadequado à experiência vivida pelas pessoas não-ocidentais, no interior da esquerda ocidental amplamente baseada na academia.

Pense no que esse posicionamento significa.

Significa que uma mulher de Bangladesh, em uma fábrica de roupas, se organizando apesar do risco de ser demitida e de receber retaliação física de diferentes tipos – que uma mulher como essa, que está se reunindo com outras pessoas, tentando se organizar, tentando formar um sindicato, e que tem uma visão do que seria trabalhar sob condições que não sejam tão coercitivas, e que com salários com os quais ela possa alimentar sua família, poderia até ter uma vida decente – que essa mulher foi enganada.

Significa que ela não está em sintonia com a autêntica cultura de Bangladesh, onde as pessoas não entendem as condições opressivas de trabalho como uma injustiça – e que, se o fazem, não se espera que elas lutem contra essas condições. Significa que o povo de Bangladesh não experimenta a liberdade em relação à coerção como uma necessidade fundamental.

Essa trabalhadora supostamente foi enganada pelo pensamento socialista; ela está funcionando de uma maneira desconectada de sua cultura. Essa é a acusação de que estamos falando. 

Uma luta universal

Devemos ser claros: um radicalismo que acredita que o socialismo seria uma idéia estrangeira no não-ocidente está negando aos os trabalhadores naquela parte do mundo a resposta humana fundamental de lutar contra a opressão. Está dizendo que pessoas não ocidentais são incapazes de imaginar uma sociedade justa e livre.

Então, quando radicais nos EUA afirmam que o socialismo seria ocidental, estão unindo forças com a direita ao redor do mundo.

Abraçar a universalidade do socialismo não é negar especificidades culturais. Pessoas de todos os lugares vivem e florescem em suas culturas e comunidades locais e mais amplas. Contudo, os seres humanos não podem prosperar plenamente em nenhuma cultura enquanto o capitalismo continuar gerando privação e impotência.O socialismo é o esforço para lutar contra uma ordem social desumanizada e para criar as condições para o florescimento humano. É um impulso universal.

Colaborador

Nivedita Majumdar é professora associada de Inglês na Universidade John Jay. É secretária do sindicato de professores e funcionários da Universidade CUNY, em Nova Iorque.

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