30 de maio de 2016

Os socialistas não são pacifistas? Algumas guerras não são justificadas?

Socialistas querem erradicar a guerra por que ela é brutal e irracional. Mas nós pensamos que existe uma diferença entre a violência dos oprimidos e a dos opressores.

Jonah Birch


Ilustração por Phil Wrigglesworth

Em junho de 1918, Eugene Debs fez um discurso que o colocaria na prisão. Falando em Canton, Ohio, o líder do Partido Socialista denunciou o presidente Woodrow Wilson e a Primeira Guerra Mundial para a qual ele guiou os Estados Unidos.

Para Debs, a matança em massa que havia assolado toda a Europa por quatro anos sangrentos era um conflito travado em nome dos interesses dos capitalistas, mas combatido por trabalhadores. Em cada país era o rico quem havia declarado guerra e se mantinha lucrando à partir dela; mas eram os pobres quem eram enviados para lutar e morrer aos milhões.

Isso, Debs disse à sua audiência, era como sempre foi, enquanto exércitos têm sido enviados para batalharem uns aos outros em nome de reis ou países. “As guerras através da história têm sido travadas para conquista e pilhagem,” ele disse. “A classe dominante tem sempre declarado as guerras; a classe dominada tem sempre lutado as batalhas. A classe dominante tem tido tudo a ganhar e nada a perder, enquanto a classe dominada não tem tido nada a ganhar e tudo a perder – especialmente suas vidas.”

A mensagem de Debs aos trabalhadores era simples: seu inimigo não eram as pessoas da Alemanha, os soldados da classe trabalhadora que eles estavam sendo embarcados para assassinar; eram os dominadores, em ambos os lados, que ordenaram suas tropas rumo a batalha. Eram os capitalistas e seus representantes nos governos americano e alemão, cuja riqueza e poder lhes deu controle sobre os destinos de milhões.

O discurso de Debs foi demais para as autoridades nos Estados Unidos – eles os prenderam sob uma nova lei de restrição da liberdade de expressão, o Ato de Espionagem de 1917, e o sentenciaram a dez anos de prisão. Notavelmente, nas eleições de 1920, Debs concorreu para presidente na cédula Socialista enquanto permanecia em uma penitenciária federal em Atlanta, e ainda conseguiu conquistar quase 1 milhão de votos.
Tornando o Mundo Seguro Para o Capitalismo

No exemplo de Debs, podemos ver as principais ideias que têm sustentado a abordagem do movimento socialista para a questão da guerra. Socialistas têm sempre visto a propensão do Capitalismo para guerras de conquista e pilhagem como a expressão definitiva da brutalidade do sistema. Na organização da violência de Estado em uma escala sem precedentes, nós vemos a tendência do Capitalismo de subordinar as necessidades humanas à lógica do lucro e do poder. No intervalo entre a promessa de igualdade democrática e a realidade da opressão de classe que a guerra expressa, vemos a injustiça fundamental que define nossa ordem social.

Sob o Capitalismo, a exploração ocorre na maior parte do tempo através do mercado. É a relação contratual ostensivamente não-coercitiva entre trabalhadores e empregadores que mascara as desigualdades de classe mais profundas subjacentes. Mas o poder de fazer a guerra dos Estados Capitalistas ainda é essencial para o funcionamento saudável do sistema. Capitalistas em países como Estados Unidos ainda dependem dos militares de seus próprios governos, tanto para fazer cumprir “as regras do jogo” na Economia Global e para ajudá-los a competir mais eficientemente contra outras Classes dirigentes.

Contra esse estado de coisas, os Socialistas apoiam a organização de movimentos de massa contra as guerras travadas por nosso governo [1]. Nós participamos [2] na luta contra restrições à liberdade de expressão e outros direitos democráticos que inevitavelmente acompanham essas guerras. Contra os chamados por “unidade nacional”, nós lutamos por solidariedade internacional e organização de classe mais forte para lutar pelos interesses dos trabalhadores. No longo prazo, esperamos traduzir estes movimentos em uma luta mais ampla por uma transformação radical da Sociedade ao longo de linhas democráticas.

Em nenhum lugar essa abordagem é mais importante do que nos Estados Unidos [3] – o mais poderoso país capitalista do mundo. Hoje, os EUA gastam mais com seus militares do que os próximos 7 países que mais gastam nisso combinados. Nosso governo tem cerca de 800 bases militares no estrangeiro. Soldados estadunidenses ou tropas aliadas estão presentes em cada região do globo.

No último século e meio, o Estado Estadunidense tem travado guerras brutais em nome de um império crescente, desde a guerra hispano-americana de 1898 até as recentes invasões do Afeganistão e Iraque. Interveio de novo e de novo na África, Ásia, América Latina para proteger os interesses dos negócios e chutar os movimentos que pudessem ameaçar seu controle sobre recursos-chave ou minar a estabilidade do sistema global capitalista.

Frequentemente estas aventuras foram descritas como sendo necessárias para trazer liberdade e democracia para países oprimidos, ou para proteger cidadãos estadunidenses do perigo. O registro histórico, entretanto, conta uma história diferente.

Mesmo na época da Guerra Hipano-Americana de 1898, considerada por muitos como sendo a alvorada do imperialismo estadunidense moderno, o governo estadunidense estava invadindo Cuba, Porto Rico e as Filipinas em nome da libertação de seus povos do jugo do colonialismo espanhol. Quando, depois da vitória ter sido assegurada, Washington decidiu fazer daqueles três territórios protetorados estadunideses (ou, no caso de Porto Rico, uma colônia por completo), eles garantiram que tinham apenas as intenções mais benevolentes. E quando os residentes desses países levaram essas promessas de liberdade e democracia muito literalmente, os Estados Unidos decidiram que não tinham escolha além de esmagar as lutas por independência que emergiram. Nas Filipinas, uma insurreição nacionalista que irrompeu em 1899 foi suprimida às custas de várias centenas de milhares de vidas filipinas.

Em cada guerra entre aquela época e agora o padrão tem sido o mesmo. O governo estadunidense entrou na Primeira Guerra Mundial em 1917 (depois que Wilson venceu as eleições de 1916 na base de suas promessas anti-guerra) para “tornar o mundo seguro para a democracia,” enquanto enviava Marines por toda a América Latina na defesa dos interesses econômicos e políticos do Capital. Lutou a Segunda Guerra Mundial para “livrar o mundo da tirania,” mas gastou os anos do pós-guerra manipulando eleições na Itália, patrocinando uma perversa guerra civil na Grécia e escorando o xá do Irã. Enviou milhões para o túmulo na Coréia e no Sudeste Asiático para “salvar” as pessoas de lá do Comunismo, enquanto instalava ditaduras brutais tanto no Vietnã do Sul quanto na Coreia do Sul. Enquanto isso, os decisores políticos dos EUA secretamente organizaram a derrubada de governos populares e democráticos por todo o mundo – desde Mohammad Mosaddegh no Irã, passando por Patrice Lumumba no Congo e Salvador Allende no Chile.

Para justificar estas campanhas, os oficiais estadunidenses têm muitas vezes recorrido ao perverso racismo. O General William Westmoreland uma vez justificou a brutalidade das forças que ele liderava no Vietnã dizendo que “os orientais não colocam o mesmo valor na vida como faz um ocidental… Nós valorizamos a vida e a dignidade humana. Eles não se importam com a vida e a dignidade humana.”

A cada turno o governo estadunidense tem mostrado [4] seu compromisso com a democracia e a liberdade no estrangeiro como sendo tão superficial quanto o seu compromisso com a igualdade em casa. Vez após outra, tem provado que seu temor pelo controle democrático sobre os recursos do mundo corre mais fundo que sua retórica pró-Democracia. Como Henry Kissinger, que serviu como um consultor em políticas estrangeiras a três presidentes, disse dos esforços da administração de Nixon para tombar o governo socialista eleito no Chile, “não vejo por que nós devemos ficar parados e assistir um país se tornar comunista por causa da irresponsabilidade de seu próprio povo.” O mesmo se deu nos anos 80 nas tentativas de minar os governos esquerdistas na pequena Nicarágua e na menor ainda Granada.

Mais recentemente, esse padrão tem se repetido no Oriente Médio – agora o campo de batalha central para os EUA e seus competidores imperiais, por causa de seu papel como o centro da produção global de petróleo.

Se as guerras no Iraque e no Afeganistão foram inicialmente justificadas como necessárias para defender vidas estadunidenses, detruir a Al-Qaeda, e erradicar o terrorismo, elas não atingiram nenhum desses objetivos. Nem resultaram em governos democráticos em nenhum desses países. Ao contrário, as centenas de milhares de vidas perdidas nestas guerras apenas desestabilizaram a região e intensificaram as divisões sectárias. Ao invés de dar suporte a movimentos democráticos, os EUA tem apoiado regimes ditatoriais no Egito e no Bahrein, e ajudado a fortalecer as monarquias mais cruéis e reacionárias na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos.

Os Estados Unidos têm também permitido a Israel escalar sua violência diária (com assaltos semi-regulares de matança em massa em Gaza), ocupação e expansão de assentamentos às custas de palestinos. E têm assistido enquanto os lados em enfrentamento na guerra civil síria tem dirigido um massacre que afogou as lutas sírias por democracia no sangue de centenas de milhares de seus cidadãos.

Dados o escopo e a escala da violência imperial estadunidense, é crucial que os Socialistas nos Estados Unidos se oponham às intervenções militares de seu governo. Tal posição é necessária para qualquer solidariedade genuína da classe trabalhadora. Toda vez que o governo dos EUA explode uma festa de casamento afegã ou ajuda a proteger um esquadrão da morte no Iraque; toda vez que ele envia alguém para apodrecer em uma prisão no Afeganistão ou na Baía de Guantánamo; toda vez que ele permite que a CIA torture um prisioneiro; torna a solidariedade de classe através das fronteiras mais remota.

Por que trabalhadores em outros países deveriam se aliar àqueles nos EUA, em nome de quem eles são bombardeados e ocupados? Na medida em que estadunidenses compram o nacionalismo que inevitavelmente segue as maquinações estrangeiras de seu governo, tornam a emergência de um movimento de classe contra a opressão e a exploração impossíveis.

Enquanto isso, a posição dos trabalhadores estadunidenses apenas se deteriora mais. Quando centenas de bilhões de dólares são gastos atacando países ao redor do globo, não estão disponíveis para programas de Bem-Estar Social que poderiam ajudar aqueles em casa. O desperdício de sangue e recursos, o racismo, e os levantes reacionários que acompanham as guerras no estrangeiro ricocheteiam para detrimento dos trabalhadores nos EUA. Em um tempo em que milhões de estadunidenses estão sofrendo com o desemprego e a pobreza, os mais de $2 trilhões gastos na invasão e ocupação do Iraque parecem cada vez mais obscenos.

Tudo isso significa que o movimento trabalhista estadunidense tem um incentivo material para se opor os desejos de guerra de seu próprio governo. É por esta razão que os Socialistas pensam que um movimento internacional da classe trabalhadora contra a guerra e o imperialismo não é apenas necessário, mas também possível.
O Inimigo em Casa

Entretanto, se Socialistas em um país como os EUA se opõem às guerras travadas por seus governos, não significa que eles são pacifistas. – ou seja, que eles se opõem a todas as guerras ou tem uma posição baseada em princípios contra qualquer tipo de violência. A questão é quem está travando a guerra e em nome de quais interesses e políticas.

Como o teórico militar do século XIX Carl von Clausewitz disse, “Guerra é a continuação da política por outros meios.” Clausewitz queria dizer que para entender o caráter de uma dada guerra, você tem de entender quem estava lutando e por quais propósitos. É claro, Clausewitz, um general prussiano nas guerras napoleônicas, não era bem um radical de Esquerda, mas seu ponto básico é um importante para os Socialistas compreenderem.

O movimento socialista quer erradicar a guerra por que ela é brutal e irracional – um desperdício de vida humana e recursos sociais que produz uma devastação enorme. Mas em um mundo cheio de exploração e opressão, é preciso diferenciar entre a violência daqueles lutando para manter a injustiça e aqueles lutando contra a injustiça.

Uma pessoa não pode, por exemplo, misturar a violência do apartheid sul-africano com aquela dos elementos armados do Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela. O mesmo vale para a violência dos militares estadunidenses na Guerra do Vietnã – uma guerra que eventualmente matou 3.5 milhões de pessoas – e aquela da Frente de Libertação Nacional Vietnamita, que lutou para libertar o Vietnã da dominação estadunidense e francesa.

Para o movimento socialista, a máxima de Clausewitz aponta para a necessidade de pesar qualquer guerra na base dos interesses a que ela serve. Não é coincidência que socialistas como Marx e Engels apoiaram a União na Guerra Civil estadunidense, reconhecendo que apesar da fala de Lincoln de que sua intenção era reunir o país sem acabar com a escravidão, uma guerra [5] contra os Confederados se tornaria necessariamente uma guerra contra a classe dos proprietários das plantations [6]. De fato, como Lincoln – que nos anos 1840 se opôs à Guerra Mexicana-Estadunidense por que a via como um esforço para expandir a escravidão para novos territórios – veio a reconhecer, o Norte só poderia ter sucesso mobilizando os escravos em uma batalha por sua própria liberdade.

Nada disso é para sugerir que os Socialistas possuem uma abordagem puramente instrumental para com a violência – que nós pensamos, como tão comumente afirmam, que “os fins justificam os meios.” Em nossos esforços para atingir o tipo de mudança que procuramos, a violência só pode minar a nossa causa no longo prazo; nós nunca podemos esperar igualar a capacidade para a violência do Estado Capitalista, e nosso movimento somente será enfraquecido enquanto a luta pelo Socialismo for transformada de um conflito social e político em um militar.

Também não apoiamos necessariamente governos apenas por que acontece deles estarem em conflito com o nosso: não perdoamos a violência imperial, por exemplo, da Rússia e da China apenas por que eles estão ocasionalmente discordando dos nossos próprios dominadores.

Mais fundamentalmente, é importante deixar claro que nosso suporte por grupos lutando contra sua opressão, nas mãos do governo dos EUA ou de qualquer outro, não significa que seremos sempre acríticos com essas forças. Alguém precisa apenas olhar para os níveis crescentes de desigualdade e a penetração cada vez maior do Capitalismo Global na África do Sul desde a queda do Apartheid, ou no Vietnã desde a libertação, para ver que mesmo lutas vitoriosas não precisam produzir um resultado realmente justo. De fato, enquanto expressam solidariedade com movimentos desafiando a opressão, os Socialistas precisam estar dispostos a criticar aqueles que travam estas lutas, sempre que necessário – seja esta crítica feita em termos políticos, estratégicos ou mesmo morais.

Mas também não tratamos todos os lados em um conflito particular como se eles fossem o mesmo. Acima de tudo, nós nos opomos ao papel de nosso próprio governo na propagação de guerras, ou na expansão de sua influência militar e política, às custas das classes trabalhadoras do mundo. Como o revolucionário alemão Karl Liebknecht colocou em seu discurso durante a Primeira Guerra Mundial, nós entendemos que “o principal inimigo está em casa.”

Sobre esta base, nós esperamos forjar um movimento internacional que possa não apenas desafiar uma intervenção imperial específica, mas que possa representar uma ameaça às próprias fundações de um sistema que cria guerra e violência de massa numa escala sem-precedentes na História.
Além do Imperialismo

Hoje, a Esquerda é fraca demais para atingir esse objetivo. Nos Estados Unidos, o movimento trabalhista carece de capacidade para atividade sustentada contra a guerra. Mas o que o exemplo de Eugene Debs nos mostra é que existe uma longa história de oposição radical ao imperialismo [7] da qual nós podemos tirar esperança e inspiração.

A tradição anti-imperialista de Esquerda sobreviveu depois que o próprio Debs morreu. Se ela perdeu força durante os anos de Guerra Fria de repressão macartista após a Segunda Guerra Mundial, ela reviveu durante os anos 60 e 70. Figuras como Martin Luther King Jr. se tornaram vozes cada vez mais críticas da Guerra do Vietnã. Mesmo que ele seja frequentemente pintado como um moralista anódino, um precursor para o liberalismo multicultural, King foi na verdade um visionário cuja política se tornou cada vez mais radical em conjunto com o movimento que ele liderava. Nada expressava melhor esse radicalismo crescente do que sua decisão de se opor publicamente à Guerra do Vietnã – um movimento que mesmo seus conselheiros mais próximos recomendaram que ele não fizesse por causa de suas potenciais consequências políticas.

Ignorando seus conselhos, em 4 de abril de 1967, exatamente um ano antes de seu assassinato, King proferiu o discurso mais controverso de sua carreira. Falando para a Igreja Riverside de Nova Iorque, ele se abriu contra a Guerra do Vietnã e cobrou a administração de Johnson para que parasse sua campanha de bombardeio sem precedentes e iniciasse a retirada de meio milhão de tropas estadunidenses do Sudeste Asiático.

Denunciando a “loucura” da política da administração Democrata, King se focou na incrível brutalidade que as pessoas comuns no Vietnã encaravam nas mãos dos militares estadunidenses. “Eles devem ver os estadunidenses como estranhos libertadores,” ele concluiu, quando essa suposta libertação envolvia apoiar governos corruptos e anti-democráticos, destruir vilas inteiras, desflorestar o interior com napalm e Agente Laranja, e matar mulheres, crianças e idosos.

Uma estimativa conservadora das mortes civis geradas pela guerra é de 2 milhões, apenas entre Sul-Vietnamitas, de uma população de 19 milhões. Uma taxa análoga de baixas civis nos Estados Unidos hoje seria próxima de 33 milhões.

E sobre os soldados estadunidenses, na maioria esmagadora das vezes jovens tirados de comunidades rurais indigentes e guetos urbanos segregados? Notando o número desproporcional de afro-estadunidenses que haviam sido enviados para matar e morrer nos pântanos do Vietnã, King castigava a administração por “tirar os jovens negros que tinham sido acorrentados pela nossa sociedade e os enviar 8000 milhas para longe, para garantir liberdades no Sudeste Asiático que eles não haviam encontrado em Georgia ou no Harlem Leste.

King apontou que as esperanças de um esforço real para combater a pobreza nos EUA que haviam sido inspiradas pelo programa da “Grande Sociedade” de Johnson haviam sido destruídas pela escalada no Vietnã. Uma campanha genuína para erradicar a pobreza em casa seria impossível, ele havia concluído, “enquanto as aventuras como no Vietnã continuarem a sugar homens e talentos e dinheiro como um demoníaco tubo de sucção de destruição.”

Dado tudo isso, King disse que não poderia mais ficar em silêncio, apesar da forte pressão de seus supostos aliados na administração Johnson para evitar a crítica pública da política do governo para o Vietnã. Comparando a escala incrível de violência no Vietnã com a relativamente pequena destruição causada por uma série de revoltas que estouraram em muitas cidades grandes dos EUA – que haviam causado muita gritaria na mídia sobre a ameaça representada por “extremistas negros” – King descreveu sua percepção de “que eu não poderia nunca mais levantar minha voz contra a violência dos oprimidos nos guetos sem ter primeiro falado claramente do maior fornecedor de violência no mundo hoje: meu próprio governo.” Alguns dias depois, ele marchou em um protesto de massa contra a guerra no Central Park em Nova Iorque.

O discurso de King, conhecido pela posteridade como “Além do Vietnã,” fez com que ele ganhasse a ira mesmo de figuras antes simpatizantes no establishment progressista. Ele foi desconvidado de uma visita planejada com Johnson na Casa Branca. Um dos conselheiros do presidente escreveu privadamente que King havia “feito sua jogada com os ‘comunas’” [8]. Enquanto isso, ele foi atacado em editoriais que apareceram no dia seguinte em 168 jornais de maior circulação. O New York Times escreveu que sua denúncia da guerra era “um desperdício e auto-destrutiva.” O Washington Post fez ainda melhor, dizendo que King “diminuiu sua utilidade para sua causa, seu país e seu povo.”

O que King veio a entender [9] foi que o racismo e a desigualdade dentro do país, e a guerra no exterior, estavam interligados. Este reconhecimento o colocou em desacordo com seus antigos apoiadores progressistas, cujas vontades de desafiar o status quo acabaram – como é tão comum para o establishment progressista – quando a posição dos EUA como o maior poder imperial mundial entrou em questão.

Assim, ao confrontar estas questões e desafiar seus antigos amigos, King estava lidando com um conjunto de problemas que qualquer movimento social de massa que faça sérios avanços nos EUA vai ter de encarar, uma hora ou outra: você não pode falar sobre mudança social em seu país enquanto ignora a carnificina gerada pela política externa estadunidense. Para a Esquerda dos EUA, e especialmente qualquer futuro movimento socialista por aqui, essa é uma lição a ser aprendida.

28 de maio de 2016

Nem só de pão vive o homem

Celso Amorim

Folha de S.Paulo

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, durante cerimônia de posse no Itamaraty. Pedro Ladeira/Folhapress

A nota 192 do Ministério das Relações Exteriores dá conta da viagem oficial do chanceler a Cabo Verde.

Que bom que ao menos aproveitará a escala (necessária para os aviões da FAB) para uma visita bilateral a um país africano. É um começo. O crescimento da cooperação com Cabo Verde no governo Lula foi enorme, com pelo menos duas visitas presidenciais e inúmeros encontros ministeriais.

Em uma das viagens, o presidente, foi convidado especial para uma reunião da Cedeao, o Mercosul (ou Unasul) da África Ocidental, de grande importância estratégica para o Brasil, em função do Atlântico Sul, que, desde os anos 1980, por iniciativa brasileira, foi declarado pela ONU uma Zona de Paz e Cooperação.

Foi, em parte, o reconhecimento dessa importância que levou o governo Dilma a autorizar o início de uma missão naval no país, tarefa que nossa Marinha abraçou com entusiasmo.

Curiosamente, porém as duas embaixadas que se cogita fechar (segundo notícias de jornal) - Libéria e Serra Leoa - estão nesta região: dois países afetados pelo ebola, que mereceriam interesse especial do Brasil, não só por solidariedade (não indiferença), mas em benefício próprio, em um mundo em que os problemas de saúde pública, como as pandemias, são parte inevitável da globalização.

Uma nota à margem, que não passará despercebida, entre outros, do movimento feminino, nestes tempos de misoginia e violência contra as mulheres. Coincidência ou não, a Libéria, uma das vítimas da tesoura, é o único país africano governado por uma mulher, uma estadista muito respeitada, escolhida por voto direto, que pacificou o país depois de anos de uma brutal guerra civil e comandou, com coragem e discernimento, a luta contra o ebola. (O Brasil ajudou ainda que de forma modesta).

Os dois países, juntamente com a nossa irmã da CPLP, Guiné Bissau, integraram o núcleo de países objeto de atenção da Comissão de Construção da Paz, para cuja criação o Brasil contribuiu decisivamente com ideias e apoio político e que foi brilhantemente presidida por nosso Embaixador junto às Nações Unidas.

O que se passa nesses países, nos domínios da Paz e da Segurança, mas também no da saúde, é de vital importância para a Guiné-Bissau, país de língua portuguesa, do qual nem o mais fervoroso mercantilismo ousaria nos afastar.

A presidenta Ellen Sirleaf visitou o Brasil, pouco depois de eleita. O mesmo fez o Presidente de Serra Leoa, cuja ministra do exterior era também uma mulher. Será que a questão de gênero tem algo a ver? Ou é simples falta de informação?

Sobre o autor
CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma)

23 de maio de 2016

Avaliando Che

Che Guevara foi um revolucionário honesto e comprometido mas nunca abraçou a sua essência mais democrática.

Samuel Farber

Jacobin

Greta Gabaglio / Shutterstock

Tradução / Os principais líderes da Revolução Cubana — Fidel Castro, Raúl Castro e Che Guevara — tinham estilos de liderança política diferentes. Fidel Castro, de longe o líder mais importante, foi, até se retirar por questões de saúde em 2006, um astuto e táctico político revolucionário com a intenção de consolidar o seu poder e inicialmente adverso a correr riscos que o levassem a perder o controlo da ilha por implementações prematuras de objectivos ideológicos.

O segundo em comando era o irmão mais jovem de Fidel, Raúl, que rapidamente adquiriu uma reputação pelas suas actividades repressivas assim como pela sua disciplina organizativa e competência. Raúl era um antigo membro da Juventude Socialista, o grupo de jovens do Partido Socialista Popular (PSP) cubano, porém mostrava ainda empatia pela União Soviética. Depois havia Che Guevara, cuja imagem icónica sobreviveu ao colapso da União Soviética e ao declínio do comunismo Cubano.

De alguma forma, quase cinquenta anos após a sua morte, Che emergiu como o mais importante dos três líderes. No entanto, tal como tenho referido, as políticas de Che Guevara tinham muito mais em comum com as políticas dos irmãos Castro do que os seus admiradores actuais estão dispostos a admitir.

Primeiro, compartiu com estes uma política revolucionária de cima [para baixo] que lhe permitiu reter, juntamente com os Castro, o controlo político e a iniciativa na ilha, baseado na concepção política monolítica de um tipo de socialismo imune a qualquer controlo democrático e a iniciavas a partir de baixo.

Tal como os irmãos Castro, Guevara tinha um compromisso profundo a um estado de um só partido e a uma versão extrema de vanguardismo, que por vezes lavou ao nível do absurdo. Por exemplo, a sua resposta às condições sociais e políticas que encontrou na parte oriental do Congo, quando se deu conta de não estarem reunidas quaisquer condições necessárias para uma revolução socialista — tais como a demanda por terra por parte da vasta população rural, uma classe trabalhadora (que não existia na região Katanga), e uma presença significativa imperialista que pudesse provocar um sentimento nacional de resistência — foi criar um Partido Comunista de vanguarda que iria liderar isoladamente a revolução nessa parte do país.

Tão cedo quanto os dias de luta de guerrilha na Serra Maestra, Guevara, articulava explicitamente a concepção dos líderes revolucionários cubanos, atribuindo-lhes, na revolução, um papel de apoio e subordinado à classe trabalhadora e campesina. Mais tarde, quando liderava a sua pequena força de guerrilha, na Bolívia, subordinava as necessidades e o potencial político dos militantes e trabalhadores bolivianos politicamente conscientes aos guerrilheiros das suas reduzidas forças sob o seu comando.

Mesmo quando ocasionalmente se referia à classe trabalhadora como tendo um papel na tomada do poder, fá-lo a respeito de uma putativa ideologia da classe trabalhadora do Partido Comunista, tratando a classe trabalhadora como uma abstracção ideológica. Mais tarde, após ter deixado o governo cubano para empenhar-se na luta de guerrilha, fora do país, aprofundou o seu compromisso com uma perspectiva que colocava a autonomia tecnológica e o determinismo — não a classe trabalhadora — no centro da economia socialista de uma maneira reminiscente da novela utópica, Looking Backward, de Edward Bellamy, uma novela que este muito admirava .

As idiossincrasias de Che Guevara

Mas Che Guevara era também diferente dos irmãos Castro em alguns aspectos importantes. Era um igualitário radical, uma característica que tinha raízes na sua formação boémia na Argentina. Os seus quase seis anos no poder em Cuba (1959-1965) não lhe diminuíram esta característica de todo. O mesmo caso com a sua honestidade política, particularmente em comparação com o muito manipulador Fidel Castro. Tinha também um lado profundamente ascético que o levou, por exemplo, a tentar impor, em contraste com outros líderes revolucionários, políticas puritanas durante a sua ocupação da vila Sancti Spiritus no centro de Cuba, em 1958, e considerar, numa reunião do ministério da indústria, que ele dirigia, que o desenvolvimento da “consciência” poderia inverter o progresso material em bens de consumo.

De acordo com Guevara, o povo cubano podia ser educado a construir [o socialismo], sem televisão, baseado no exemplo dos vietnamitas, que não tinham televisão e no entanto estavam a construir o socialismo.

O Internacionalismo de Guevara ou, mais precisamente, a sua vontade de expandir a revolução fora da ilha, particularmente no resto da América Latina, estava mais vincada que nos irmãos Castro. Sem embargo, estava baseada num claro ultra-vanguardismo e na substituição da classe trabalhadora e do campesinato pela “ditadura do proletariado” do Partido Comunista, levando ao estabelecimento de uma nova classe dirigente.

O igualitarismo e internacionalismo de Che estava também ligado ao voluntarismo que se expressava a si mesmo tanto na política como na política económica através dos seus sublinhados sobre os incentivos morais e na criação de um “Homem Novo” que seria totalmente dedicado à sociedade e alheio às suas satisfações pessoais.

As características políticas e pessoais de Guevara – a sua honestidade política e o seu radicalismo igualitário — talvez o tivessem feito mais capaz de ser um comunista oposicionista do que um dirigente comunista a longo termo, que teria que lidar com o crescimento da desigualdade e a corrupção que acompanhou a Revolução Cubana.

Apesar de que o seu igualitarismo, honestidade e ascetismo o pudessem ter ajudado a construir e consolidar a Revolução Comunista Cubana, o sistema que ele ajudou a construir iria quase de certeza virar-se contra os seus valores mais elementares.

Max Weber famosamente arguia que a ética ascética puritana teve um papel essencial no desenvolvimento original do capitalismo, mas isso mais tarde, depois

do ascetismo se comprometer em remodelar o mundo e a desenvolver os seus ideais pelo mundo, os bens materiais ganharam um crescente e finalmente poder inexorável sobre a vida dos homens como em nenhum outro período anterior da história. Hoje o espírito ascético religioso — de forma definitiva, quem sabe? — escapou da jaula. Mas o capitalismo vitorioso, uma vez que se apoia em fundações mecânicas, já não precisa do seu suporte. O mesmo pode também ser aplicado ao Comunismo que Guevara ajudou a construir em Cuba.

O objetivo comum

Não obstante as diferenças que Guevara tinha com os irmãos Castro e os comunistas cubanos pró-Moscovo, este partilhava com eles, até mesmo ao fim, o mesmo projecto para derrubar o capitalismo e construir uma nova sociedade socialista. Este projecto que compartiam estava fundado na criação de um novo sistema de classes baseado em um colectivismo estatal, um modelo de propriedade no qual o estado detém e controla a economia e a burocracia política central “detém” o estado. A pertença à classe dirigente é determinada pela ocupação de um lugar na burocracia que está no centro do poder numa sociedade e que une o poder político ao económico.

Tais sociedades burocráticas são caracterizadas pela produção de valores de uso que satisfazem as necessidades sociais determinadas pela classe dirigente. Neste sistema, a maior parte do excedente não é apropriado pela empresa individual que produziu o excedente, nem tampouco é obtido primariamente pelo mercado.

Em vez disso, é apropriado pelo estado para a economia como um todo. O estado apropria o excedente através dos seus mecanismos de planeamento e controlo — determinando o quê, quanto e onde os bens são produzidos. O excedente não vai financiar primariamente os salários e privilégios dos burocratas (não mais do que os lucros vão financiar principalmente os consumos privados da classe capitalista), ainda que os oficiais do estado possam de facto desfrutar de alguns privilégios especiais.

Vai primeiramente financiar a acumulação e investimento, defesa e outras formas de despesas assim decididas pela burocracia tal como fazem os capitalistas e o capitalismo de mercado sob o capitalismo.

Existe uma contradição determinante neste sistema social entre a necessidade de planeamento e a ausência de liberdade política essencial para a eficiência e precisão do planeamento. Sem liberdade política não há autenticidade de respostas, informação verdadeira e iniciativa independente a partir de baixo que torna possível os planos económicos serem bem desenvolvidos. Os rebeldes anti-burocráticos e revolucionários que possam ter sido inspirados pelo espírito revolucionário intransigente representado por Guevara podem apenas atingir os seus objectivos através de um processo que traz no mesmo saco políticas socialistas, democracia e revolução.

Socialismo: porque a verdadeira libertação da classe trabalhadora apenas pode ser alcançada quando tanto a economia como a política estejam sobre o controlo dos homens e mulheres que através do seu trabalho façam a existência social possível. Democracia: porque a regra da maioria e o respeito pelos direitos das minorias e liberdades civis é a única maneira da classe trabalhadora poder, de facto, e não apenas em teoria, controlar o seu destino. Revolução: porque nem mesmo as reformas mais bem-vindas e autênticas podem trazer uma verdadeira emancipação e libertação. Em qualquer caso, a resistência dos poderosos à mudança social radical faz com que seja provável tornar a revolução tanto inadiável como desejável.

Republished from Haymarket Books.

Colaborador

Samuel Farber was born and raised in Cuba and is the author of numerous books and articles dealing with that country. He is a member of Jewish Voice for Peace and supports BDS.

18 de maio de 2016

O socialismo soa bem na teoria, mas a natureza humana não o torna impossível de se realizar?

Nossa natureza compartilhada na verdade nos ajuda a construir e definir os valores de uma sociedade mais justa.

Adaner Usmani e Bhaskar Sunkara

Jacobin

Ilustração por Phil Wrigglesworth

Tradução / “Bom na teoria, ruim na prática.” Quem declara interesse no socialismo e na ideia de uma sociedade sem exploração e hierarquia recebe frequentemente essa resposta desdenhosa. Legal, o conceito soa bem, mas as pessoas não são muito gentis, certo? O Capitalismo não é mais adequado à natureza humana – uma natureza dominada por competitividade e corrupção?

Socialistas não acreditam nesses lugares-comuns. Eles não veem a História como uma mera crônica de crueldade e egoísmo. Eles também veem incontáveis atos de empatia, reciprocidade, e amor. As pessoas são complexas: elas fazem coisas indescritíveis, mas também se envolvem em atos notáveis de bondade e, mesmo em situações difíceis, mostram profunda consideração pelos outros.

Isso não significa que nós somos “elásticos” – que não existe algo como uma “natureza humana.” Progressistas às vezes fazem essa afirmação, muitas vezes discutindo com aqueles que veem pessoas como máquinas de “maximização de utilidade” que andam e falam. Apesar da boa intenção, essa acusação vai longe demais.

Por pelo menos duas razões, socialistas estão comprometidos com a visão de que todos os humanos compartilham alguns interesses importantes. A primeira é moral. As acusações dos socialistas sobre como as sociedades de hoje falham em prover necessidades básicas como comida e abrigo em um mundo de abundância, ou bloqueiam o desenvolvimento de pessoas presas em empregos ingratos, fatigantes e mal pagos, estão baseadas em uma crença central (declarada ou não) sobre os impulsos e interesses que animam as pessoas em todos os lugares.

Nossa indignação com que se negue a indivíduos o direito de ter vidas livres e satisfatórias está ancorada na ideia de que as pessoas são inerentemente criativas e curiosas, e que o capitalismo muito frequentemente asfixia estas qualidades. Para simplificar, nós lutamos por um mundo mais livre e mais satisfatório por que todo mundo, em todos os lugares, se preocupa com sua liberdade e satisfação.

Mas esta não é a única razão por que socialistas se interessam pelas motivações universais da humanidade. Ter um conceito de “natureza humana” também nos ajuda a encontrar sentido no mundo que nos rodeia. E nos ajudando a interpretar o mundo, ele auxilia em nossos esforços para mudá-lo também.

Em um trecho famoso Marx diz que “a história de todas as sociedades até aqui tem sido a história da luta de classes.” Resistência à exploração e opressão é uma constante através da História – é tão parte da natureza humana quanto competitividade, ou ganância. O mundo que nos cerca está cheio de exemplos de pessoas defendendo suas vidas e dignidade. E enquanto estruturas sociais podem moldar e restringir a ação individual, não existem estruturas que passem o rolo compressor sobre direitos e liberdades das pessoas sem despertar resistência.

É claro, a história de “todas as sociedades até aqui” é também uma coleção de relatos de passividade e mesmo aquiescência. A ação coletiva de massa contra a exploração e opressão é rara. Se humanos por todos os lados estão comprometidos com a defesa de seus interesses individuais, por que nós não resistimos mais?

Bem, a visão de que todas as pessoas têm incentivos para exigir liberdade e satisfação não implica que elas sempre terão a capacidade para fazer isso. Mudar o mundo não é uma tarefa fácil. Sob condições normais, os riscos associados com agir coletivamente muitas vezes parecem esmagadores.

Por exemplo, trabalhadores que escolhem se associar a um sindicato ou entrar em greve para melhorar suas condições de trabalho podem despertar perseguições por seus chefes ou mesmo perder seus empregos. A ação coletiva requer que muitos indivíduos diferentes decidam assumir esses riscos juntos, então não é surpreendente que isso seja incomum e mesmo que dure pouco.

Colocando de outra maneira, socialistas não acreditam que a ausência de movimentos de massa seja um sinal de que as pessoas em geral não tenham desejos inerentes de contra-atacar, ou pior, que elas nem mesmo reconhecem quais são seus interesses. Ao invés disso, protestos são incomuns porque as pessoas são espertas. Elas sabem que no atual momento político a mudança é uma esperança distante e arriscada, então elas desenvolvem outras estratégias para se virar.

Mas às vezes as pessoas se levantam e assumem riscos. Elas se organizam e constroem movimentos progressistas populares. A história está repleta de exemplos de pessoas lutando contra a exploração, e uma de nossas principais tarefas como socialistas é apoiar esses movimentos, para ajudar a fazer da ação coletiva uma escolha viável para ainda mais pessoas.

Nesse esforço – e na luta para definir os valores de uma sociedade mais justa – nós seremos auxiliados, não atrapalhados, pela nossa natureza compartilhada.

16 de maio de 2016

Uma nova abordagem radical para o campo da economia

Uma entrevita com
Anwar Shaikh

Public Seminar

William Playfair bar chart, “Wheat and Labour,” 1822 / Wikimedia Commons

Tradução / Anwar Shaikh vem ensinando economia na The New School a 42 anos. Um dos líderes mundiais da economia heterodoxa, ele argumenta que o modelo neoclássico ensinado na maioria das universidades é uma ferramenta ruim para se entender o capitalismo. Ele espera que o seu novo livro, Capitalismo: Competição, conflito e crise, possa ser a fundação para uma teoria econômica e pedagógica alternativa. Ele recentemente se sentou com a estudante da New School, Ebba Boye, para falar sobre o seu trabalho.

Porque você escreveu esse livro?

Quando eu inicialmente entrei na economia, existia um desejo de entender como o mundo funciona. Eu sou do Paquistão, eu cresci em uma parte do mundo onde a disparidade entre riquezas era enorme e o crescimento era lento. Meu pai era um diplomata que havia sido designado para vários países, então, enquanto eu crescia, observei a diversidade de povos, culturas e economias. No Kuwait, eu observei como eles tinham mais dinheiro do que era possível contar, e mesmo assim, muitos eram pobres e trabalhavam sob condições muito difíceis. Então eu pensei que a economia me ajudaria a entender isso. Mas, quando eu cheguei na economia, eu percebi que a ortodoxia não estava lidando com o mundo no qual eu estava interessado, estava lidando com um mundo de fantasia.

Então você teve que construir a sua própria teoria econômica?

A economia neoclássica (a abordagem dominante no campo, hoje) lida com um mundo de perfeição e racionalidade. A tradição neoclássica começa com premissas altamente idealizadas, e então usa essas premissas como material de construção para sua teoria. Muito da pesquisa econômica foca em mudar algumas premissas para fazer o modelo mais aplicável na realidade. Mas isso não é começar mal?

Eu queria voltar ao meu questionamento original, como o capitalismo funciona? Mas ao invés de começar com um mundo idealizado, eu comecei com observações de fato e tentei conceber um modelo coerente. Mas isso tomou tempo; estou trabalhando nisso por 35 anos e passei 15 anos escrevendo esse livro.

Você teve que começar do zero?

Não, eu não precisei. Houve muito o que se aproveitar dos economistas clássicos, Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx. Eu também continuei alguns dos trabalhos de John Maynard Keynes, Joan Robinson, Luigi Pasinetti, Piero Sraffa e Geoffrey Harcourt. A tradição clássica começou com a observação de padrões e resultados reais. A idéia é começar de baixo para cima, do mundo real que observamos ao nosso redor, e daí construímos abstrações.

No seu livro você mostra como é desnecessário e até errado construir um modelo econômico com base na “competição perfeita”. Porque você acha que tantos dos modelos neoclássicos têm isso como premissa central?

Essa é uma coisa muito interessante. Os economistas políticos clássicos, como Smith, Ricardo e Marx, descrevem, com riqueza de detalhes, o que eu chamo de “competição real”. Relações entre capital e trabalho, entre grande e pequeno capital, e entre nações, eram todas conflituosas dentro da estrutura clássica.

Os economistas neoclássicos queriam mostrar que o sistema era harmônico e benéfico para todos. Então eles construíram uma estrutura de trabalho onde esses conflitos foram todos abolidos. Eles apresentaram o capitalismo como um sistema harmônico e ideal. Coisa que não é, evidentemente. Mas isso fornece uma fundação ideológica poderosa, ou uma justificativa, do capitalismo.

Quais são algumas das implicações políticas das teorias mostradas em seu livro?

Deixe-me começar no nível micro. Competição funciona. Ela disciplina empresas individuais, indústrias e nações. Mas também produz resultados que não são desejáveis, especialmente para aqueles que perdem. A primeira lição que temos no livro é que temos que entender o que esses resultados são, que eles representam as consequências naturais do mecanismo capitalista. Então, se nós não gostarmos desses resultados, a questão política é como lidamos com eles?

Livre mercado na teoria ortodoxa, supostamente faz com que todos estejam em melhores condições, tanto indivíduos como nações. Por causa da premissa de pleno emprego, se uma companhia ou indústria for terceirizada, os trabalhadores não sofrem nenhuma desvantagem, porque é só eles simplesmente mudarem para novos empregos. Claro que na prática, economistas ortodoxos admitem que há algumas discrepâncias nessa teoria, mas basicamente eles acreditam que todo mundo vai terminar mais feliz.

Por outro lado, na tradição clássica, o livre comércio é uma guerra, porque a competição é uma guerra. E em toda guerra temos vencedores e perdedores, e os perdedores podem ser permanentemente danificados.

Meu objetivo é mostrar que os dois lados dessa estória, as vantagens e os custos, são consequências naturais porque são intrínsecos à competição.

No nível macro, nós precisamos olhar para os padrões recorrentes no capitalismo e entender os “prosperar e falir”. Os fortes mecanismos do comportamento motivado pelo lucro (ambos) alavancam a economia para frente e também a joga em uma crise profunda.

Você foi um dos economistas heterodoxos que previram a crise econômica. O que foi no seu método que te fez ver o que estava vindo, enquanto os neoclássicos não?

Primeiramente, eu não fui assim tão preciso. Em minhas palestras eu argumentei que a crise iria nos alcançar por volta de 2008-2009,  mas como nós sabemos a economia quebrou já em 2007-2008.

O problema para os neoclássicos é que eles já tinham concluído que não existia nada de “ciclos”. O mercado já era perfeito. Ciclos de crises e negócios acontecem por causa de choques aleatório, e não por causa de algo intrínseco no modelo. Muitos economistas heterodoxos, por outro lado, vão apresentar modelos onde as crises são uma parte natural e recorrente do nosso sistema econômico atual.

Como é o seu modelo micro?

Ao usar modelos estocásticos, você consegue acomodar múltiplos comportamentos humanos, você não precisa se ater a um único comportamento. E se nós agregarmos esses comportamentos em níveis suficientes, nós terminamos conseguindo padrões assombrosamente estáveis, ainda que a observação dos indivíduos nos mostre que as pessoas trilham caminhos completamente diferentes. Pessoas, sendo pessoas, podem escolher passar por cima de padrões habituais. Por exemplo, trabalhadores se comportam de maneira diferente se eles estão organizados, em oposição a quando estão competindo uns com os outros. Isso também é uma parte da história social. E a economia deveria ser capaz de incluir isso desde o seu princípio. É por isso que eu digo que precisamos começar olhando para o que a antropologia tem a nos dizer, e construímos nosso modelo a partir disso. Isso pode soar complicado, mas não é. Tudo o que estamos fazendo é aceitando a complexidade do comportamento humano.

Meu argumento é que é possível criar modelos abstratos que podem ser usados para analisar a economia, usando uma estrutura de trabalho que vai se encaixar muito melhor com o conhecimento que temos de como as pessoas realmente se comportam. Não há necessidade para as premissas feitas por economistas neoclássicos.

O que você espera alcançar ao escrever esse livro?

Eu desejo criar uma fundação para um currículo alternativo. Espero que outras pessoas com a mesma motivação, face às mesmas contradições óbvias entre as fundações dos economistas ortodoxos e o mundo que eles enxergam, não precisem passar por todo o processo que eu precisei.

Quais são as suas percepções sobre como as teorias econômicas heterodoxas são recebidas pela comunidade econômica ortodoxa?

Eu acho que economistas convencionais, desde pelo menos os anos 80, têm deixado de fora todos os outros pontos de vista, ao declarar que todos os outros pontos de vista podem ser derivados de dentro de suas estruturas de trabalho. Tudo que eles precisam fazer é adicionar um número suficiente de imperfeições. Isso começou com Paul Samuelson e a tentativa de incorporar a economia Keynesiana à ortodoxia, ao dizer que os resultados Keynesianos foram devido a rigidez dos salários. Então veio a rigidez dos preços e a rigidez das taxas de juros.

Eu sempre me opus a idéia de que resultados reais pudessem ser entendidos como imperfeições. Me parece que então que você está aprisionado no interior da perfeição, e você tem sempre de voltar a mesma para ter a que recorrer. Eu queria construir um sistema que não dependeria de jeito nenhum das expressões tradicionais – sem maximização, sem a utilidade sendo a maior motivação do comportamento do consumidor, sem redução de custos como a definição de competição, sem a idéia de que somente pequenas empresas são competitivas. Porque essas não são necessárias para se argumentar sobre o funcionamento da economia.

Micro é muito importante, mas nós não precisamos dessa micro ficcional, nós precisamos de uma microeconomia real.

Muitos que criticam o campo da economia, focam no uso de modelos abstratos e suas limitações para o entendimento do mundo real. Como você usa modelos e abstrações em seu livro?

A abstração é necessária em qualquer análise. A questão é como a abstração foi criada. Se abstração é idealização, que eu defendo ser a raiz fundamental da teoria ortodoxa, então isso é muito diferente da abstração enquanto tipificação. Galileo fez uma abstração sobre o movimento dos planetas. Essa abstração foi derivada da observação. A igreja ocidental tinha outra abstração. Ela não era derivada da observação, mas de uma necessidade ideológica. E a igreja tentou deixar de fora os outros pontos de vista.

Eu sei que o que você quer mesmo é falar sobre as teorias em seu livro. Mas eu realmente quero ouvir um pouco mais sobre como é estar em um ambiente econômico heterodoxo, e como você é recebido pelos neoclássicos.

Mas é claro. Bem, quando eu estava fazendo a minha graduação havia mais comunicação entre diferentes pontos de vista. Pessoas como Paul Samuelson e muitas das outras grandes figuras da época, todos leram os originais de Keynes e Marx. Em Cambridge você poderia conversar com Maurice Dobb por um lado e então com Piero Sraffa e Nicholas Kaldor por outro. Todos eram educados no sentido Europeu, eles tinham uma ampla educação e um amplo espectro teórico.

Esse espectro se estreitou. A Chicago School e o MIT começaram a tomar a profissão. Isso aconteceu especialmente com o advento da teoria das expectativas racionais. De repente, tudo que era legítimo tinha que ser moldado de acordo com os seus termos, do contrário não era economia… Se você não construísse a sua teoria com os mesmos fundamentos dos economistas neoclássicos, você simplesmente não era reconhecido como um economista de verdade.

E o único modo que o espectro se amplia para os economistas heterodoxos é quando o capitalismo, sem se impressionar com a teoria econômica, se mostrava como um terremoto. Então esses espaços se abriam por um tempo. Talvez tenhamos uma possibilidade como esta exatamente agora?

Você tem algum conselho para jovens economistas adentrando o campo heterodoxo?

Não gaste o seu tempo reclamando sobre a economia neoclássica. Isso é uma armadilha. Basicamente já foi tudo dito. Não é o suficiente estar em oposição. Penso que a atenção ao método é importante, mas você realmente tem que ter uma visão, um plano. Suponha que você acabou de chegar de Marte e você tem que analisar o capitalismo. Como você abordaria o funcionamento do sistema? Você iria ler o que os outros já disseram, mas também precisaria de começar a construir a sua teoria de uma fundação diferente.

Sobre a entrevitadora

Head of Rethinking Economics, Norway; Economics MA from The New School

Gramsci e a Rússia soviética: O materialismo histórico e a crítica do populismo

Domenico Losurdo


1. “Coletivismo da miséria, do sofrimento”

Tradução / Como é notório, a revolução que batizou a Rússia soviética e que, contra qualquer expectativa, se verificou em um país não incluído entre os capitalistas mais avançados, é aclamada por Gramsci como a “revolução contra O capital”. Ao zombar do mecanismo evolucionista da II Internacional, o texto publicado no Avanti! de 24 de dezembro de 1917 não hesita em se distanciar das “incrustações positivistas e naturalistas” presentes também “em Marx”. Sim, “os fatos superaram as ideologias”, e portanto não é a Revolução de Outubro que deve se apresentar diante dos guardiões do “marxismo” com o fim de obter legitimação; é a teoria de Marx que deve ser repensada e aprofundada à luz da viragem histórica que ocorreu na Rússia (1). Sem dúvida, é memorável o início desse artigo, mas isso não é motivo para se perder de vista a continuação, que não é menos significativa. Quais serão as consequências da vitória dos bolcheviques em um país relativamente atrasado e, além disso, arrasado pela Guerra?

“Será no início o coletivismo da miséria, do sofrimento. Mas as mesmas condições de miséria e de sofrimento seriam herdadas por um regime burguês. O capitalismo não poderia imediatamente fazer na Rússia mais do que poderá fazer o coletivismo. Faria hoje muito menos, porque de imediato teria de frente um proletariado descontente, inquieto, incapaz praticamente de suportar pelos outros as dores e as amarguras que as dificuldades econômicas trariam (...). O sofrimento que terá depois da paz apenas poderá ser suportado porque os proletários perceberão que a sua vontade, o seu apego ao trabalho é que poderão dissipá-lo no menor tempo possível.”.

Nesse texto, o comunismo de guerra que está para se consolidar na Rússia soviética é, ao mesmo tempo, legitimado no plano tático e deslegitimado no plano estratégico; legitimado pelo momento e deslegitimado com o olhar voltado ao futuro. O “coletivismo da miséria, do sofrimento” é justificado pelas condições concretas pelas quais passa a Rússia da época: o capitalismo não estaria em condições de fazer nada melhor. Mas o “coletivismo da miséria, do sofrimento” deve ser superado “no menor tempo possível”.

Não é absolutamente uma afirmação banal. Vejamos em que modo o francês Pierre Pascal interpreta e reverencia a revolução bolchevique da qual é testemunho direto:

“Espetáculo único e extasiante: a demolição de uma sociedade. Estão se realizando o quarto salmo das orações dominicais e o Magnificat: os poderosos derrubados do trono e o pobre resgatado da miséria (...). Os ricos não existem mais: apenas pobres e paupérrimos. O saber não confere nem privilégio e nem respeito. O ex-operário promovido diretor dá ordens aos engenheiros. Altos e baixos salários se aproximam. O direito de propriedade é reduzido a efeitos pessoais.” (2).

Longe de ter de ser superada “no menor tempo possível”, a situação na qual há “apenas pobres e paupérrimos” – ou na linguagem de Gramsci, o “coletivismo da miséria, do sofrimento” –, tudo isso é sinônimo de plenitude espiritual e de rigor moral. É verdade, Pascal era um católico fervoroso, mas isso não significa que os bolcheviques fossem imunes a essa visão que é compatível ao populismo e ao pauperismo. De fato, pode-se perguntar aqui se não haveria traços de populismo e pauperismo na definição que se transfigura em “comunismo” e até mesmo em “comunismo de guerra”, um regime marcado pelo colapso da economia (às vezes com o retorno ao escambo) e em certos momentos pela requisição forçada dos alimentos necessários à sobrevivência da população urbana; um regime que Gramsci corretamente define como “coletivismo da miséria, do sofrimento”. Em 1936-1937, Trotsky (3) é que lembra criticamente “as tendências austeras da época da guerra civil”, difundidas entre os comunistas, cujo ideal parecia ser a “miséria socializada”. É uma fórmula que leva a pensar na de Gramsci, mas que é a ela posterior quase vinte anos.

Quem descreve de um modo mais eficaz, nos anos 1940, o clima espiritual dominante no período imediatamente depois da Revolução de Outubro é um militante de base do Partido Comunista da União Soviética: “Todos nós jovens comunistas crescemos acreditando que o dinheiro tinha sido eliminado de uma vez por todas [...]. Se ressurgisse o dinheiro, não ressurgiriam também os ricos? Não nos encontrávamos em um terreno escorregadio que nos levava de volta ao capitalismo?” (4).

As causas da catástrofe da guerra eram a corrida pela conquista das colônias, dos mercados e das matérias-primas, a busca de lucro, em última análise a auri sacra fames (maldita fome de ouro), e portanto o “comunismo de guerra” não era apenas sinônimo de justiça social mas também era a garantia de que não mais se verificariam tragédias desse gênero. Era um clima que certamente não se restringia à Rússia. Em 1918, o jovem Ernst Bloch (5) tinha como expectativa, na onda da Revolução de Outubro, o advento de um mundo de uma vez por todas livre de “qualquer economia privada”, de qualquer “economia monetária” e, com isso, da “moral mercantil que consagra tudo o que de pior existe no homem”.

Segundo o Manifesto do Partido Comunista, os “primeiros movimentos do proletariado” são frequentemente caracterizados por reivindicações em nome de “um ascetismo universal e um tosco igualitarismo”; de outro lado, não há “nada mais fácil do que dar ao ascetismo cristão uma mão de verniz socialista” (6). É exatamente o que ocorre na Rússia revolucionária. No entanto, convém logo acrescentar que o fenômeno tão eficazmente descrito por Marx e Engels possui uma extensão temporal e especial bem superior àquela por eles sugerida. Ainda no século 20, e inclusive no âmbito dos movimentos que adotam o materialismo histórico e o ateísmo, encontramos confirmada a regra pela qual as grandes revoluções populares, os levantes de massa das classes subalternas tendem a estimular um populismo espontâneo e ingênuo que, ignorando totalmente o problema do desenvolvimento das forças produtivas, tem como expectativa, ou enaltece,a redenção daqueles que ocupam o último degrau da hierarquia social, a redenção dos pobres e dos “pobres em espírito”.

Gramsci se torna alheio a essa tendência já em seus primeiros escritos.

2. A dissolução da Assembleia Constituinte como “episódio de liberdade”

Poucas semanas depois de ter reverenciado a “revolução contra O capital”, em um artigo publicado em Il Grido del popolo (O Grito do povo), de 26 de janeiro de 1918, Gramsci justifica a dissolução da Assembleia Constituinte determinada pelos bolcheviques e pelos socialistas revolucionários. Trata-se de uma medida que se constitui em “um episódio de liberdade apesar das formas externas que fatalmente teve que assumir”, apesar “da aparência violenta” (7).

Como é notório, diferente e oposta foi a atitude assumida por Rosa Luxemburgo (8), que polemizando com a viragem considerada autoritária ou ditatorial da Revolução Russa enalteceu a liberdade como “liberdade de quem pensa de modo diferente”. Apesar de sua característica eloquência, que a tornou famosa, essa tomada de posição não é em nada convincente. Geralmente, as grandes revoluções provocam um conflito entre a cidade e o campo. As massas urbanas protagonistas da derrocada do Antigo regime e que suportaram o peso e os sacrifícios da luta são muito pouco inclinadas a ceder o poder às massas do campo, que desempenharam um papel secundário no processo revolucionário e sobre as quais a influência do regime derrubado continua a ser sentida.

É uma dialética que se manifesta na primeira revolução inglesa e no ciclo revolucionário francês em seu conjunto. No que se refere a este último, a vitória dos jacobinos é claramente a vitória da cidade, de Paris, não apenas contra o campo católico e tradicionalista da Vendeia, mas também contra as áreas da província representadas pelos girondinos. Em 1848, ao contrário, é o campo que obtém a vitória: disso provém uma reação que resulta na instauração da ditadura bonapartista. Mesmo em 1871 a derrota da Comuna de Paris parece pavimentar caminho para a restauração bourbônica ou para uma desemancipação política das massas populares obtida mediante o retorno da discriminação censitária aberta ou graças à introdução do voto plural em favor das elites (9).

Dados esses precedentes – e tendo presentes o recrudescimento da guerra, a intensidade do confronto entre os que estavam decididos a continuá-la, ou a novamente decretá-la, e os que queriam colocar-lhe um fim de qualquer forma, bem como o papel internacional da Entente*** decidida a impedir de todos os meios a “deserção” da Rússia –, é fazendo de tudo para demonstrar que a vitória da Assembleia Constituinte teria significado a consolidação da democracia, mais do que o retorno do poder czarista, ou mais provavelmente o advento de uma ditadura militar (apoiada nos “aliados” da Entente).

São os anos em que por toda parte a mobilização total tornou precário o respeito à legalidade mesmo no que se refere aos organismos representativos. Mesmo antes de reverenciar a Revolução de Outubro e de apoiar a dissolução da Assembleia Constituinte, Gramsci entrou em uma dura polêmica com Leonida Bissolati que, no Parlamento e na bancada do governo, aos quais havia ascendido graças a seu fervoroso intervencionismo, não tinha hesitado em ameaçar os deputados considerados derrotistas ou não suficientemente belicistas: “Para a defesa do país, eu estarei pronto a abrir fogo sobre todos vocês!” (10). São os anos em que, inclusive nos EUA, embora posicionados em uma distância segura do epicentro do conflito, mesmo depois do fim da guerra (mas agora com os olhos voltados ao “perigo” que representava a Rússia revolucionária), a assembleia legilativa do estado de Nova Iorque expulsa os representantes socialistas nela eleitos, embora o partido socialista fosse uma organização perfeitamente legal (11). Não se vê por que ao partido bolchevique (que viveu a experiência da deportação para a Sibéria de seus deputados contrários à guerra) devesse ser negado o “direito” de recorrer – com o fim de salvar a revolução e impedir a guerra para sempre – a medidas semelhantes àquelas delineadas ou colocadas em ação, em circunstâncias muito menos dramáticas, pelos países liberais em função da continuação a todo custo da mobilização total e da guerra, ou da luta contra o perigo do contágio revolucionário. Ainda mais que, se no Ocidente são atingidos, ou ameaçados de ser atingidos, por medidas excessivas os órgãos que personificam de modo exclusivo o princípio de legitimidade, na Rússia soviética a dissolução da Assembleia Legislativa é só um momento do confronto entre dois princípios de legitimidade que, na prática, se enfrentam desde as jornadas de fevereiro. Gramsci menciona este último fato quando assinala o contraste entre “Constituinte e Soviete” (assim repercute o título do artigo): a revolução está exaustivamente buscando “as formas representativas por meio das quais a soberania do proletariado deva ser exercida” (12).

3. Os bolcheviques enquanto “aristocracia de estadistas”

O alheamento de Gramsci em relação ao doutrinarismo é confirmado de modo estrepitoso pelo editorial por ele publicado em L’Ordine Nuovo de 7 de junho de 1919. Um dos temas centrais, ou talvez o tema central, desse artigo é a construção do Estado na Rússia soviética. Atenção, estou falando de construção do Estado e não de extinção do Estado, como gostaria um certo marxismo-leninismo mais ou menos ortodoxo. Nas palavras de Gramsci: “A revolução é esta e não uma grandiloquência vazia da retórica, quando se consubstancia num tipo de Estado, quando se torna um sistema organizativo do poder” (13).

Justamente por tal propósito se revela a grandeza dos bolcheviques. Primeiro, realizando e depois defendendo a Revolução de Outubro, eles salvaguardaram a nação e o Estado russos da desagregação e da balcanização que se delinearam em consequência da derrota bélica e da ruína do Antigo regime. Gramsci presta homenagem a Lênin como o “maior estadista da Europa contemporânea” e aos bolcheviques como “uma aristocracia de estadistas que nenhuma outra nação possui”. Esses tiveram o mérito de colocar um fim ao profundo abismo da miséria, da barbárie, da anarquia, da desagregação” aberto “por uma longa e desastrosa guerra”, salvando a nação, “o gigantesco povo russo”, e conseguiram “soldar a doutrina comunista à consciência coletiva do povo russo”.

Colocando-se em uma relação de descontinuidade, mas também de continuidade, com a história do seu país, os bolcheviques manifestam sim uma “consciência de classe”, mas ao mesmo tempo desempenham uma função nacional: eles conseguem “conquistar para o novo Estado a maioria leal do povo russo” e construir “o Estado de todo o povo russo”. Nem por isso se resigna o imperialismo, que continua com a sua política de agressão. Porém: “O povo russo todo se levantou […]. Municiou-se por completo para a sua Valmy” ****. O partido comunista inspirado por uma “consciência de classe” é de fato chamado a comandar a luta pela independência nacional, imitando assim os jacobinos (14).

É um texto extraordinário por várias razões. Vemos aqui os protagonistas da luta pela construção, sobre as ruínas da sociedade burguesa, de um sistema que se dedica a arruinar o Estado e as identidades nacionais, se revelarem como os autores da salvação do Estado e da nação contra o ataque desencadeado pelas classes exploradoras da Rússia e do mundo inteiro! O balanço realizado por Gramsci em 1919 é confirmado depois de mais de 80 anos de distância da historiografia atual. Passamos a palavra para Nicolas Werth (que à sua época foi um dos editores do Livro Negro do Comunismo): “Sem dúvida, o êxito dos bolcheviques na guerra civil deveu-se, em última análise, à sua extraordinária capacidade de ‘construir o Estado’, capacidade que, no entanto, faltava a seus adversários.” (15).

Nesse sentido, os bolcheviques são realmente uma “aristocracia de estadistas”, os quais, no entanto, são animados por uma teoria em franca contradição com a sua práxis; é a práxis que se revela mais lúcida, mas para encontrar uma teoria à altura de tal práxis é preciso fazer referência a Gramsci. Este argumenta do modo que vimos em Bloch (16), o qual, no mesmo período, fica, como sabemos, na expectativa – com a viragem iniciada com a Revolução de Outubro – não apenas da extinção de “qualquer economia privada”, de qualquer “economia do dinheiro” e da “moral mercantil que consagra tudo o que de pior existe no homem”, mas também na expectativa da “transformação do poder em amor.”.

Desde os seus primeiros textos Gramsci revela uma visão mais realista da sociedade pós-capitalista a ser construída, e uma tendência à desmessianização do marxismo. Isso se confirma pelo apoio que ele de imediato fornece à NEP, agindo em franca contratendência em relação a uma leitura muito difundida tanto pela esquerda quanto pela direita que – embora com um julgamento de valor oposto – interpretava a viragem que ocorreu na Rússia soviética como um retorno ao capitalismo.

4. Um fenômeno “nunca visto na história”

Encontramos a formulação teoricamente mais madura do discurso gramsciano sobre a Nova Política Econômica na conhecida e polêmica carta ao PCUS de 14 de outubro de 1926: a realidade da URSS nos coloca diante de um fenômeno “nunca visto na história”; uma classe politicamente “dominante” vem “como um todo” a se encontrar “em condições de vida abaixo de determinados elementos e estratos da classe dominada e submissa.”. As massas populares que continuam sofrendo uma vida de privações ficam desnorteadas pelo espetáculo do “nepman ascendente que tem à sua disposição todos os bens da terra”; e, no entanto, isso não deve se constituir em motivo de escândalo ou de repulsa, porque o proletariado, da mesma forma que não pode conquistar o poder, também não pode mantê-lo se não é capaz de sacrificar interesses particulares e imediatos em detrimento dos “interesses gerais e permanentes da classe” (17). Aqueles que entendem a NEP como sinônimo de retorno ao capitalismo identificam erroneamente grupo economicamente privilegiado e classe politicamente dominante.

É válida a distinção aqui formulada? De volta de uma viagem a Moscou em 1927, Walter Benjamin (18) assim resume as suas impressões: “Na sociedade capitalista poder e dinheiro se tornaram grandezas possíveis de se avaliar. Qualquer dada quantidade de dinheiro convertível em uma porção bem definida de poder e o valor de troca de cada poder são uma entidade calculável (...). O Estado soviético interrompeu essa osmose de dinheiro e poder.

Obviamente, o Partido reserva a si mesmo o poder, mas o dinheiro ele o deixa ao homem da NEP.”.

Este último, no entanto, é exposto a um “terrível isolamento social”. Mesmo para Benjamin, não há coincidência entre riqueza econômica e poder político.

Algumas semanas depois, Gramsci foi pego pelas garras da polícia fascista. Apesar da difícil situação, ele não poupa esforços para procurar o maior número possível de livros e revistas que lhe permitissem continuar a seguir os progressos do país nascido da Revolução de Outubro. É uma questão de vital importância: “se não consigo obter o material sobre a URSS que pedi” – escreve em 16 de novembro de 1931 em uma carta a Tania –, “todos os meus hábitos intelectuais serão abruptamente interrompidos e as minhas condições consideravelmente agravadas por essa interrupção.” (19).

Imediatamente chama a atenção de Gramsci o primeiro plano quinquenal soviético. O processo de reconstrução e de desenvolvimento programado da economia soviética demonstra que um novo sistema social é possível! Pode-se finalmente superar a fase do “coletivismo da miséria, do sofrimento” imposta pela catástrofe da guerra. Mas o lançamento do plano quinquenal tem também grande importância no plano filosófico: do mesmo modo que a “revolução contra O capital”, também o desenvolvimento econômico e industrial da Rússia soviética é a prova de que, bem longe de estimular “fatalismo e passividade”, na realidade, “a concepção do materialismo histórico (...) dá origem ao florescimento de iniciativas e empreendimentos que surpreendem muitos críticos.” (20).

5. A URSS ameaçada por uma “guerra de extermínio”

A superação do “coletivismo da miséria, do sofrimento” deve ser considerada de modo muito positivo, mesmo por razões de política internacional: não é de menos o desaparecimento da ameaça que pesa sobre a Rússia soviética. O seu perseverante isolamento diplomático a torna vulnerável: será renovada a intervenção contrarrevolucionária do Ocidente capitalista? E novamente Gramsci busca nos jornais e revistas confirmações ou negações de suas preocupações e suas angústias. A Nova Antologia publica uma série de artigos sobre o papel internacional do “Império inglês”, que têm “por objetivo pregar o isolamento moral da Rússia (ruptura das relações diplomáticas) e a formação de uma Frente Única antirrussa como preparação para a guerra.”.

Sim, esses artigos, infelizmente – talvez influenciados por importantes personalidades e ambientes políticos britânicos –, procuram “transmitir a certeza de que uma guerra de extermínio seja inevitável entre a Inglaterra e a Rússia, guerra na qual só pode ocorrer de a Rússia ser derrotada.” (21).
Estamos entre o fim dos anos 1920 e o início dos anos 1930. Com o advento do Terceiro Reich, a Alemanha é claramente identificada como perigo principal: “depois das demonstrações de brutalidade e de assombrosa humilhação da ‘cultura’ alemã dominada pelo hitlerismo”, é hora de tomar conhecimento do quanto seja “frágil a cultura moderna” (22). O anticomunismo raivoso do “partido hitleriano” não tardará a se fazer sentir também no plano internacional. Sim, “é sempre a política interna que dita as decisões, bem entendido, de um país determinado. Na verdade, é claro que a ação de um país, devido a razões internas, se tornará ‘externa’ para o país que recebe a iniciativa.” (23).

Não é difícil perceber contra quem estão dirigidas as miras agressivas da Alemanha nazista. Não apenas os Cadernos, mas também as Cartas do cárcere, testificam até o fim um simpático interesse pelo país nascido da Revolução de Outubro. Não são negligenciados nem mesmo os mínimos aspectos: isso é demonstrado pelas referências positivas (nas cartas ao filho Delio do verão e de novembro de 1936) ao “jornal dos pioneiros” e à “jovem e valorosa filologia soviética”, à “literatura recente” e “criticamente elaborada” sobre Pushkin e Gogol (24). E é também de 1936, mesmo com o mês indefinido, uma carta a Giulia na qual, como ponto de influência da educação do filho Delio, é ressaltado o fato de que ele, ao contrário do neto, viveu não “a vida mesquinha e difícil da um país da Sardenha”, mas sim a vida de “uma cidade mundial onde confluem imensas correntes de cultura e de interesses e sentimentos que atingem até os vendedores de cigarro de rua.” (25).

Faltam poucos meses para o final. Depois de, até o fim, ter-se recusado a emitir o pedido de ajuda, ainda em 25 de março de 1937, um mês antes da morte que ele sente se aproximar, Gramsci comunica a Sraffa, para que as transmita aos companheiros de partido, as suas ideias sobre a melhor maneira de conduzir a luta política, e, por outro lado, o encarrega de preparar uma minuta do pedido de autorização para sua viagem ao exterior (26): espera chegar à URSS e a Moscou, a cidade descrita em termos lisonjeiros na carta a Giulia do ano anterior. Portanto, não apenas os textos escritos, mas também os depoimentos e o comportamento prático, tudo contribui para refutar a tese, hoje muito difundida, da ruptura final de Gramsci com a URSS e o movimento comunista.

Certamente, a clara tomada de posição em favor da Rússia soviética em Gramsci nunca acaba em trivial apologética e em autoengano. Estamos diante de uma atitude crítica no sentido mais elevado do termo que, bem longe de ser sinônimo de frieza e distância, é expressão de ansiosa preocupação e profundamente simpática com a qual é seguido o fato que surgiu do Outubro bolchevique. Um exemplo pode lançar luz sobre o tipo de abordagem preferida por Gramsci. Nos anos 1930 o tema dos dois totalitarismos se difunde a ponto de fazer eco em Trotsky e em Bukharin, os quais colocam lado a lado, sob a categoria de “regime totalitário” (ou de “ditadura totalitária”) e de “Estado total onipotente”, a URSS staliniana e a Alemanha hitleriana (27). Não tanto os Cadernos do Cárcere que, certamente, contestam a autorrepresentação da URSS como “ditadura do proletariado”, ou como “democracia autêntica”, e falam, ao contrário, de “cesarismo”, mas com a preocupação de distinguir o cesarismo “progressivo” do “regressivo”, encarnado no século 20 por Mussolini e por Hitler (28).

Em outras palavras, a crítica de Gramsci não resulta nunca no “puro derrotismo” que os Cadernos do Cárcere condenam em Boris Souvarine. Este, dirigente do primeiro escalão do Partido Comunista Francês e da III Internacional, e depois crítico cada vez mais virulento do bolchevismo e da Rússia soviética, a partir de 1930 começa a publicar o seu requisitório em A Crítica social. Gramsci segue com atenção essa revista, da qual reprova a incapacidade de compreender a trágica dificuldade do processo de construção de um novo sistema social. Aos olhos consternados de Furet (29), Souvarine “pertence àquela categoria de intelectuais que demonstram uma alegria sarcástica de ter razão contra o maior número de pessoas.”. É precisamente esse o alvo dos Cadernos do Cárcere: o pedantismo: “Lugares-comuns de modo abundante, ditos com a cara de pau de quem está bem satisfeito consigo mesmo (...). Trata-se, é verdade, de trabalhar a elaboração de uma elite, mas esse trabalho não pode ser separado do trabalho de educar as grandes massas; ou melhor, as duas atividades são em realidade uma única atividade, e é precisamente isso que torna difícil o problema (...); trata-se em suma de ter uma Reforma e um Renascimento contemporaneamente.”.

Em conclusão: “É evidente que não se compreende o processo molecular de afirmação de uma nova civilização que se desenvolve no mundo contemporâneo sem que se tenha compreendido o nexo histórico Reforma/Renascimento.” (30).

Chegamos aqui em um ponto crucial. Aos olhos de Gramsci, somente um filisteu pode se admirar – em seu trabalhoso vir à luz e tomar forma – com o fato de que o novo sistema não pode assumir a lustrosa configuração do mundo que pretende destruir, e que pode contar, por trás de si, com séculos de experiência na gestão do poder. Basta comparar Humanismo/Renascimento, de um lado, e Reforma, de outro, ou, em sentido ideal-tipo, Erasmo e Lutero.

Apesar da rigidez camponesa com a qual inicialmente se apresentam, são a Reforma e Lutero que lançam as bases para a liquidação do Antigo regime e o advento de uma civilização nova e mais avançada e com uma base social bem mais ampla.

É uma atitude similar que precisa ser tomada em relação ao fato histórico iniciado em Outubro de 1917: “Se devesse ser feito um estudo sobre a União [Soviética], o primeiro capítulo, ou mesmo a primeira parte do livro, se deveria justamente desenvolver o material reunido sob esta rubrica ‘Reforma e Renascimento’.” (31). Longe de se constituir em censura com relação aos escritos anteriores, os Cadernos do Cárcere são, em primeiro lugar, um balanço histórico-teórico do extenuante e contraditório processo de construção da “nova ordem”.

Um abismo separa do Diamat (Materialismo Dialético), da União Soviética da época, o pensamento crítico de Gramsci que, de um modo ou de outro, soube assimilar a lição da dialética, mas justamente em virtude de sua superior fineza e maturidade tal pensamento está em condições de compreender as dificuldades e as razões da sociedade e da história que expressaram o Diamat. A Rússia de Stalin precisa proceder do mesmo modo que a Alemanha de Lutero.

6. “Linguagem esópica” e análise do “americanismo”

Mas se é assim, como explicar a intensa e prolongada atenção que, a partir de 1929 – como demonstra uma carta a Tania, de 25 de março daquele ano –, ele dispensa ao “americanismo” e ao “fordismo” (32)? O julgamento equilibrado, e às vezes positivo, exposto com tal propósito pelos Cadernos do Cárcere não é, ao contrário, a confirmação do crescente desinteresse da parte do revolucionário na prisão pelo movimento comunista? Um equívoco de fundo deturpa tal interpretação, além do evidente desejo de adaptação ao clima ideológico hoje dominante, que a inspira. Convém dizer de imediato que as páginas sobre “Americanismo e Fordismo” falam não apenas dos Estados Unidos, mas também da Rússia soviética, e talvez falem mais da Rússia soviética do que dos Estados Unidos. A afirmação pode parecer paradoxal e até arbitrária; então, só resta examinar os textos e o contexto histórico.

Comecemos pelo contexto. Vimos Pierre Pascal reverenciar a Revolução de Outubro como o advento de uma sociedade na qual existem “somente pobres e paupérrimos” e cuja nobreza moral consiste na distribuição mais ou menos igualitária da miséria. Essa visão, marcada pelo desinteresse pelo desenvolvimento das forças produtivas e da riqueza social, traduz um sentimento comum. Depois de sua viagem a Moscou, Benjamin relata: “Nem menos na capital da Rússia existe, malgrado toda “racionalização”, o senso de um valor de tempo. O ‘Trud’, o instituto sindical do trabalho, por meio de cartazes de parede, conduziu (...) uma campanha pela pontualidade (...), ‘Tempo é dinheiro’; para credenciar uma palavra de ordem tão estranha foi feito o uso, nos cartazes, até da autoridade de Lênin. De tanto que uma tal mentalidade é estranha aos russos. Sobre tudo prevalece o seu instinto brincalhão (...).

Se, por exemplo, pelas ruas é rodada a cena de um filme, eles se esquecem de por que e onde vão, se juntam à trupe por horas e chegam ao trabalho atordoados. Na administração do tempo, o russo continuará ‘asiático’ até o último segundo.” (33).

O apelo para racionalizar a produção e compreender que “tempo é dinheiro” custava a abrir caminho, pelo fato de que a visão “asiática” – o que podemos chamar de “asiatismo” – exercia o seu fascínio sobre os populistas, inclinados a se encantarem com o sonho de uma sociedade na qual ninguém tem pressa ou está preocupado em fazer o seu trabalho e a sua tarefa produtiva de modo ordenado.
O “asiatismo” não é certamente partilhado por Lênin que, já em março-abril de 1918, observou: “Em comparação com os trabalhadores das nações mais avançadas, o russo é um mau trabalhador (...). Aprender a trabalhar: eis a tarefa que o poder dos sovietes deve colocar diante do povo em toda a sua amplitude.” (34).

E aprender a trabalhar significava não apenas colocar um fim de uma vez por todas ao absentismo e ao anarquismo no local de trabalho, mas também saber levar em conta “o sistema Taylor”. Mesmo que destinado à exploração no mundo capitalista, ele continha “uma série de riquíssimas conquistas científicas no que diz respeito à análise dos movimentos mecânicos durante o trabalho, a eliminação dos movimentos desnecessários e desordenados, a elaboração dos métodos de trabalho mais racionais, a introdução dos melhores sistemas de registro e controle etc.”.

Era preciso ir à escola dos países mais avançados do Ocidente capitalista: “A república soviética deve a todo custo assimilar tudo o que lhe é valioso das conquistas no campo da ciência e da técnica. A possibilidade de realizar o socialismo será determinada precisamente pelos êxitos que seremos capazes de conseguir com a união do poder soviético e da organização administrativa soviética com os mais recentes avanços do capitalismo.” (35).

É uma tese reafirmada por Lênin, por exemplo em outubro de 1920: “Nós queremos transformar a Rússia de país desfavorecido e pobre em país rico”; para obter esse resultado é preciso “um trabalho organizado”, “um trabalho consciente e disciplinado”, com o fim de assimilar e colocar em prática “as últimas conquistas da técnica”, inclusive evidentemente o taylorismo americano (36). Contra o “asiatismo”, o “americanismo” poderia desempenhar um papel positivo.

Pascal não concorda. Na segunda metade dos anos 1920, ele lamenta que “de um ponto de vista material se está caminhando para a americanização” (entendida como o culto idólatra do desenvolvimento econômico e tecnológico); é verdade, foram obtidos alguns avanços econômicos, mas “à custa de uma enorme exploração da classe operária”. (37). Nessa linha de pensamento, mas com uma atitude mais radical, se encontra, na França, Simone Weil que em 1932 chega à conclusão de que a Rússia tinha como modelo a América, a eficiência, o produtivismo, “o taylorismo”, a subordinação do operário à produção: “O fato de que Stalin, sobre tal questão que se encontra no centro do conflito entre capital e trabalho, tenha abandonado o ponto de vista de Marx, e se deixou seduzir pelo sistema capitalista em sua forma mais perfeita, demonstra que a URSS ainda está bem longe de possuir uma cultura operária.” (38).

São os anos em que a crítica ao “americanismo” se manifesta em autores e círculos de orientação entre si bem diferentes. Em sua visita ao país dos sovietes, entre setembro de 1926 e janeiro de 1927, o grande escritor austríaco Joseph Roth denuncia a “americanização” em curso: “A América é desprezada, isto é, o progresso, o ferro elétrico, a higiene e os aquedutos.”. Em conclusão: “Esta é uma Rússia moderna, que progrediu tecnicamente, com ambições americanas. Esta não é mais a Rússia.”. Irrompeu o “vazio espiritual” até mesmo em um país que inicialmente havia gerado tantas esperanças (39). Deve-se, enfim, ter em mente Martin Heidegger que, em 1935, acusa os Estados Unidos e a União Soviética (e o movimento comunista) de conceberem, do ponto de vista metafísico, o mesmo princípio, baseado no “infame poder da técnica desencadeada” e na “massificação do homem”. E alguns anos depois, em 1942: “O bolchevismo é apenas uma variante do americanismo.” (40).

É um debate no qual se vê participarem também os dirigentes soviéticos, os quais nesse momento tomaram o caminho que gerou a desilusão ou a perplexidade dos populistas. Em 1923, Bukharin declara: “Precisamos juntar o americanismo e o marxismo”. Um ano depois, a esse país – mesmo que tenha participado da intervenção armada contra a Rússia – Stalin parece olhar com tanta simpatia a ponto de transmitir aos quadros bolcheviques um significativo apelo: se querem realmente estar à altura dos “princípios do leninismo” devem saber unir “o impulso revolucionário russo” ao “espírito prático americano”. Como esclarece Stalin em 1932: os Estados Unidos são certamente um país capitalista; no entanto, “as tradições na indústria e na práxis produtiva possuem algo do democratismo, o que não se pode dizer dos velhos países capitalistas da Europa, onde ainda está vivo o espírito senhoril da aristocracia feudal.” (41).

A bem da verdade, a visão que expressa é unilateral: se, na comparação com a Europa, a República norte-americana mostra-se mais democrática no que se refere à relação entre as classes sociais, o resultado se inverte se levamos em consideração as relações entre brancos e negros (em sua maioria inseridos nos segmentos inferiores do mercado de trabalho e, mesmo nos EUA de Franklin Delano Roosevelt, privados não apenas dos direitos políticos, mas frequentemente também dos direitos civis). Restam estabelecidos dois pontos: em Bukharin e Stalin, “americanismo” e “espírito prático americano” significam desenvolvimento em larga escala das forças produtivas e da grande indústria, um desenvolvimento tornado possível devido à ausência da riqueza parasitária que é herança do Antigo regime; tal “americanismo” e o “espírito prático americano” até mesmo a Rússia soviética deve compreender, empenhada em sair do atraso e em construir o socialismo.

Uma vez reconstruído o contexto histórico, podemos fazer a leitura dos textos. Ao apreciar o “americanismo” (ou alguns de seus aspectos), Gramsci é plenamente coerente com a sua recusa – expressa já no momento em que reverencia a Revolução de Outubro – em identificar o socialismo com o “coletivismo da miséria, do sofrimento”. Os próprios Cadernos do Cárcere é que ressaltam a continuidade do período juvenil, quando apontam que já “L’Ordine Nuovo (...) sustentava um seu ‘americanismo’” (42). Leiamos novamente então esse órgão de imprensa, concentrando-nos em algumas declarações de julho-agosto de 1920: tarefas fundamentais do Conselho de Fábrica, do qual “o operário começa a fazer parte como produtor”, são “o controle da produção” e “a elaboração de planos de trabalho” (43). Mas como cumprir tais tarefas?

“Em uma fábrica, os operários são produtores quando colaboram –, classificados em um modo determinado exatamente pela técnica industrial que (num certo sentido) é independente do modo de apropriação dos valores produzidos –, com a preparação do objeto fabricado.” (44).

Enquanto organismos revolucionários, os Conselhos de Fábrica superam o trade-unionismo economicista, capaz de ver o operário apenas como vendedor da sua força de trabalho empenhado em aumentar o preço dela por meio da organização e da luta sindical, e não como “produtor”; e rejeitam o anarquismo, tradicionalmente inclinado ao ludismo.

Bem compreendido, o “americanismo” é parte integrante do projeto revolucionário, ou pelo menos de um projeto revolucionário que se recusa a equiparar-se ao “coletivismo da miséria, do sofrimento”, pelo qual continuam a ser atacados populistas e pauperistas como Pascal e Weil. Não por acaso, entre outubro e novembro de 1919, L’Ordine Nuovo publica uma série de artigos sobre o taylorismo, examinado, em última análise, a partir da distinção entre as “riquíssimas conquistas científicas” (das quais fala Lênin) e o seu uso capitalista.

Podemos então compreender melhor o caderno especial 22, dedicado a “Americanismo e fordismo”. Leiamos o parágrafo 1: “Série de problemas que devem ser examinados sob essa rubrica geral e um pouco convencional de ‘Americanismo e fordismo’”. Estamos diante de um tema “geral” que remete a uma multiplicidade de problemas e também de países e que é tratado com uma linguagem “convencional”, dada também a necessidade de estar vigilante contra uma possível intervenção da censura fascista.

“Pode-se dizer genericamente que o americanismo e o fordismo resultam da necessidade imanente de se chegar à organização de uma economia programada, e que os vários problemas examinados deveriam ser os anéis da cadeia que marcam a passagem justamente do velho individualismo econômico para a economia programada.” (45).

Aqui se faz referência aos Estados Unidos ou à Rússia soviética? É difícil para o primeiro país falar de “passagem” à “economia programada”. O caderno que estamos analisando termina (46) com a afirmação de por que nos EUA, contrariamente aos mitos, não apenas a luta de classe está bem presente, como também ela se configura como a “mais descontrolada e feroz luta de uma parte contra outra” (47). Mas retomemos a leitura do parágrafo inicial:

“Que uma tentativa progressiva seja iniciada por uma outra força traz consequências fundamentais: as forças subalternas, que deveriam ser ‘manipuladas’ ou racionalizadas segundo os novos fins, necessariamente resistem. Mas resistem também alguns setores das forças dominantes, ou pelo menos aliados às forças dominantes.” (48).

Portanto, fordismo e americanismo são combatidos a partir de pontos de vista e de forças sociais diversas e contrapostas. De um lado, há os “lugares-comuns”, como o tão querido de Guglielmo Ferrero, que enaltece a Europa guardiã da “qualidade” e destina o seu desprezo aos EUA grandes defensores da “quantidade” (49).

Na realidade, a “substituição pela atual classe plutocrática, de um novo mecanismo de acumulação e distribuição do capital financeiro fundado diretamente na produção industrial” (50) é vista com suspeita e hostilidade (numa Europa em que ainda se sente a presença de classes ligadas ao Antigo regime e beneficiárias de uma riqueza exclusivamente parasitária). Então, em Gramsci é clara a condenação do “americanismo”, que “é cômico antes de ser estúpido”. É uma comicidade que aparece com particular evidência em um filósofo como Gentile, incansável na sua exaltação retórica da ação e da práxis, mas igualmente pronto a condenar como “mecanicismo” a transformação real do mundo do qual é protagonista o desenvolvimento industrial promovido pelo “americanismo” e pelo taylorismo (51).

7. Marxismo ou populismo?

Até aqui tudo está muito claro. Mas quais “forças subalternas” se opõem a uma “tentativa progressiva” ou fundamentalmente progressiva, e que ao fazerem isso, por um lado, “resistem” a uma iniciativa da burguesia e, por outro, se arriscam a fazer alianças, ou, seja como for, correm o risco de serem confundidas com as elites europeias reacionárias? Somos novamente levados a pensar em personalidades como Pascal e Weil ou nos “anarquistas” críticos da linha dos Conselhos de Fábrica inspirados em Gramsci (52).

O caderno sobre “Americanismo e fordismo” termina com uma dura polêmica contra Ferrero, “pai espiritual de toda ideologia estúpida sobre o retorno ao artesanato” (53). Mas tal nostalgia era nutrida não apenas por Ferrero; a ele faz companhia não exclusivamente aquele André Siegfried que “compara o operário taylorizado americano ao artesão da indústria de luxo parisiense” (54). Não, de particular importância é a tomada de posição de Weil. Com uma formação marxista sobre os ombros, e estimulada por seu vivo interesse pela condição operária, colaborou com jornais de inspiração socialista ou comunista (La Révolution prolétarienne “A Revolução proletária”), se empenhou ativamente no sindicato, adquiriu uma experiência de trabalho em fábrica. Nos anos em que Gramsci insiste no potencial de emancipação intrínseco à grande fábrica, e, portanto, na necessidade do movimento operário e comunista de contar com o taylorismo e o fordismo, a filósofa francesa chega a uma conclusão contrária: é “o regime próprio da produção moderna, isto é, a grande indústria” que deve ser colocada em discussão; “com aquelas prisões industriais que são as grandes fábricas pode-se fabricar apenas escravos, e não trabalhadores livres.” (55). Como fundamento para o seu empenho em “valorizar a fábrica” e a grande indústria, Gramsci remete corretamente a O Capital (56); com a mesma lógica, depois de ter averiguado como intrinsicamente arbitrárias são a “produção moderna” e a “grande indústria”, Weil condena Marx como profeta de uma “religião das forças produtivas”, não diferente da burguesia (57). Poderia se dizer que, aos olhos da filósofa francesa, o autor de O Capital tinha sido acometido de um “americanismo” ante litteram (antes do seu tempo).

Voltemos a Gramsci. Nós o vimos criticar o “antiamericanismo” pregado na Europa por nostálgicos se não do Antigo regime, então da sociedade pré-industrial. Mas isso é apenas uma vertente da polêmica. A outra tem como objetivo a visão que retrata o capitalismo estadunidense como um sistema caracterizado pela “homogeneidade social” (58). Na realidade, é justamente nos EUA que, como sabemos, a luta de classe se manifesta com particular brutalidade.

A contradição entre operário e capital se liga (em todo caso, na Europa) à contradição entre burguesia industrial de tipo taylorista e fordista, por um lado, e riqueza parasitária e herdeira do Antigo regime, por outro. Eis que então surge a “questão de saber se o americanismo poderia se constituir numa ‘época’ histórica, isto é se poderia determinar um avanço gradual do tipo, examinado em outro lugar, das ‘revoluções passivas’ próprias do século passado, ou se ao contrário representaria apenas a acumulação molecular de elementos destinados a produzir uma ‘explosão’, isto é uma agitação do tipo francês.” (59).

O espectro da revolução ressurgiu no Ocidente. E, por isso, as páginas sobre americanismo e fordismo nos revelam não um Gramsci que se prepara a abandonar a tradição comunista, mas um Gramsci que chama o movimento comunista a rejeitar de uma vez por todas as nostalgias pré-industriais de cunho populista e pauperista e a se pronunciar por um marxismo livre de qualquer vestígio messiânico. É também por isso que os Cadernos do Cárcere revelam ainda hoje uma extraordinária vitalidade. Alguns processos ideológicos merecem particular atenção: 1) O extraordinário sucesso do qual desfrutou, e ainda desfruta, na esquerda ocidental, um filósofo como Heidegger, defensor de um anti-industrialismo e de um antiamericanismo (que é ao mesmo tempo um antissovietismo), por Gramsci considerados “cômicos” e “estúpidos”. 2) Era muito difundida na esquerda, sobretudo na época de 1968, a tendência que entendia o pensamento de Gramsci como sinônimo de subordinação ao produtivismo capitalista, do mesmo modo que, três décadas antes, Simone Weil havia tachado Marx de profeta de uma “religião das forças produtivas” fundamentalmente burguesas. 3) Nos dias atuais, enquanto da França – apesar da crise e da recessão – difunde-se o culto ao “decrescimento” tão querido de Serge Latouche, em um país como a Itália a esquerda denominada radical parece às vezes contestar a alta velocidade enquanto tal. Investigar de quando em quando o impacto ecológico e o custo econômico de uma linha ferroviária é legítimo e até necessário; é, ao contrário, sinônimo de ludismo rechaçar a alta velocidade enquanto tal. 4) Enquanto mistifica o Tibet lamaísta, a esquerda ocidental vê com grande desconfiança, ou com franca hostilidade, um país como a República Popular da China, nascida de uma grande revolução anticolonial e protagonista de um prodigioso desenvolvimento econômico, que não apenas retirou várias centenas de milhões da miséria e da ruína, mas que também finalmente começa a colocar em discussão o monopólio ocidental da tecnologia (e, portanto, as bases materiais da arrogância imperialista). E como os populistas dos anos 1920 e 1930 reprovavam como expressão de “americanismo” o desenvolvimento industrial da Rússia soviética, do mesmo modo hoje não são poucos os que, na esquerda, tacham a China atual como uma cópia mal feita do capitalismo estadunidense.

Não há dúvida: está longe de o populismo estar morto. Mas é justamente por isso que a esquerda necessita mais do que nunca do ensinamento de Antônio Gramsci.

Notas

(1) GRAMSCI. CF, 1982, p. 513-14.
(2) In: FURET, 1995, p. 129.
(3) TROTSKY, 1988, p. 854 e 838.
(4) In: FIGES, 2000, p. 926.
(5) BLOCH, 1971, p. 298.
(6) MARX, K.; ENGELS, F. MEW, 4, 1955-1989, p. 489 e 484.
(7) CF, p. 602-603.
(8) LUXEMBURGO, 1968, p. 134.
(9) LOSURDO, 1993, cap. I, § 9.
(10) CF, p. 408-409 e nota do organizador.
(11) In: LOSURDO, 1993, cap. V, § 4.
(12) CF, p. 602.
(13) GRAMSCI. ON, 1987, p. 57.
(14) ON, p. 56-58 e 60.
(15) WERTH, 2007, p. 26.
(16) BLOCH, 1971, p. 298.
(17) GRAMSCI. CPC, 1971, p. 129-30.
(18) BENJAMIN, 2007, p. 40-41.
(19) GRAMSCI. LC, 1996, p. 494.
(20) GRAMSCI. Q, 1975, p. 893 e 2763-2764.
(21) IDEM, p. 190 e 2547.
(22) IDEM, p. 2326.
(23) IDEM, p. 1657.
(24) LC, p. 779 e 786.
(25) IDEM, p. 794.
(26) VACCA, 2012, p. 320-21.
(27) LOSURDO, 2008, p. 17-20 e cap. 2, p. 88-92 e 76-81.
(28) Q, p. 1194.
(29) FURET, 1995, p. 133.
(30) Q, p. 891-892 e 2763.
(31) IDEM, p. 893.
(32) LC, p. 248.
(33) BENJAMIN, 2007, p. 34-35.
(34) LO, p. 27; 231.
(35) IDEM, p. 27; 231.
(36) IDEM, p. 31; 283-284.
(37) PASCAL, 1982, p. 34 e 33.
(38) WEIL, 1989-91, vol. 1, p. 106-107.
(39) Cf. LOSURDO, 2013, cap. VII, § 3.
(40) HEIDEGGER, 1975, vol. 40, p. 40-41 e vol. 53, p. 86.
(41) In: LOSURDO 2007, cap. III, § 2.
(42) Q, p. 72.
(43) ON, p. 622 e 607-608.
(44) IDEM, p. 624.
(45) Q, p. 2139.
(46) § 16.
(47) Q, p. 2181.
(48) IDEM, p. 2139.
(49) § 16; IDEM, p. 2180.
(50) § 1; IDEM, p. 2139-2140.
(51) IDEM, p. 635 e 2152-2153.
(52) ON, p. 609.
(53) Q, p. 2180.
(54) IDEM, p. 634.
(55) WEIL, vol. 2, 1989-1991, p. 32 e 104.
(56) Q, p. 1137-1138.
(57) WEIL, vol. 2, 1989-1991, p. 36.
(58) Q, p. 2181.
(59) IDEM, p. 2140.

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Sobre o autor

Domenico Losurdo é professor emérito de História da Filosofia na Universidade de Urbino, Itália. Presidente da Sociedade Internacional Hegel-Marx para o pensamento dialético. Tradução de Maria Lucília Ruy

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