16 de fevereiro de 2004

O "novo" imperialismo: Acumulação por espoliação

David Harvey

Socialist Register


Tradução / A longa sobrevivência do capitalismo, apesar de suas múltiplas crises e reorganizações e dos presságios sobre sua iminente derrota provenientes tanto da esquerda como da direita, é um mistério que exige esclarecimento. Henry Lefebvre pensava que havia encontrado a chave do mesmo, em sua famosa idéia de que o capitalismo sobrevive através da produção do espaço, mas não explicou exatamente como isso ocorria[1]. Tanto Lênin como Rosa Luxemburgo, por razões muito distintas, e utilizando também argumentos diferentes, consideravam que o imperialismo –uma forma determinada de produção do espaço– era a resposta para o enigma, ainda que ambos postulassem que esta solução estava limitada por suas próprias contradições.

Nos anos 70, tratei de abordar o problema mediante a análise dos “ajustes espaço-temporais” e de seu papel nas contradições internas da acumulação de capital[2]. Este argumento só tem sentido com relação à tendência do capitalismo de produzir crises de sobreacumulação, a qual pode se entender teoricamente mediante a noção de queda na taxa de lucro de Marx[3]. Estas crises se expressam como excedentes de capital e de força de trabalho que coexistem sem que pareça haver maneira em que possam se combinar de forma rentável com o intuito de realizar tarefas socialmente úteis. Se não se produzem desvalorizações sistêmicas (e inclusive a destruição) de capital e de força de trabalho, é necessário que se encontrem maneiras de absorver estes excedentes. A expansão geográfica e a reorganização espacial são opções possíveis. Mas estas tampouco podem se divorciar dos ajustes temporais, já que a expansão geográfica implica freqüentemente investimentos de longo prazo em infra-estruturas físicas e sociais (por exemplo, em redes de transporte e comunicações, educação e pesquisa), cujo valor leva muitos anos para se realizar através da atividade produtiva à qual contribuem.

Desde os anos 70, o capitalismo global experimentou um problema crônico e duradouro de sobreacumulação. Considero que os dados empíricos coletados por Robert Brenner para documentar este tema são, em geral, convincentes[4]. De minha parte, interpreto a volatilidade do capitalismo internacional durante estes anos em termos de uma série de ajustes espaço-temporais que fracassaram, inclusive no médio prazo, em enfrentar os problemas de sobreacumulação. Como coloca Peter Gowan, foi através da orquestração da volatilidade que os Estados Unidos (EUA) buscaram preservar sua posição hegemônica no capitalismo global[5]. Por conseguinte, a recente virada para um imperialismo aberto respaldado pela força militar norte-americana pode ser entendida como um sinal do debilitamento de sua hegemonia frente às sérias ameaças de recessão e desvalorização infligidos previamente em outros lugares (América Latina nos anos 80 e início dos anos 90, e as crises ainda mais sérias que consumiram o Leste e Sudeste Asiático em 1997 e que logo abateram a Rússia e parte da América Latina). Mas também quero colocar que a incapacidade de acumular através da reprodução ampliada sobre uma base sustentável foi acompanhada por crescentes tentativas de acumular mediante a espoliação[6]. Esta, segundo minha conclusão, é a marca do que alguns chamam “o novo imperialismo”[7].

O ajuste espaço-temporal e suas contradições

A idéia básica do ajuste espaço-temporal é bastante simples. A sobreacumulação em um determinado sistema territorial supõe um excedente de trabalho (crescente desemprego) e excedente de capital (expresso como uma superabundância de mercadorias no mercado que não pode se vender sem perdas, como capacidade produtiva inutilizada, e/ou excedentes de capital, dinheiro que carece de oportunidades de investimento produtivo e rentável). Estes excedentes podem ser absorvidos por: (a) o deslocamento temporal através dos investimentos de capital em projetos de longo prazo ou gastos sociais (tais como educação e pesquisa), os quais jogam para o futuro a entrada em circulação dos excedentes de capital atual; (b) deslocamentos espaciais através da abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas e novas possibilidades de recursos e trabalho em outros lugares; ou (c) alguma combinação de (a) e (b).

A combinação de (a) e (b) é particularmente importante quando analisamos o capital fixo independente imobilizado no ambiente construído. Este oferece as infra-estruturas físicas necessárias para que a produção e o consumo se realizem no espaço e no tempo (dos parques industriais, portos e aeroportos, sistemas de transporte e comunicações, até o fornecimento de água e esgotos, habitação, hospitais e escolas). Claramente, este não é um setor menor da economia, e é capaz de absorver enormes quantidades de capital e trabalho, particularmente em condições de rápida expansão e intensificação geográfica.

A realocação dos excedentes de capital e trabalho nestes investimentos exige a mediação das instituições financeiras e/ou estatais capazes de gerar crédito. Cria-se uma quantidade de “capital fictício” que pode transcender o consumo atual para ser atribuído a projetos futuros, como construção ou educação, que revigoram a economia (talvez incluindo o aumento da demanda do excedente de mercadorias como camisas e sapatos por parte dos professores e trabalhadores da construção)[8]. Se os gastos no ambiente construído ou as melhoras sociais provam ser produtivos (isto é, facilitam no futuro formas mais eficientes de acumulação de capital) os valores fictícios se amortizam (seja diretamente através da dívida ou indiretamente sob a forma de maiores receitas de impostos que permitam pagar a dívida pública). Se não, a sobreacumulação de valor no ambiente construído ou na educação pode se manifestar nas desvalorizações destes ativos (habitações, escritórios, parques industriais, aeroportos, etc.) ou em dificuldades para o pagamento da dívida estatal originada na infra-estrutura física ou social (crise fiscal do estado).

O papel deste tipo de investimento na estabilização e desestabilização do capitalismo foi significativo. Refiro-me, por exemplo, ao fato da origem da crise de 1973 ter sido o colapso mundial dos mercados imobiliários (começando com o Herstatt Bank na Alemanha que arrastou o Franklin National nos EUA), seguido quase imediatamente pela virtual bancarrota da cidade de Nova Iorque em 1975 (um caso clássico de gastos sociais que superam os impostos); ao fato da década de estancamento no Japão iniciada no início dos anos 90 ter começado com o colapso da bolha especulativa sobre terras, propriedades e outros ativos, que pôs em risco o conjunto do sistema bancário; ao fato do início do colapso asiático de 1997 ter sido a explosão da bolha de propriedade na Tailândia e na Indonésia; e ao fato do impulso mais importante para as economias estadunidense e britânica, após o início da recessão generalizada em todos os outros setores, a partir de meados de 2001, ter sido o vigor especulativo O ¨novo¨ imperialismo sustentado pelos mercados imobiliários. Desde 1998, os chineses mantiveram o crescimento de sua economia e trataram de absorver o excedente de trabalho (e controlar a ameaça de descontentamento social) mediante investimentos em mega-projetos que apequenaram a já enorme Represa das Três Gargantas (13.600 quilômetros de novas estradas de ferro, autoestradas e projetos urbanísticos, massivos trabalhos de engenharia para desviar a água do rio Yang-Tsé para o Amarelo, novos aeroportos, etc.) financiados com o endividamento. É muito surpreendente que a maioria das análises da acumulação do capital (incluída a de Brenner) ignorem completamente estes temas, ou os tratem como epifenômenos.

O termo “fix” tem um duplo sentido. Por um lado, uma certa porção do capital total fica literalmente fixada em alguma forma física por um tempo relativamente grande (dependendo de sua duração física e econômica). Os gastos sociais também se territorializam e se mantêm geograficamente imóveis através do compromisso estatal (no entanto, não vou considerar explicitamente a infra-estrutura social já que o tema é complexo e exigiria muito espaço). Parte do capital fixo é geograficamente móvel (como a maquinaria que pode ser deslocada facilmente de suas localizações originais e levadas a outros lugares), mas o resto está fixo de modo tal que não pode ser movido sem ser destruído. Os aviões são móveis, mas os aeroportos para onde estes voam não.

O “ajuste” espaço-temporal, por outro lado, é uma metáfora das soluções para as crises capitalistas através da suspensão temporal e da expansão geográfica. A produção do espaço, a organização de novas divisões territoriais de trabalho, a abertura de novos e mais baratos complexos de recursos, de novos espaços dinâmicos de acumulação de capital e de penetração de relações sociais e arranjos institucionais capitalistas (regras contratuais e esquemas de propriedade privada) em formações sociais preexistentes fornecem diversos modos de absorver os excedentes de capital e trabalho existentes. No entanto, estas expansões, reorganizações e reconstruções geográficas freqüentemente ameaçam os valores fixados em um local em que ainda não foram realizados. Vastas quantidades de capital fixo em um determinado local atuam como uma carga para a busca de um ajuste espacial em outro lugar. Os valores dos ativos fixos que constituem a cidade de Nova Iorque não eram, nem são, triviais, e a ameaça de desvalorização em massa ocorrida em 1975 (e novamente em 2003) era (e é) vista por muitos como um grande perigo para o futuro do capitalismo. Se o capital se move daí, deixa para trás um rastro de devastação (a experiência de “desindustrialização” dos anos 70 e 80 nos centros econômicos do capitalismo como Pittsburgh e Sheffield, assim como em muitas outras partes do mundo, como Bombaim, ilustra esta questão). Por outro lado, se o capital sobreacumulado não pode ou não quer se mover, permanece para ser diretamente desvalorizado. Usualmente ofereço o seguinte argumento resumido deste processo: o capital, em seu processo de expansão geográfica e deslocamento temporal que resolve as crises de sobreacumulação às quais está inclinado, cria necessariamente uma paisagem física à sua própria imagem e semelhança em um momento, para depois destruí-lo. Esta é a história da destruição criativa (com todas as suas conseqüências sociais e ambientais negativas) inscrita na evolução da paisagem física e social do capitalismo.

Geralmente surge outra série de contradições dentro da dinâmica das transformações. Se existem excedentes de capital e de força de trabalho dentro de um território determinado (como, por exemplo, um estado-nação) que não podem ser absorvidos internamente (seja mediante ajustes geográficos ou gastos sociais), devem ser enviados a outro lugar a fim de encontrar um novo terreno para sua realização rentável para não serem desvalorizados. Isto pode acontecer de várias maneiras. Podem se encontrar outros mercados para o excedente de mercadorias. Mas os espaços aos quais se enviam os excedentes devem possuir reservas de ouro ou dinheiro (por exemplo, dólares) ou bens intercambiáveis com meios de pagamento. Os excedentes de mercadorias saem em troca da entrada de dinheiro ou mercadorias. O problema da sobreacumulação se alivia somente no curto prazo, já que se trata meramente de uma troca do excedente de mercadorias por dinheiro ou por outra forma-mercadoria, ainda que o caso de que a troca se realize em matérias-primas ou outros insumos mais baratos é possível aliviar temporariamente a pressão sobre a queda da taxa de lucro no lugar. Se o território não possui reservas ou mercadorias para intercambiar, deve localizá-las (como foi o caso em que a Grã-Bretanha forçou a Índia a fazer, abrindo o comércio de ópio com a China no século XIX e extraindo o ouro chinês através do comércio hindu) ou deve receber crédito ou assistência. Neste último caso, um território recebe o empréstimo ou a doação de dinheiro com o qual comprar o excedente de mercadorias geradas no território em questão. Os britânicos o fizeram com a Argentina no século XIX, e durante a década de 90 os excedentes comerciais japoneses foram amplamente absorvidos mediante empréstimos para os EUA destinados a apoiar o consumismo que comprava os bens japoneses. Claramente, as transações mercantis e de crédito deste tipo podem aliviar os problemas de sobreacumulação, ao menos no curto prazo. Elas funcionam muito bem em condições de desenvolvimento geográfico desigual nas que os excedentes disponíveis em um território se compensam pela falta de oferta em outro lugar. Mas simultaneamente, o recurso ao sistema de crédito torna os territórios vulneráveis aos fluxos de capital especulativo e fictício, que podem tanto estimular como minar o desenvolvimento capitalista e inclusive, como aconteceu recentemente, podem ser usados para impor desvalorizações selvagens em territórios vulneráveis.

A exportação de capital, particularmente quando esta é acompanhada pela da força de trabalho, opera de maneira bastante diferente e freqüentemente tem efeitos de mais longo prazo. Neste caso, os excessos de capital (no geral capital-dinheiro) e trabalho são enviados a outros lugares para pôr em movimento a acumulação de capital no novo espaço. Os excedentes gerados na Grã-Bretanha no século XIX encontraram seu lugar nos EUA e nas colônias da África do Sul, Austrália e Canadá, criando novos centros dinâmicos de acumulação nestes territórios, o qual gerou uma demanda de bens britânicos. Dado que podem passar muitos anos para que o capitalismo amadureça nestes territórios (se é que isso aconteça alguma vez) e se comece a produzir sobreacumulação de capital, o país de origem pode esperar ser beneficiado por um período considerável como resultado deste processo. Este é o caso particular dos bens que se demandam em outros lugares como infra-estruturas físicas fixas (como por exemplo, estradas de ferro e represas) exigidas como base para a futura acumulação de capital. Mas a taxa de retorno destes investimentos de longo prazo no ambiente construído depende da evolução de uma dinâmica sustentada de acumulação no país receptor. A Grã-Bretanha guiou a Argentina neste caminho durante a última parte do século XIX. Os EUA, através do Plano Marshall para a Europa (na Alemanha em particular) e Japão viram claramente que sua própria segurança econômica (deixando de lado o aspecto militar associado à guerra fria) residia na revitalização da atividade capitalista nestes lugares.

As contradições surgem porque os novos espaços dinâmicos de acumulação de capital terminam por gerar excedentes que devem ser absorvidos através da expansão geográfica. A partir do final dos anos 60, o Japão e a Alemanha transformaram-se em competidores dos EUA, de modo similar com que a América do Norte havia superado o capital britânico (e contribuído para derrubar seu império) durante o século XX. É interessante observar o momento em que o desenvolvimento interno forte transborda na busca de ajuste espaço-temporal. O Japão fez durante os anos 60, primeiro através do comércio, depois através da exportação de capital como investimento direto na Europa e nos EUA, e mais recentemente através de investimentos em massa (diretos e de carteira) no Leste e Sudeste asiático, e finalmente através dos empréstimos ao exterior (particularmente aos EUA). A Coréia do Sul se voltou repentinamente para o exterior nos anos 80, seguida quase imediatamente por Taiwan nos anos 90. Ambos os países exportam não apenas capital financeiro, mas também algumas das mais desapiedadas práticas de administração do trabalho que se pode imaginar, como subcontratistas do capital multinacional ao redor do mundo (na América Central, África, e o resto do Sul e Leste da Ásia). Inclusive os países que tiveram sucesso em sua recente adesão ao desenvolvimento capitalista tiveram a urgente necessidade de encontrar um ajuste espaço-temporal para seu capital sobreacumulado. A rapidez com que certos territórios, como Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e agora também China, passaram de receptores líquidos a exportadores líquidos, foi bastante assombrosa se a comparamos com o ritmo mais lento em períodos anteriores. Assim, estes territórios bem-sucedidos devem se adaptar rapidamente à pressão interna de seus próprios ajustes espaço-temporais. A China, que absorve excedentes sob a forma de investimento estrangeiro direto do Japão, Coréia e Taiwan, está substituindo rapidamente estes países em muitas linhas de produção e exportações (particularmente as de baixo valor agregado e intensivas em trabalho, ainda que rapidamente esteja avançando na produção de mercadorias de maior valor agregado). O excesso generalizado de capacidade identificado por Brenner pode se desagregar em uma série expansiva de ajustes espaço-temporais, no Sul e Leste da Ásia em primeiro lugar, adicionalmente na América Latina –Brasil, México e Chile em particular–, acompanhados agora pela Europa oriental. E em uma sugestiva reversão, explicável em boa medida pelo papel do dólar como moeda de reserva global que confere o poder de senhoriagem, os EUA, com o enorme crescimento de sua dívida, absorveram os capitais excedentes do Leste e Sudeste asiático principalmente e também de outros lugares[9].

O resultado adicional, no entanto, é a competição internacional, que se intensifica crescentemente à medida que surgem múltiplos centros dinâmicos de acumulação de capital que competem no cenário mundial, num contexto de fortes correntes de sobreacumulação. Como nem todos podem ter sucesso no longo prazo, ou os mais fracos sucumbem e caem em sérias crises de desvalorização, ou estouram confrontações geopolíticas expressas através de guerras comerciais, monetárias ou inclusive militares (do tipo que produziu duas guerras mundiais entre as potências capitalistas no século XX). Neste caso, o que se exporta é a desvalorização e a destruição (por exemplo, aquela que as instituições financeiras estadunidenses induziram no Leste e Sudeste asiático em 1997-1998), e os ajustes espaço-temporais assumem formas muito mais sinistras. Para entender como isto ocorre, é necessário destacar alguns outros aspectos desse processo.

Contradições internas

Na Filosofia do Direito, Hegel apresenta como a dialética interna da sociedade burguesa, mediante a produção de sobreacumulação de riqueza em um extremo e uma multidão de indigentes no outro, leva a buscar soluções através do comércio e das práticas coloniais e imperiais. Rechaça, por outra parte, a idéia de que seja possível resolver os problemas de desigualdade social e instabilidade através de mecanismos internos de redistribuição[10]. Lênin cita Cecil Rhodes para dizer que o colonialismo e o imperialismo são as únicas formas possíveis de evitar a guerra civil[11]. As relações e a luta de classe dentro de uma formação social territorialmente circunscrita impulsionam a busca de ajustes espaço-temporais em outros lugares.

Neste sentido, é interessante a evidência do final do século XIX. Joseph Chamberlain (apelidado “Joe, o radical”) se identificava estritamente com os interesses manufatureiros de Birmingham, e no início se opunha ao imperialismo (durante as guerras afegãs da década de 1850). Dedicou-se à reforma educativa e à melhora das infra-estruturas físicas e sociais para a produção e o consumo em sua cidade natal. Pensava que isto oferecia uma saída para a produção dos excedentes que no largo prazo seria rentável. Figura importante dentro do movimento liberal conservador, foi um observador direto da crescente onda de luta de classes na Grã-Bretanha. Em 1885, pronunciou um discurso no qual convocava as classes proprietárias para reconhecerem suas responsabilidades sociais (melhorarem as condições de vida dos menos favorecidos e investirem em infra-estruturas sociais e físicas em nome do interesse nacional) além da estrita promoção de seus direitos individuais como proprietários. O escândalo que originou entre as classes o forçou a retratar-se, e desde esse momento converteu-se no defensor mais ardente do imperialismo (no final, como o Secretário Colonial que levou a Grã-Bretanha ao desastre da guerra dos Boers). Mas esta trajetória era bastante comum para a época. Jules Ferry na França, outro defensor ardente da reforma interna, particularmente da reforma educativa durante a década de 1860, assumiu a defesa do colonialismo após a Comuna de 1871 (levando a França ao atoleiro do Sudeste asiático que culminou na derrota de Dien Bien-Phu em 1954); Francesco Crispi tratou de resolver o problema da terra no sul da Itália através da colonização da África; e até Theodore Roosevelt nos EUA priorizou as políticas imperiais sobre as reformas internas, depois que Frederick Jackson Turner declarou, erroneamente, ao menos no que diz respeito às oportunidades de investimento, que a fronteira estadunidense estava fechada[12].

Em todos estes casos, a virada para uma forma liberal de imperialismo (associada a uma ideologia de progresso e a uma missão civilizatória) não resultou de imperativos econômicos absolutos, mas da falta de vontade política da burguesia de abrir mão de qualquer um de seus privilégios de classe, bloqueando assim a possibilidade de absorver a sobreacumulação mediante a reforma social interna. Atualmente, a forte oposição por parte dos proprietários do capital a qualquer política de redistribuição ou de melhora social interna nos EUA não deixa outra opção que olhar para o exterior para resolver seus problemas entre 1884 e 1945, e isto imprimiu seu tom particular às formas que adotou nesse momento o imperialismo europeu. Muitas figuras liberais e inclusive radicais se tornaram imperialistas orgulhosos durante estes anos, e boa parte do movimento operário se persuadiu de que devia apoiar o projeto imperial como um elemento essencial para seu bem-estar. Isto exigiu, no entanto, que os interesses burgueses comandassem amplamente as políticas estatais, os aparatos ideológicos e o poder militar. Em minha opinião, Hannah Arendt interpreta este imperialismo eurocêntrico corretamente como a “primeira etapa do domínio político da burguesia e não a última fase do capitalismo”, como havia sido descrita por Lênin[13]. Considerarei esta idéia com mais detalhe na conclusão.

Mediações institucionais para a projeção do poder no espaço

Num artigo recente, Jeffrey Henderson assinala que a diferença entre Taiwan e Singapura (ambos os países escaparam da crise de 1997-98 relativamente ilesos exceto pela desvalorização da moeda) e Tailândia e Indonésia (que sofreram um colapso econômico e político quase total) explica-se pelas diferenças no estado e nas políticas financeiras[14]. Os primeiros se mantiveram isolados de fluxos especulativos em seus mercados imobiliários e financeiros através de fortes controles estatais, enquanto que os últimos não o fizeram. As diferenças deste tipo sem dúvida importam. A forma que as instituições mediadoras assumem é a de produtoras, ao mesmo tempo que de produto, da dinâmica de acumulação do capital.

Claramente, tanto o padrão de turbulência nas relações entre poder estatal, supra-estatal e financeiro como a dinâmica mais geral da acumulação de capital (através da produção e desvalorizações seletivas) foram um dos mais claros e complexos elementos na narrativa do desenvolvimento geográfico desigual e da política imperialista do período iniciado em 1973[15]. Penso que Gowan tem razão quando vê a reestruturação radical do capitalismo internacional como uma série de apostas por parte dos EUA para tentar manter sua posição hegemônica na cena econômica internacional frente a Europa, Japão, e mais tarde frente ao Leste e Sudeste da Ásia[16]. Isto começou durante a crise de 1973, com a dupla estratégia de Nixon baseada nos altos preços do petróleo e desregulamentação financeira. Nesse momento, os bancos estadunidenses receberam o direito exclusivo de reciclar as grandes quantidades de petrodólares que estavam se acumulando na região do Golfo. Esta atividade financeira, que voltou a se centralizar nos EUA, junto com a desregulamentação do setor financeiro dentro deste país, ajudou a resgatar Nova Iorque de suas crise econômica local. Criou-se um poderoso regime financeiro baseado em Wall Street e na Reserva Federal[17] com poder de controle sobre as instituições financeiras globais (tais como o FMI) capaz de fazer e desfazer muitas economias mais débeis através da manipulação do crédito e das práticas de administração da dívida. Segundo o argumento de Gowan, este regime monetário e financeiro foi usado por sucessivas administrações norte-americanas “como um formidável instrumento de governança e controle econômico para impulsionar o processo de globalização e as transformações nacionais neoliberais associadas ao mesmo”. O regime se desenvolveu através das crises. “O FMI cobre o risco e assegura que os bancos estadunidenses não percam (os países pagam mediante ajustes estruturais, etc.) e a fuga de capitais provenientes de crises localizadas no resto do mundo termina reforçando o poder de Wall Street”[18]. Como efeito disto, o poder econômico norte-americano se projetou para o exterior (em aliança com outros, sempre que fosse possível) e foram impostas outras práticas neoliberais (culminando com a OMC) sobre boa parte do mundo.

Há duas questões a destacar neste sistema. Primeiro, o livre comércio de mercadorias costuma ser descrito como a abertura do mundo a uma competição livre e aberta. Mas este argumento é desmentido, tal como Lênin havia assinalado muito tempo atrás, pelo poder monopolista ou oligopolista (seja na produção ou no consumo). Por exemplo, os EUA utilizaram repetidamente o fechamento do acesso a seu enorme mercado como arma para forçar outras nações a cumprir seus desejos. O caso mais recente (e tosco) desta linha de argumentação foi oferecido por Robert Zoellick, o atual Secretário de Comércio, ao considerar que se Lula, o presidente eleito do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não se alinhar com os planos do livre mercado para a América, então seu país se veria forçado a exportar para a Antártida[19]. Taiwan e Cingapura foram forçados a aderir à OMC e, conseqüentemente, a abrir seus mercados financeiros ao capital especulativo frente às ameaças norte-americanas de negar-lhes acesso a seu mercado. Diante da insistência da Reserva Federal, a Coréia do Sul foi obrigada a atuar no mesmo sentido como condição para obter a assistência do FMI em 1998. Os EUA planejam agora agregar uma cláusula de compatibilidade financeira institucional para conceder doações com contrapartida para países pobres. Em matéria produtiva, os oligopólios localizados majoritariamente nas regiões capitalistas centrais controlam efetivamente a produção de sementes, fertilizantes, produtos eletrônicos, programas de computação, produtos farmacêuticos e produtos do petróleo, entre muitos outros. Nestas condições, a maior abertura mercantil não amplia a competição, mas apenas cria oportunidades para a proliferação dos poderes monopolistas com todas as suas conseqüências sociais, ecológicas, econômicas e políticas. O fato de que quase dois terços do comércio exterior atual concentrar-se em transações dentro de e entre as maiores corporações transnacionais é um indicador desta situação. Existe consenso entre os analistas sobre que no sul e no leste da Ásia algo aparentemente tão benigno como a Revolução Verde foi acompanhada do incremento do produto agrícola com uma considerável concentração de riqueza no setor agrário e com maiores níveis de dependência com relação a insumos monopolizados. A penetração das empresas de tabaco estadunidenses no mercado chinês compensa as perdas que estas têm em seu próprio mercado e seguramente gerará uma crise de saúde pública na China nas próximas décadas. Neste sentido, que o neoliberalismo implica uma competição aberta antes que um controle monopolista ou competição limitada dentro de estruturas oligopolistas é uma idéia fraudulenta que, como de costume, o fetichismo da liberdade de mercado mascara. O livre comércio não significa comércio justo.

Como o reconhecem alguns de seus defensores, há também uma grande diferença entre o livre comércio de mercadorias e a liberdade de movimento para o capital financeiro20. Isto coloca imediatamente o problema de que tipo de liberdade de mercado é aquela da qual se está falando. Alguns, como J. Bhagwati, defendem ardentemente o livre comércio de mercadorias, mas resistem em aceitar que este necessariamente deva se aplicar a fluxos financeiros. A dificuldade aqui é a seguinte. Por um lado, os fluxos de crédito são vitais para os investimentos produtivos e para as redistribuições de capital de uma linha ou local de produção para outros. Também desempenham um papel importante em facilitar o equilíbrio das necessidades de consumo –de habitação, por exemplo– com as atividades produtivas nos mercados mundiais espacialmente desagregados pela existência de excedentes em alguns lugares e déficit em outros. A esse respeito, o sistema financeiro, com ou sem participação estatal, é crí- tico para coordenar a dinâmica da acumulação de capital através do desenvolvimento geográfico desigual. Mas o capital financeiro abarca também uma grande quantidade de atividade improdutiva na qual o dinheiro é usado simplesmente para obter mais dinheiro mediante a especulação em mercados futuros, valores monetários, dívida e demais coisas. Quando se dispõe de grandes quantidades de capital para estes fins, os mercados abertos de capital se tornam veículos para a atividade especulativa, parte da qual se transforma em profecias auto-realizadas, como temos visto durante os anos 90 nos casos das “ponto.com” e das bolhas da bolsa de valores, ou dos fundos especulativos de cobertura (hedge funds), que contavam com bilhões de dólares à sua disposição, e forçaram a bancarrota da Indonésia e da Coréia do Sul sem que importasse a consistência de sua economia real. Boa parte do que passa em Wall Street não tem nada a ver com facilitar os investimentos em atividades produtivas. É puramente especulativo (daí as descrições de capitalismo de “cassino”, “depredador” e até “abutre” –é o caso do desastre da Long Term Capital Management que necessitou de uma ajuda de US$ 2,3 bilhões, o que nos lembra que a especulação pode falhar facilmente). Esta atividade tem um forte impacto sobre a dinâmica geral da acumulação de capital. Sobretudo, facilitou que o poder político e econômico voltasse a centralizar-se primariamente nos EUA e nos mercados financeiros de outros países centrais (Tóquio, Londres, Frankfurt).

O modo com que isto ocorre depende da forma dominante das alianças de classe dos países centrais, das relações de força entre elas na negociação dos acordos internacionais (a nova arquitetura financeira internacional implementada após 1997-98 para substituir o denominado Consenso de Washington–CW de meados dos anos 90) e as estratégias político-econômicas postas em marcha pelos agentes dominantes com relação ao capital excedente. O surgimento de um complexo “Wall Street-Reserva Federal-FMI” dentro dos EUA, capaz de controlar as instituições globais e de projetar um vasto poder financeiro ao redor do mundo mediante uma rede de outras instituições financeiras e governamentais, desempenhou um papel determinante e problemático na dinâmica do capitalismo global nos últimos anos. Mas este centro de poder somente pode operar do modo em que o faz, porque o resto do mundo está interconectado e efetivamente aprisionado a um marco estruturado de instituições financeiras e governamentais (incluindo as supranacionais). É daqui que vem a importância da colaboração entre, por exemplo, bancos centrais das nações do G7 e dos diversos acordos internacionais (temporários no caso das estratégias monetárias e mais permanentes no caso da OMC) desenhados para enfrentar dificuldades específicas21. E se o poder do mercado não é suficiente para alcançar determinados objetivos e para enquadrar os elementos recalcitrantes ou “estados canalhas” (rogue states), está disponível o inigualável poder militar estadunidense (aberto ou encoberto).

Este complexo de acordos institucionais deve, no melhor dos mundos capitalistas possível, colocar-se em marcha para sustentar e apoiar a reprodução ampliada (crescimento). Mas, de modo similar ao que acontece com a guerra em relação à diplomacia, a intervenção do capital financeiro respaldada pelo poder estatal freqüentemente pode se tornar acumulação por outros meios. Uma aliança non sancta entre os poderes estatais e os aspectos predatórios do capital financeiro forma a ponta de lança de um “capitalismo de rapina” dedicado à apropriação e desvalorização de ativos, mais que à sua construção através de investimentos produtivos. Mas, como devemos interpretar estes “outros meios” de acumulação ou desvalorização?

Acumulação por espoliação

Na Acumulação do capital, Luxemburgo presta atenção ao caráter dual da acumulação de capital:

De um lado tem lugar nos locais de produção da maisvalia –na fábrica, na mina, no fundo agrícola e no mercado de mercadorias. Considerada assim, a acumulação é um processo puramente econômico, cuja fase mais importante se realiza entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados... Paz, propriedade e igualdade reinam aqui como formas, e era mister a dialética afiada de uma análise científica para descobrir como na acumulação o direito de propriedade converte-se em apropriação da propriedade alheia, a troca de mercadorias em exploração, a igualdade em domínio de classes. O outro aspecto da acumulação se realiza entre o capital e as formas de produção não capitalistas. Este processo se desenvolve no cenário mundial. Aqui reinam como métodos a política colonial, o sistema de empréstimos internacionais, a política de interesses privados, a guerra. Aparecem aqui, sem dissimulação, a violência, o engano, a opressão e a rapina. Por isso, dá trabalho descobrir as leis severas do processo econômico nesta confusão de atos políticos de violência, e nesta disputa de forças. 

Estes dois aspectos da acumulação, segundo seu argumento, estão “organicamente vinculados” e “a evolução histórica do capitalismo somente pode ser compreendida se os estudamos conjuntamente” 22.

A teoria geral da acumulação do capital de Marx se baseia em certos supostos iniciais cruciais que, em termos gerais, coincidem com os da economia política clássica e que excluem os processos de acumulação primitiva. Estes supostos são: mercados competitivos que funcionam livremente com acordos institucionais que garantem a propriedade privada, o individualismo jurídico, a liberdade de contratar, e estruturas legais e governamentais apropriadas garantidas por um estado “facilitador”, o qual também assegura a integridade do dinheiro como reserva de valor como meio de circulação. O papel do capitalista como produtor e intercambiador está estabelecido, e a força de trabalho foi convertida em uma mercadoria que geralmente se troca por seu valor. A acumulação “primitiva” ou “originária” já ocorreu, e a acumulação se desenvolve como reprodução ampliada (através da exploração do trabalho vivo na produção) dentro de uma economia fechada que opera em condições de “paz, propriedade e igualdade”. Estes supostos nos permitem ver o que aconteceria se o projeto liberal da economia política clássica ou, em nosso tempo, o projeto neoliberal dos economias neoclássicos, se realizasse. O brilho do método dialético de Marx está em mostrar que a liberalização mercantil –o credo dos liberais e neoliberais– não produzirá um estado de harmonia no qual todos estarão melhor, mas que produzirá maiores níveis de desigualdade social, como de fato aconteceu durante os últimos trinta anos de neoliberalismo, particularmente em países como a Grã-Bretanha e os EUA, que se ativeram mais estreitamente a esta linha política. Marx prediz que também produzirá crescente instabilidade, a qual culminará em crises crônicas de sobreacumulação do tipo da que agora estamos presenciando.

A desvantagem destes supostos é que relegam a acumulação baseada na depredação, na fraude e na violência a uma “etapa originária” que deixa de ser considerada relevante, ou, como no caso de Luxemburgo, é vista como algo “exterior” ao sistema capitalista. Uma revisão geral do papel permanente e da persistência de práticas depredatórias de acumulação “primitiva” ou “originária” ao longo da geografia histórica da acumula- ção de capital é muito pertinente, tal como o assinalaram recentemente muitos analistas23. Dado que denominar “primitivo” ou “originário” umprocesso em curso parece equivocado, daqui em diante vou substituir estes termos pelo conceito de “acumulação por espoliação”.

Uma observação mais atenta da descrição que Marx faz da acumulação primitiva revela uma ampla categoria de processos. Estas incluem a mercantilização e privatização da terra e a expulsão forçada das populações camponesas; a conversão de diversas formas de direitos de propriedade –comum, coletiva, estatal, etc.– em direitos de propriedade exclusivos; a supressão do direito aos bens comuns; a transformação da força de trabalho em mercadoria e a supressão de formas de produção e consumo alternativos, incluindo os recursos naturais; a monetarização das trocas e a arrecadação de impostos, particularmente da terra; o tráfico de escravos; e a usura, a dívida pública e, finalmente, o sistema de crédito. O estado, com seu monopólio da violência e suas definições de legalidade, desempenha um papel crucial ao respaldar e promover estes processos. Existem consideráveis evidências, como sugere Marx e confirma Braudel, de que a transição ao desenvolvimento capitalista foi amplamente submetida ao apoio do estado –apoio decisivo no caso da Grã-Bretanha, débil no da França e fortemente negativo até muito pouco tempo na China24. A referência ao caráter recente da virada para a acumulação primitiva na China indica que se trata de um processo em curso; e existem fortes evidências de que o estado e a política desempenharam um papel crítico na defi- nição da intensidade e dos padrões das novas formas de acumulação de capital, particularmente no Leste e Sudeste da Ásia (por exemplo, no caso de Singapura). O papel do “estado desenvolvimentista” nas fases recentes de acumulação de capital foi objeto de intensa análise25. Só falta voltar os olhos para a Alemanha de Bismarck ou ao Japão de Meiji para reconhecer que foi este o caso desde muito tempo.

Todos os traços mencionados por Marx têm estado claramente presentes na geografia histórica do capitalismo. Alguns deles foram se adequando e hoje desempenham um papel ainda mais importante que o que haviam desempenhado no passado. Como ressaltaram Lênin, Hilferding e Luxemburgo, o sistema de crédito e o capital financeiro foram fatores que influíram significativamente na depreciação, na fraude e no roubo. As promoções bursáteis, os esquemas de ponzi, a destruição estruturada de ativos através da inflação, o esvaziamento através de fusões e aquisições, a promoção de níveis de endividamento que mesmo nos países capitalistas avançados reduzem populações inteiras à servidão por dívidas, para não mencionar a fraude corporativa, a espoliação de ativos (o ataque dos fundos de pensão e sua liquidação pelos colapsos acionários e corporativos) mediante a manipulação de crédito e ações, todos são traços centrais do que é o capitalismo contemporâneo. O colapso da Enron espoliou os meios de vida de muita gente e de seus direitos de pensão. Mas, sobretudo, devemos prestar atenção aos ataques realizados pelos fundos especulativos de cobertura e outras grandes instituições do capital financeiro como a ponta de lança da acumulação por espoliação nos últimos anos. Ao criarem uma crise de liquidez no Sudeste asiático, os fundos especulativos de cobertura forçaram a falência de empresas. Estas empresas puderam ser adquiridas por preços de liquidação por capitais excedentes dos países centrais, dando lugar ao que Wade e Veneroso descrevem como “a maior transferência de ativos de proprietários domésticos (por exemplo, do Sudeste asiático) para estrangeiros (por exemplo, estadunidenses, japoneses e europeus) em tempos de paz nos últimos cinqüenta anos em qualquer lugar do mundo”26.

Também surgiram mecanismos completamente novos de acumulação por espoliação. A ênfase nos direitos de propriedade intelectual nas negociações da OMC (o denominado acordo TRIPS) marca os caminhos através dos quais as patentes e licenças de materiais genéticos, plasma de sementes, e qualquer forma de outros produtos, podem ser usadas contra populações inteiras, cujas práticas de manejo ambiental desempenharam um papel crucial no desenvolvimento destes materiais. A biopirataria é galopante, e a pilhagem do estoque mundial de recursos genéticos em benefícios de algumas poucas grandes empresas multinacionais está claramente em marcha. A recente depredação dos bens ambientais globais (terra, ar, água) e a proliferação da degradação ambiental, que impede qualquer coisa menos os modos de produção agrícolas com emprego intensivo de capital, foram resultado da total transformação da natureza em mercadoria. A mercantilização das formas culturais, as histórias e a criatividade intelectual pressupõe a total ausência de posse –a indústria da música se destaca pela apropriação e exploração da cultura e da criatividades populares. A transferência para as corporações e a privatização de ativos previamente públicos (como as universidades), para não mencionar a onda de privatização da água e outros serviços públicos que arrasou o mundo, constitui uma nova onda do “cercamento dos bens comuns”. Como no passado, o poder do estado é usado freqüentemente para forçar estes processos, inclusive contra a vontade popular. Como também aconteceu no passado, estes processos de espoliação estão provocando ampla resistência, disto se trata o movimento antiglobalização27. O retorno ao domínio privado de direitos de propriedade comum ganhos através da luta de classes do passado (o direito a uma pensão estatal, ao bem-estar, ou ao sistema de saúde nacional) foi uma das políticas de espoliação mais ilustres realizadas em nome da ortodoxia neoliberal. O plano de governo de Bush para privatizar a seguridade social (e fazer com que as pensões estejam sujeitas às oscilações dos mercados acionistas) é um caso claro disto. Não surpreende, então, que boa parte da ênfase do movimento antiglobalizante tenha se centrado recentemente na exigência de bens comuns e no ataque ao papel conjunto do estado e do capital em sua apropriação.

O capitalismo internaliza práticas canibais, predatórias e fraudulentas. Mas, tal como Luxemburgo observou convincentemente, é “constantemente difícil determinar, dentro do emaranhado de violência política e disputas de poder, as duras leis do processo econômico”. A acumulação por espoliação pode ocorrer de diversos modos e seu modus operandi tem muito de contingente e casual. Apesar disso, é onipresente, sem importar a etapa histórica, e se acelera quando ocorrem crises de sobreacumulação na reprodução ampliada, quando parece não haver outra saída a não ser a desvalorização. Arendt sugere, por exemplo, que para a Grã-Bretanha no século XIX, as depressões dos anos 60 e 70 deram o impulso inicial de uma nova forma de imperialismo na qual a burguesia tomou consciência de que “pela primeira vez, o pecado original do simples roubo, que séculos antes havia tornado possível “a acumulação primitiva do capital” (Marx) e que havia possibilitado toda a acumulação posterior, devia se repetir uma vez ou outra, sob pena de que o motor da acumulação subitamente se detivesse”28. Isto nos traz de volta às relações entre a busca de ajustes espaçotemporais, os poderes estatais, a acumulação por espoliação e as formas de imperialismo contemporâneo.

O “novo” imperialismo

As formações sociais capitalistas, freqüentemente constituídas mediante configurações territoriais ou regionais particulares e usualmente dominadas por algum centro hegemônico, estiveram incluídas por muito tempo em práticas quase-imperialistas que buscam ajustes espaço-temporais para seus problemas de sobreacumulação. É possível, no entanto, periodizar a geografia histórica destes processos tomando seriamente o argumento de Arendt de que o imperialismo centrado na Europa durante o período 1884-1945 constituiu a primeira tentativa de domínio político global por parte da burguesia. Os estados-nação envolveram-se em projetos imperiais próprios para enfrentar seus problemas de sobreacumulação e conflitos de classe internos. Na virada do século, este primeiro sistema estabilizado sob a hegemonia britânica e construído em torno dos fluxos livres de capital e mercadorias no mercado mundial se decompôs em conflitos geopolíticos entre os principais poderes que tentavam obter autarquia em sistemas crescentemente fechados. Confirmando em boa medida a previsão de Lênin, este sistema explodiu em duas guerras mundiais. Parte do resto do mundo estava sofrendo o saque dos recursos (basta olhar a história do que o Japão fez em Taiwan ou o que a Grã- Bretanha fez em Witwatersrand na África do Sul) com o objetivo de que a acumulação por espoliação compensasse a incapacidade crônica de manter o capitalismo através da reprodução ampliada, o que se manifestaria nos anos 30.

Este sistema foi substituído em 1945 por um outro liderado pelos EUA no qual se tratava de estabelecer uma aliança global entre todos os principais poderes capitalistas para evitar a sobreacumulação que havia castigado a década de ‘30. Para que isto acontecesse, era necessário compartilhar os benefícios da intensificação de um capitalismo integrado nas regiões centrais (por isto o apoio estadunidense às iniciativas de formação da União Européia) e se envolver na expansão geográfica sistemática do sistema (daí a insistência estadunidense na descolonização e no “desenvolvimentismo” como um objetivo generalizado para o resto do mundo). Esta segunda fase do domínio global burguês foi possível em grande medida pela contingência da guerra fria. Esta pressupunha a liderança militar e econômica estadunidense como o único superpoder capitalista. O efeito foi a construção de um “superimperialismo” estadunidense hegemônico, que era mais político e militar que uma manifesta- ção de necessidade econômica. Os EUA não eram muito dependentes de exportações ou importações. Podiam inclusive afrontar a abertura para outros mercados e assim absorver mediante ajustes espaço-temporais internos, como o sistema inter-estatal de auto-estradas, a suburbanização desordenada e o desenvolvimento de suas regiões sul e oeste, parte da capacidade excedente que começava a ser gerada na Alemanha e Japão durante os anos 60. Assim, foi produzido um sólido crescimento com a reprodução ampliada no mundo capitalista. A acumulação por espoliação esteve relativamente silenciada, ainda que países com capital excedente, como Japão e Alemanha Ocidental, tivessem uma crescente necessidade de buscar mercados externos, incluindo a competição pelo controle dos mercados em desenvolvimento pós-coloniais29. Apesar disto, na Europa foram instalados fortes controles sobre a exportação de capital (nem tanto sobre a exportação de mercadorias) e se mantiveram as restrições sobre as importações de capital na Ásia do Leste. Dominaram as lutas de classe no interior dos estados-nação pela reprodução ampliada (como ocorreria e quem se beneficiaria). As principais lutas geopolíticas que surgiram foram as próprias da guerra fria (com o outro império constru- ído pelos soviéticos) ou lutas residuais (freqüentemente atravessadas pela política da Guerra Fria que levou os EUA a apoiarem muitos regimes pós-coloniais reacionários) que resultaram da falta de vontade dos poderes europeus de se desvincular de suas posses coloniais (a invasão de Suez pelos britânicos e franceses em 1956, que não contou em absoluto com o apoio dos EUA, foi emblemática). O ressentimento crescente gerado por permanecerem em uma situação espaço-temporal de subordinação perpétua ao centro suscitou movimentos de liberação nacional e contra a dependência. O socialismo do Terceiro Mundo buscou a modernização sobre uma base política e de classe completamente diferente.

Esse sistema foi quebrado ao redor dos anos 70. Ficava difícil impor controles ao capital quando os dólares excedentes inundavam o mercado mundial. As pressões inflacionárias resultantes da tentativa dos EUA de ter ao mesmo tempo “canhões e manteiga” em meio à Guerra do Vietnam se tornaram muito intensas, uma vez que os níveis de luta de classe em muitos dos países centrais começaram a erodir os lucros. Os EUA, então, trataram de erigir um sistema distinto, baseado em uma combinação de novos acordos internacionais e financeiro-institucionais que resistiam às ameaças econômicas da Alemanha e do Japão e que voltaram a centralizar o poder econômico como capital financeiro operando a partir de Wall Street. A conivência entre o governo de Nixon e os sauditas para elevar o preço do petróleo a níveis siderais em 1973 causou muito mais estrago às economias européias e japonesa que à estadunidense, uma vez que esta última não era nesse momento dependente demais da oferta petrolífera do Oriente Médio30. Os bancos estadunidenses ganharam o privilégio de reciclar os petrodólares na economia mundial. Ameaçados na esfera da produção, os EUA contra-atacaram impondo sua hegemonia através das finanças. Mas para que este sistema funcionasse efetivamente, os mercados em geral, e os mercados de capital em particular, deviam ser forçados a abrirem-se para o comércio internacional –um processo lento que exigiu da pressão interna dos EUA respaldada pelo uso de fatores de influência internacional tais como o FMI e do compromisso igualmente intenso com o neoliberalismo como a nova ortodoxia econômica. Também implicou a transformação na correlação de poder dentro da própria burguesia, na qual os setores produtivos perderam poder frente às instituições do capital financeiro. Isto podia ser usado para combater os movimentos de trabalhadores na reprodução ampliada, seja diretamente, exercendo a supervisão disciplinadora na produção, seja indiretamente, facilitando a maior mobilidade geográfica de todas as formas de capital. Assim, o capital financeiro foi central para esta terceira fase do domínio global burguês.

Este sistema era muito mais volátil e depredador e conheceu vários períodos breves de acumulação por espoliação –usualmente mediante programas de ajuste estrutural administrados pelo FMI– que serviram de antídoto para as dificuldades na esfera da reprodução ampliada; em algumas instâncias, como é o caso da América Latina nos anos 80, economias inteiras foram assaltadas, e seus ativos recuperados pelo capital financeiro estadunidense. Em 1997, o ataque às moedas tailandesa e indonésia por parte dos fundos especulativos de cobertura (hedge funds), respaldado pelas ferozes políticas deflacionárias demandadas pelo FMI, levou à falência empresas que não necessariamente eram inviáveis e reverteu o destacado progresso econômico e social que se tinha alcançado em parte do Leste e Sudeste da Ásia. Como resultado, milhões de pessoas foram vítimas do desemprego e do empobrecimento. Além disso, a crise suscitou uma inclinação em favor do dólar, confirmando o domínio de Wall Street e gerando um assombroso boom dos valores dos ativos para os estadunidenses ricos. As lutas de classe começaram a confluir ao redor de temas como o do capital financeiro e da perda de direitos através da privatização.

As crises da dívida podem ser usadas para reorganizar as relações sociais de produção em cada país, sobre a base de uma análise que favoreça mercados internos e as empresas prósperas ficaram à mercê das empresas estadunidenses, japonesas ou européias. Deste modo, os baixos lucros nas regiões centrais puderam ser complementadas com parte dos maiores lucros obtidos no exterior. A acumulação por espoliação converteu-se em um traço muito mais central dentro do capitalismo global (com a privatização como um de seus principais mantras). A resistência a isto também se tornou mais central dentro do movimento anticapitalista e antiimperialista31. Mas o sistema centrado no complexo Wall Street-Reserva Federal tinha várias dimensões multilaterais com os centros financeiros de Tóquio, Londres, Frankfurt e muitos outros centros financeiros participantes. Estava associado com a emergência de corporações capitalistas transnacionais que, apesar de que pudessem ter uma base em um ou outro estado-nação, se estendiam ao largo do mapa mundial em formas que eram impensáveis em fases prévias do imperialismo (os cartéis e trusts descritos por Lênin estavam estreitamente relacionados a estadosnação concretos). Este era o mundo que a Casa Branca de Clinton, com seu todo-poderoso Secretário do Tesouro Robert Rubin, proveniente do setor especulativo de Wall Street, tratou de administrar mediante um multilateralismo centralizado (cuja síntese foi o denominado “Consenso de Washington” de meados dos anos 90). Por um instante, pareceu que Lênin havia se equivocado e que Karl Kautsky tinha razão e que um ultra-imperialismo baseado na colaboração “pacífica” entre os maiores poderes capitalistas –agora simbolizado pelo agrupamento conhecido como o G7 e a denominada “nova arquitetura financeira internacional” sob a hegemonia dos EUA32– era possível.

Contudo, agora, este sistema encontra-se em sérias dificuldades. A extrema volatilidade e fragmentação caótica dos conflitos de poder torna difícil, como o havia notado precocemente Luxemburgo, discernir como estão funcionando as leis duras da economia atrás da cortina de fumaça e dos jogos de espelhos do setor financeiro. Mas, a crise de 1997-98 revelou que o principal centro com capacidade de produzir valor excedente localiza-se no Leste e Sudeste asiático (daí os EUA apontarem especificamente aí para a desvalorização), a rápida recuperação do capitalismo nesta região voltou a colocar o problema geral da sobreacumulação no centro dos assuntos internacionais33. Isto coloca a questão de como se poderia organizar uma nova forma de ajustes espaço-temporais (na China?) ou de quem suportará o impacto de uma nova rodada de desvalorização. A incipiente recessão norte-americana, após uma década ou mais de exuberância espetacular (ainda que “irracional”) indica que os EUA podem não ser imunes. A maior instabilidade reside na rápida deterioração da balança de pagamentos dos EUA. Segundo Brenner, “a mesma explosão das importações que impulsionou a economia mundial”, durante os anos 90, “elevou o comércio e os déficits em conta corrente dos EUA a níveis recorde, com o crescimento inédito das responsabilidades dos proprietários externos” e “a vulnerabilidade sem precedentes da economia estadunidense à fuga de capital e ao colapso do dólar”34. Mas esta vulnerabilidade afeta ambas as partes. Se o mercado estadunidense entra em colapso, as economias que se orientam nesse mercado como o receptor de sua capacidade produtiva excedente se arruinarão com ele. A rapidez com que os bancos centrais dos países como Japão e Taiwan enviam fundos para cobrir o déficit estadunidense tem um forte componente de auto-interesse. Deste modo, financiam o consumismo estadunidense, o qual constitui o mercado para seus produtos. Neste momento, podem estar financiando o esforço militar dos EUA.

Todavia, mais uma vez, a hegemonia e dominação dos EUA estão ameaçadas e desta vez o perigo parece mais agudo. Se, por exemplo, Braudel (seguido por Arrighi) está no caminho certo, e uma poderosa onda de “finançarização” pode ser o prelúdio de uma transferência do poder dominante de um hegemônico a outro, a virada dos EUA no sentido da “finançarização” nos anos 70 parecia exemplificar um padrão histórico de autodestruição35. Os déficits, tanto internos como externos, não podem seguir crescendo descontroladamente por um tempo inde- finido, e a habilidade e vontade de outros, primariamente da Ásia, para financiá-los, ao ritmo de US$ 2,3 bilhões por dia em taxa corrente, não é inesgotável. Qualquer outro país no mundo que exibisse as condições macroeconômicas da economia estadunidense estaria sujeito a uma desapiedada austeridade e a mecanismos de ajuste estrutural do FMI. Mas, como ressalta Gowan: “a capacidade de Washington de manipular o pre- ço do dólar e de explorar o domínio financeiro internacional de Wall Street permitiu às autoridades estadunidenses evitar o que outros estados se viram obrigados a fazer: vigiar a balança de pagamentos; ajustar a economia doméstica para assegurar altos níveis de poupança e investimentos internos; vigiar os níveis de endividamento público e privado; assegurar um sistema interno de intermediação financeira para assegurar o forte desenvolvimento do setor produtivo interno”. A economia estadunidense teve uma “rota de fuga de todas estas tarefas” e como resultado se tornou “profundamente distorcida e instável”36. Mais ainda, as sucessivas ondas de acumulação por espoliação, a marca distintiva do novo imperialismo centrado nos EUA, estão suscitando resistência e ressentimento onde quer que irrompam, gerando não apenas um ativo movimento antiglobalização mundial (cuja forma difere bastante da das lutas de classe imbricadas na reprodução ampliada), mas também uma ativa resistência à hegemonia dos EUA por parte dos poderes subordinados previamente maleáveis a sua influência, particularmente na Ásia (Coréia do Sul é um caso), e agora inclusive na Europa.

As opções para os EUA são limitadas. Os EUA poderiam se distanciar da atual forma de imperialismo, comprometendo-se com uma redistribuição massiva de riqueza dentro de suas fronteiras e buscando esquemas de absorção do excedente através de ajustes temporais internos (melhoras espetaculares na educação pública e reparo das infra-estruturas envelhecidas seriam bons pontos de partida). Uma estratégia industrial de revitalização da manufatura também poderia ajudar. Mas isto exigiria mais financiamento deficitário ou maiores impostos, assim como uma forte direção estatal, e isto é precisamente o que a burguesia se negará a contemplar, como ocorreu nos tempos de Chamberlain. Qualquer político que propusesse um pacote como este seria, quase sem dúvida, silenciado a gritos pela imprensa capitalista e seus ideólogos, e perderia qualquer eleição ante o poder assombroso do dinheiro. Apesar disso, ironicamente, um contra-ataque massivo dentro dos EUA assim como em outros países centrais do capitalismo (particularmente na Europa) contra as políticas do neoliberalismo e o recorte do estado e dos gastos sociais poderia ser uma das poucas formas de proteger, de dentro, o capitalismo ocidental contra suas próprias tendências autodestrutivas.

Tratar de aplicar, mediante a autodisciplina, o tipo de programas de austeridade que o FMI usualmente impõe a outros, seria, dentro dos EUA, ainda mais suicida do ponto de vista político. Qualquer tentativa de fazê-lo por parte dos poderes externos (através da saída de capitais e o colapso do dólar, por exemplo) geraria, seguramente, uma feroz resposta política, econômica e até militar. É difícil imaginar que os EUA pudessem aceitar pacificamente e se adaptar ao crescimento fenomenal da Ásia do Leste e reconhecer, tal como Arrighi sugere, que estamos no meio de uma transição fundamental para a constituição da Ásia como o centro hegemônico do poder global37. É improvável que os EUA se despeçam tranqüila e pacificamente. Implicaria, em qualquer caso, que o capitalismo do Leste asiático sofra uma reorientação –da qual existem alguns sinais– de uma situação de dependência do mercado estadunidense até o florescimento de um mercado interno dentro da própria Ásia. Aqui é onde o enorme programa de modernização no interior da China –uma versão do ajuste espaço-temporal equivalente à que os EUA efetuaram internamente nos anos 50 e 60– pode desempenhar um papel importante na absorção dos capitais excedentes do Japão, Taiwan e Coréia do Sul e, portanto, diminuir os fluxos para os EUA. A diminuição do fluxo de fundos para os EUA poderia ter conseqüências calamitosas.

É neste contexto que vemos que setores das elites políticas estadunidenses buscam exercitar o músculo militar como o único poder que lhes restou, falando abertamente de Império como uma opção política (presumivelmente para obter tributos do resto do mundo) e buscando controlar a provisão de petróleo como um meio de neutralizar as ameaças de perda de poder da economia global. As tentativas dos EUA de incrementar o controle sobre as reservas petrolíferas iraquianas e venezuelanas –no primeiro caso, com a intenção de estabelecer a democracia e no segundo de destruí-la– adquirem pleno sentido. Buscam uma repetição dos acontecimentos de 1973, uma vez que a Europa e o Japão, bem como o Leste e Sudeste asiáticos, agora com a crucial inclusão da China, são ainda mais dependentes do petróleo do Golfo que os EUA. Se os EUA maquinam a derrubada de Chávez e de Saddam; se pode estabilizar ou reformar o regime saudita, armado até os dentes e atualmente assentado sobre as areias movediças do autoritarismo (com o risco iminente de cair nas mãos de muçulmanos radicalizados –isto era, depois de tudo, o objetivo básico de Osama bin Laden); se pode avançar, como parece provável, do Iraque ao Irã e consolidar sua posição na Turquia e Uzbequistão como uma presença estratégica em relação às reservas petrolíferas da bacia do Cáspio, então, os EUA poderiam esperar manter o controle efetivo sobre a economia global e assegurar sua própria posição econômica pelos próximos cinqüenta anos através do controle firme do fornecimento global de petróleo38.

Os perigos de uma estratégia deste tipo são imensos. A resistência será formidável na Europa e Ásia, e não menor na Rússia. Neste ponto, é ilustrativa a recusa de aprovar nas Nações Unidas a invasão militar dos EUA ao Iraque, particularmente por parte da França e da Rússia, as quais têm fortes conexões com a exploração de petróleo iraquiano. Particularmente, os europeus sentem-se muito mais atraídos por uma visão kautskiana do ultra-imperialismo na qual os principais poderes capitalistas supostamente colaborarão sobre uma base igualitária. Uma hegemonia estadunidense instável baseada na militarização permanente e em um aventureirismo tal que poderia ameaçar seriamente a paz global não é uma perspectiva atrativa para o resto do mundo. Isto não quer dizer que o modelo europeu seja muito mais progressista. Se Robert Cooper é crível, um consultor de Tony Blair, este modelo ressuscitaria as distin- ções entre estados civilizados, bárbaros e selvagens do século XIX, sob o disfarce de estados pós-modernos, modernos e pré-modernos, onde os pós-modernos, como guardiões da conduta civilizada descentralizada, esperaram induzir por meios diretos ou indiretos a obediência a normas universais (leia-se “ocidentais” e “burguesas”) e às práticas humanistas (leia-se “capitalistas”) ao redor do mundo39. Este foi exatamente o modo com que os liberais do século XIX, como John Stuart Mill, justificaram a manutenção da tutela da Índia e a cobrança de tributos externos ao passo que, internamente, celebravam os princípios do governo representativo. Na ausência de uma forte revitalização da acumulação sustentada através da reprodução ampliada, isto implicará num aprofundamento da política de acumulação por espoliação em todo o mundo, com o propósito de evitar a total paralisia do motor da acumulação.

Esta forma alternativa de imperialismo será dificilmente aceitável para amplas faixas da população mundial que têm vivido no marco da (e em alguns casos começando a lutar contra) acumulação por espoliação e das formas predatórias de capitalismo às quais enfrentaram durante as últimas décadas. O artifício liberal que propõe alguém como Cooper é familiar demais para os autores pós-coloniais para que seja atrativo40. E o militarismo flagrante que os EUA propõem de maneira crescente, sobre o pressuposto de que é a única resposta possível ao terrorismo global, não apenas está cheio de perigos (incluindo o arriscado precedente do “ataque preventivo”), mas também está sendo gradualmente reconhecido como uma máscara para tratar de sustentar uma hegemonia ameaçada dentro do sistema global.

Mas talvez a pergunta mais interessante se refira à resposta dentro dos EUA. Neste ponto, uma vez mais, Hannah Arendt coloca um contundente argumento: o imperialismo não pode sustentar-se por muito tempo sem repressão ativa, ou inclusive sem tirania interna41. O dano infligido às instituições democráticas internas pode ser substancial (como aprenderam os franceses durante a luta pela independência da Argélia). A tradição popular dentro dos EUA é anticolonial e antiimperialista e durante as últimas décadas foram necessários muitos ardis, quando não o engano declarado, para dissimular o papel imperial da América do Norte no mundo, ou, ao menos, para revesti-lo de intenções humanitárias grandiloqüente. Não está claro que a população estadunidense apoiará no longo prazo uma virada aberta na direção de um imperialismo militarizado (não mais que aquele que acabou avalizando a guerra do Vietnam). Tampouco é provável que aceite por longo tempo o preço –já substancial, dadas as cláusulas repressivas incluídas nos atos patrióticos e de segurança interna– que deve pagar internamente em termos de direitos e liberdades civis e gerais. Se o Império supõe anular a Carta de Direitos, então não está claro que este trato será aceito facilmente. Mas a outra face da dificuldade é que, na ausência de uma revitalização espetacular da acumulação, sustentada através da reprodução ampliada, e com possibilidades limitadas de acumular por espoliação, a economia estadunidense provavelmente se afunde numa depressão deflacionária que fará que, por comparação, a experiência japonesa da última década se desvaneça na insignificância. E se é produzida uma fuga séria com relação ao dólar, a austeridade deverá ser intensa, a menos que surja uma política de redistribuição de riqueza e ativos inteiramente diferentes (uma perspectiva que a burguesia contemplará com o mais completo horror), centralizada na total reorganização das intra-estruturas físicas e sociais da nação, que absorva o capital e o trabalho ocioso em tarefas socialmente úteis, distintas daquelas puramente especulativas.

Pelo visto, a forma que tomará um novo imperialismo está por se definir. A única coisa certa é que estamos no meio de uma transição fundamental do funcionamento do sistema global e que há uma variedade de forças em movimento que poderiam facilmente inclinar a balança em uma ou outra direção. O equilíbrio entre acumulação por espoliação e reprodução ampliada já se voltou a favor da primeira e é difícil imaginar que esta tendência faça outra coisa que se aprofundar, transformando-se no emblema daquilo que é o novo imperialismo (incluindo postulados abertos de grande significado ideológico sobre o novo imperialismo e a necessidade do império). Também sabemos que a trajetória econômica O ¨novo¨ imperialismo da Ásia é chave, e que os EUA ainda possuem o domínio militar. Como assinala Arrighi, esta é uma configuração única. Pode muito bem ser que estejamos vendo no Iraque a primeira etapa de como esta configuração poderia operar geopoliticamente no cenário mundial, em um contexto de recessão generalizada. Os EUA, cuja hegemonia durante o período imediatamente posterior ao pós-guerra baseava-se na produção, finanças e poder militar, perderam sua superioridade produtiva após os anos 70 e podem muito bem estar perdendo seu domínio financeiro ficando unicamente com o poderio militar. O que acontece dentro dos EUA é, portanto, um determinante de importância vital para definir como se poderia articular o novo imperialismo. E há, para começar, uma acumulação de forças de oposição ao aprofundamento da acumulação por espoliação. Mas as formas da luta de classes que esta provoca são de natureza radicalmente distinta que as clássicas lutas proletárias associadas à reprodução ampliada (que continuam se desenvolvendo, mesmo que de forma mais silenciosa) sobre as quais tradicionalmente repousava o futuro do socialismo. É vital impulsionar as alianças que começam a surgir entre estes diferentes vetores de luta, tanto que nelas podemos discernir os delineamentos de uma forma de globalização inteiramente diferente, não imperialista, que enfatiza o bem-estar social e os objetivos humanitários associados a formas criativas de desenvolvimento geográfico desigual acima da glorificação do poder do dinheiro, do valor do mercado acionário e da multiforme e incessante acumulação do capital através dos espaços variados da economia global por qualquer meio, mas que termina sempre por concentrar-se fortemente em uns poucos espaços de extraordinária riqueza. Este momento pode estar cheio de volatilidade e incerteza, mas isto significa que está também cheio de potencialidades e marcado pelo inesperado.

Notas:

1. H. Lefebvre, The Survival of Capitalism: Reproduction of the Relations of Production, New York: St. Martin’s Press, 1976.

2. A maioria destes ensaios dos anos 70 e 80 foram publicados novamente em David Harvey, Spaces of Capital: Towards a Critical Geography, New York: Routledge, 2001. A principal linha argumentativa também pode ser encontrada em Harvey, The Limits to Capital, Oxford: Basil Blackwell, 1982 (reimpresso em Londres:Verso Press, 1999).

3. Minha própria versão deste argumento teórico está detalhada em Harvey, Limits to Capital, capítulos 6 e 7.

4. R. Brenner, The boom and bubble: the US in the world economy, London: Verso, 2002. A teoria da sobreacumulação em Brenner é muito diferente da minha, mas acho sua evidência empírica útil, e em sua maior parte convincente.

5. P. Gowan, The Global gamble: Washington’s bid for world dominance, London: Verso, 1999.

6. Como este assunto é complexo demais para ser argüido em um artigo, prosseguirei de modo esquemático e simplificado, deixando as elaborações mais detalhadas para uma publicação posterior. D. Harvey, The New Imperialism, Oxford: Oxford University Press, a ser publicado.

7. O tópico do “novo imperialismo” foi inserido na esquerda por L. Panitch, “The New Imperial State”, New Left Review, 11(1), 2000; também confira P. Gowan, L. Panitch e M. Shaw, “The State, Globalization and the New Imperialism: A Round Table Discussion”, Historical Materialism, 9, 2001. Outros comentários de interesse estão em J. Petras e J. Veltmeyer, Globalization Unmasked: Imperialism in the 21st Century, London: Zed Books, 2001; R. Went, “Globalization in the Perspective of Imperialism”, Science and Society, 66(4), 2002-3; S. Amin, “Imperialism and Globalization”, Monthly Review, 53(2), 2001; as perspectivas conservadora e liberal foram estabelecidas em M. Ignatieff, “The Burden”, New York Times Magazine, 5 de Janeiro de 2003 e R. Cooper, “The New Liberal Imperialism”, The Observer (07/04/2002).

8. Os conceitos de Marx de “capital fixo de tipo independente” e de “capital fictício” foram explorados em Harvey, Limits, capítulos 8 e 10 respectivamente, e sua importância geopolítica foi trabalhada em Harvey, Spaces of Capital (op. cit), capítulo 15, “The Geopolitics of Capitalism”.

9. A importância da senhoriagem foi examinada em G. Carchedi, “Imperialism, Dollarization and the Euro”, Socialist Register 2002, London: Merlin Press, 2002.

10. G.W. Hegel, The Philosophy of Right, New York: Oxford University Press, 1967.

11. V.I. Lênin, “Imperialism: The Highest Stage of Capitalism”, in Selected Works, Volume 1, Moscow: Progress Publishers.

12. A história toda de uma mudança radical nas soluções dos problemas políticos e econômicos de internas para externas, como uma resposta à dinâmica da luta de classes em muitos países capitalistas, é contada em uma coleção pouco conhecida, mas muito fascinante, de C.A. Julien, J. Bruhat, C. Bourgin, M. Crouzet e P. Renouvin, Les Politiques d’Expansion Imperialiste, Paris: Presses Universitaires de France, 1949, na qual os casos de Ferry, Chamberlain, Roosevelt, Crispi e de outros são todos examinados comparativamente.

13 H. Arendt, Imperialism, New York: Harcourt Brace, 1968. Há muitas semelhanças inquietantes entre a análise de Arendt da situação no século dezenove e nossa condição contemporânea. Considere-se, por exemplo, a seguinte passagem: “A expansão imperialista foi atingida por um tipo curioso de crise econômica: a superprodução de capital e a emergência de dinheiro ‘supérfluo’, resultado do excesso de poupança, que não podia encontrar mais investimento produtivo dentro das fronteiras nacionais. Pela primeira vez, os investimentos no poder não abriram caminho para os investimentos no dinheiro, mas as exportações de poder seguiram humildemente o caminho do dinheiro exportado, dado que os investimentos sem controle em países distantes ameaçavam transformar amplas camadas da sociedade em jogadores, mudar toda a economia capitalista de um sistema de produção para um sistema de especulação financeira, e a substituir os lucros da produção pelos lucros em comissões. A década imediatamente anterior à era imperialista, os anos setenta do ultimo século, testemunhou um aumento sem precedentes nas fraudes, escândalos financeiros, e jogadas no mercado de ações” (p. 15).

14 J. Henderson, “Uneven Crises: Institutional Foundations of East Asian Economic Turmoil”, Economy and Society, 28(3), 1999.

15 Brenner, The Boom (op.cit.), tenta dar o relato mais geral e sintético dessa turbulência. Os detalhes da crise do Leste asiático podem ser encontrados em R. Wade e F. Veneroso, “The Asian Crisis: The High Debt Model versus the Wall Street-Treasury-IMF Complex”, New Left Review, 228, 1998; Henderson, “Uneven Crises”; C. Johnson, Blowback: The Costs and Consequences of American Empire, New York: Henry Holt, 2000, capítulo 9; no número especial de Historical Materialism, 8, 2001, “Focus on East Asia after the Crisis” (particularmente P. Burkett e M. HartLandsberg, “Crisis and Recovery in East Asia: The Limits of Capitalist Development”).

16 Gowan, Global Gamble (op.cit.).

17 Vários nomes foram propostos para tal. Gowan preferiu o de Regime Dólar-Wall Street, mas prefiro o de Complexo Wall-Street-TesouroFMI, sugerido por Wade e Veneroso, “The Asian Crisis”. 18 Gowan, Global Gamble (op.cit.), pp. 23, 35.

19 Editorial, The Buenos Aires Herald (31/12/2002), p. 4.

20 J. Bhagwati, “The Capital Myth: The Difference Between Trade in Widgets and Dollars”, Foreign Affairs, 77(3), 1998, pp. 7-12.

21 Gowan, Global Gamble e Brenner, The Boom oferecem interessantes relatos paralelos sem, contudo, referirem-se reciprocamente.

22 R. Luxemburgo, The Accumulation of Capital, New York: Monthly Review Press, 1968, pp. 452-3. Luxemburgo baseia sua perspectiva de uma teoria do subconsumo (falta de demanda efetiva), que possui implicações bem diferentes daquelas das teorias da sobreacumulação (falta de oportunidades para as atividades lucrativas) com as quais trabalho. Uma exploração completa do conceito de acumulação por espoliação e sua relação à sobreacumulação é apresentada na Parte Três de Harvey, The New Imperialism (op.cit.).

23 M. Perelman, The Invention of Capitalism: Classical Political Economy and the Secret History of Primitive Accumulation, Durham: Duke University Press, 2000. Há também um extensivo debate no The Commoner sobre os novos cercamentos e sobre o momento em que a acumulação primitiva deve ser entendida como um processo continuado ou puramente histórico. DeAngelis fornece um bom resumo.

24 K. Marx, Capital, Volume 1, New York: International Publishers, 1967, Part 8; F. Braudel, Afterthoughts on Material Civilization and Capitalism, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1977.

25 Wade e Veneroso, “The Asian Crisis” (op.cit.), p. 7 propõem a seguinte definição: “ uma alta poupança familiar + altas taxas de endividamento corporativo + a colaboração entre empresas e bancos + estratégia industrial nacional + incentivos ao investimento condicionados à competitividade internacional = estado desenvolvimentista”. O estudo clássico é C. Johnson, MITI and the Japanese Miracle: The Growth of Industrial Policy, 1925-75, Stanford: Stanford University Press, 1982; enquanto o impacto empírico das políticas estatais sobre as taxas relativas de crescimento econômico foi bem documentado em M. Webber e D. Rigby, The Golden Age Illusion: Rethinking Post-war Capitalism, New York: Guilford Press, 1996.

26 Wade e Veneroso, “The Asian Crisis” (op.cit.).

27 A extensão da resistência foi indicada em B. Gills, ed., Globalization and the Politics of Resistance, New York: Palgrave, 2000; veja também J. Brecher e T. Costello, Global Village or Global Pillage? Economic Reconstruction from the Bottom Up, Boston: South End Press, 1994. Um recente e muito interessante guia da resistência pode ser encontrado em W. Bello, Deglobalization: Ideas for a New World Economy, London: Zed Books, 2002. A idéia de globalização a partir de baixo foi apresentada o mais sucintamente em R. Falk, Predatory Globalization: A Critique, Cambridge: Polity Press, 2000.

28 Arendt, Imperialism (op.cit.), p. 28.

29 De longe, a melhor apresentação é dada por P. Armstrong, A. Glyn e J. Harrison, Capitalism Since World War II: The Making and Break Up of the Great Boom, Oxford: Basil Blackwell, 1991.

30 Gowan, Global Gamble, pp. 21-2, apresenta evidências para a conivência entre Nixon e os Sauditas.

31 A esquerda, vinculada como estava (e em muitos aspectos ainda está) à política de reprodução expandida, lentamente reconheceu a importância das lutas anti-FMI e de outros movimentos contra a espoliação. Retrospectivamente, o estudo pioneiro de Walton sobre o padrão das lutas anti-FMI se distingue. Cf. J. Walton, Reluctant Rebels: Comparative Studies on Revolution and Underdevelopment, New York: Columbia University Press, 1984. Mas parece que também seria correto que fizéssemos uma análise muito mais sofisticada para determinar quem da miríade de movimentos contra a espoliação é regressivo e antimodernizadores num sentido socialista, seja qual for, e quem pode ser progressista ou ao menos ser levado à direção progressista por meio da formação de uma aliança. Como nunca, o modo com que Gramsci analisou a questão do Sul parece ter sido o estudo pioneiro desse tipo de estudos. Petras enfatizou recentemente este ponto em sua crítica de Hardt e Negri: veja J. Petras, “A Rose by Any Other Name? The Fragrance of Imperialism”, The Journal of Peasant Studies, 29(2), 2002. Camponeses ricos que lutavam contra a reforma do campo não são os mesmo que os camponeses sem-terra que lutam pelo direito de subsistir.

32 P. Anderson, “Internationalism: A Breviary”, New Left Review, 14, 2002, p. 20, nota como “algo como a visão de Kaustky” tenha acontecido e que os teóricos liberais, como Robert Keohane, também notaram a conexão. Sobre a nova arquitetura financeira internacional, ver S. Soederberg, “The New International Financial Architecture: Imposed Leadership and ‘Emerging Markets’”, Socialist Register 2002, London: Merlin, 2002.

33 Cf. Burkett e Hart-Landsberg, “Crisis and Recovery” (op.cit.).

34 Brenner, The Boom (op.cit.), p. 3.

35 G. Arrighi e B. Silver, eds., Chaos and Governance in the Modern World System, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1999, pp. 31-3.

36 Gowan, Global Gamble (op.cit.), p. 123.

37 Arrighi não prevê nenhum desafio externo sério, mas ele e seus colegas concluem que os EUA “têm até maior capacidade de converter sua hegemonia declinante em dominação exploratória que a Grã- Bretanha tinha um século atrás. Se o sistema eventualmente entra em colapso, isso ocorrerá primeiro devido à resistência dos EUA em ajustar e acomodar. E por outro lado, o ajustamento e acomodação dos EUA ao crescente poder econômico do Leste asiático é uma condição essencial para uma transição não catastrófica para uma nova ordem mundial”. Cf. Arrighi e Silver, Chaos and Governance (op.cit.), pp. 288-9.

38 M. Klare, Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict, New York: Henry Holt, 2002.

39 Cooper, “New Liberal Imperialism” (op.cit.).

40 A crítica formulada por U. Mehta, Liberalism and Empire, Chicago: Chicago University Press, 1999, é simplesmente devastadora quando defrontada com as formulações de Cooper.

41 Arendt, Imperialism (op.cit.), pp. 6-9; curiosamente, esta tem sido uma fonte interna persistente de preocupação contra os riscos imperiais de parte dos EUA, como William Appleman Williams aponta em seu Empire as a Way of Life, Oxford: New York, 1980.
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