5 de abril de 2016

O socialismo não é só um conceito ocidental?

O socialismo não é eurocêntrico por que a lógica do capital é universal - e a resistência a ela também.

Nivedita Majumdar


Ilustração por Phil Wrigglesworth / Jacobin

Tradução / O socialismo está no ar. Ele voltou para os Estados Unidos com a crise econômica de 2008, que tornou a natureza ativamente exploradora do capitalismo clara para uma nova geração, e que desencadeou lutas para desafiar a austeridade e a atordoante desigualdade de rendas. Ativistas em uma série de movimentos ajudaram a criar o ambiente em que um candidato presidencial poderia falar sobre socialismo em um palco nacional.

Mesmo que ele não seja a mais radical das figuras, Bernie Sanders, que abertamente se identifica como um socialista, está atraindo dezenas de milhares para sua campanha, superando as expectativas de todo mundo.

Não é surpresa, então, que a ideia de socialismo também esteja encarando um contra-ataque pesado – e não apenas da direita. Dentro da esquerda mesmo, existe a suspeita de um ideal que muitos veem como unicamente focado em questões econômicas e distante de outros sofrimentos cotidianos, especialmente aqueles das pessoas negras. A evocação específica da social-democracia escandinava por Sanders tem suscitado críticas que endorsam um tipo de “excepcionalismo nórdico” que é hostil com a diversidade. Tais ataques mesmo às versões mais dóceis de socialismo são nutridos, especialmente em campi universitários, por suposições teóricas que veem o marxismo e muitos de seus descendentes como irremediavelmente eurocêntricos.

A premissa subjacente nestas linhas de ataque relacionadas é que o socialismo, uma ideologia supostamente ocidental (e branca), mesmo que capaz de lidar com injustiças econômicas, permanece incapaz de conversar com as experiências de opressão e discriminação vividas no Sul Global, e em grupos oprimidos em outros lugares.

Existe alguma validade nessas críticas? O ideal socialista repousa sobre a crença de que os trabalhadores por todo o mundo sofrem nas mãos de capitalistas e que compartilham um interesse comum em resistir à exploração. Dizer que isso é uma ideia estritamente ocidental seria novidade para os mais de 1.100 trabalhadores têxteis em Dhaka, no Bangladesh, que foram mortos em abril de 2013 quando a construção da fábrica Rana Plaza em que eles estavam trabalhando colapsou sobre eles. O prédio havia sido declarado um risco de segurança, mas os empregadores forçaram que eles continuassem lá sob ameaça de demissão.

Dois anos depois do colapso da fábrica, o Human Rights Watch (“Observatório de Direitos Humanos”) conduziu um estudo detalhado das práticas industriais em Bangladesh. Eles encontraram por toda a área industrial severas retaliações contra o trabalho organizado, que é a garantia efetiva contra condições de trabalho arriscadas e salários terríveis. Para parar atividades sindicais, proprietários de fábricas rotineiramente levaram em frente perversas campanhas de intimidação e retaliação contra os trabalhadores, a maioria deles mulheres. A tentativa de trabalhadores de iniciar organização leva não apenas à perda de seus empregos, mas muitas vezes a serem colocados em uma lista negra de todo o setor.

No outro lado do globo, em abril de 2015, o Walmart fechou 5 de suas lojas, demitindo 2200 trabalhadores com apenas algumas horas de aviso. Enquanto que a razão afirmada para os fechamentos fosse “reparos de encanamento,” foi uma ação de retaliação contra trabalhadores tentando se organizar por um salário mínimo e melhores condições de trabalho. Walmart, onde os trabalhadores recentemente entraram em greve de fome em protesto aos salários de pobreza, é o maior empregador de negros, hispânicos e mulheres dos Estados Unidos.

É Eurocêntrico afirmar que os trabalhadores de vestuário bengaleses tem tanto em jogo na luta por seus direitos econômicos – por uma vida decente e segurança de emprego – quanto os trabalhadores demitidos das lojas estadunidenses do Walmart? Certamente os administradores e proprietários de fábricas bengaleses não pensam assim. Eles não estão menos preocupados e nem menos hostis à ideia de trabalhadores se organizando do que estão os administradores do Walmart.

Capitalistas por todo lado veem os trabalhadores como uma fonte de lucro. Em um sistema guiado apenas pela motivação do lucro, existe pouco incentivo para endereçar as necessidades dos trabalhadores além do que ditar o Mercado. E as leis do Mercado, não importa o que afirmem os economistas neoclássicos, não são justas ou imparciais. O poder econômico e político superior do Capital garante que as leis do Mercado estejam invariavelmente em seu favor.

Em ambos os contextos, porém, uma análise socialista aponta para outra realidade em jogo. Contra todas as possibilidades, trabalhadores invariavelmente contra-atacam. Mas é sempre uma batalha agonizante, com o Capital usando cada arma em seu arsenal para esmagar a resistência dos trabalhadores. Os métodos cruéis dos chefes incluem intimidação física quando eles podem sair impunes, como em Bangladesh, e jogadas mais polidas, como fechar lojas inteiras, como nos Estados Unidos. Para o Trabalho, o resultado das batalhas é sempre arriscado e imprevisível por que o Capital retalha contra a dissidência a cada passo. Mas o Capital não pode estar completamente à vontade, por que a exploração por todo lado faz nascer resistência.

O Socialismo não é Eurocêntrico por que a lógica do Capital é universal – e a resistência a ela também. Especificidades culturais podem dar forma a alguns detalhes da operação do Capital diferentemente nos Estados Unidos e em Bangladesh, na França e na Nicarágua, mas elas não alteram sua priorização fundamental do Lucro sobre as Pessoas. É por isso que, por mais de 100 anos, muitos dos mais poderosos e extensos movimentos sociais no Sul Global tem sido inspirados nos ideais socialistas.

Não importa as suas diferenças, líderes tão diversos como Mao Tsé-Tung na China, Kwame Nkrumah em Gana, Walter Rodney na Guyana, Chris Hani na África do Sul, Amílcar Cabral em Guiné-Bissau, M. N. Roy na Índia e Che Guevara pela América Latina viram o Socialismo como uma teoria e prática não menos relevante em sua experiência do que foi para os sindicalistas Europeus. E sim, estes revolucionários também encararam oponentes que repudiaram suas causas como uma teoria Ocidental, inapropriada para as realidades Orientais: os líderes da Direita religiosa, as classes de proprietários de terra, e outras elites econômicas.

O crime do Capitalismo é que ele força a vasta maioria da população a permanecer preocupada com questões básicas de nutrição, moradia, saúde e aquisição de habilidades. Ele deixa pouco tempo para incentivar a comunidade e a criatividade que os humanos almejam.

Na manhã fatídica do colapso de Rana Plaza, trabalhadores estavam relutantes de entrar no prédio. Grandes rachaduras haviam aparecido nas paredes da fábrica e inspetores tinham declarado o prédio uma ameaça. Mas a administração forçou os trabalhadores a começar a trabalhar. Uma mãe devastada depois lembrou que sua filha de 18 anos, que morreu no colapso, havia sido ameaçada com a perda do pagamento do mês inteiro se escolhesse não trabalhar aquele dia. Essa é uma forma específica de desumanização, nascida da privação e da impotência e familiar para trabalhadores em todas as partes do mundo, que são forçados a escolher entre seu sustento e sua segurança. O Socialismo identifica a fonte de tal desumanização - a propriedade privada dos meios de produção e a exploração – e as rejeita.

O Capitalismo não apenas oprime os trabalhadores no chão de fábrica. Ele cria toda uma cultura em que a lógica da opressão e competição se tornam senso-comum. Ele coloca as pessoas contra as outras e contra sua própria humanidade. Como o personagem de Franz Kafka em A Metamorfose, Gregor Samsa, as pessoas são alienadas de sua própria natureza humana, isolados dos outros seres humanos, e torturados pela perda de tudo o que poderia ser possível.

Não há nada Eurocêntrico em rejeitar a lógica destrutiva do capital e lutar por um mundo melhor para substituí-lo. É a escolha genuinamente universal e humana.

Colaborador

Nivedita Majumdar é professora associada de inglês no John Jay College. Ela é secretária do Congresso de Pessoal Profissional, do corpo docente e do sindicato de funcionários da CUNY.

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