21 de fevereiro de 2016

O legado de Malcom X

Malcolm X morreu hoje, cinquenta e um anos atrás, no momento em que caminhava em direção a idéias revolucionárias que desafiavam a opressão em todas as suas formas.

Ahmed Shawki

Jacobin

Michael Ochs Archives / Corbis

Tradução / A segregação racial não era a lei no Norte dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, mas era a realidade. Os negros do Norte encontravam o racismo e a segregação em praticamente todos os aspectos da vida. Os negros que deixaram o Sul viam-se forçados a viver em grandes guetos urbanos e educar seus filhos em escolas inferiores. Empregos qualificados ou profissões liberais eram reservados aos brancos. Os negros eram constantemente sujeitos à autoridade do branco, especialmente a perseguição policial.

Quase um quarto dos negros se diziam maltratados pela polícia e 40% que presenciavam outros serem vítimas de abuso. Todas as ilusões alimentadas pelos negros do Sul sobre o Norte liberal eram desautorizadas por aqueles que lá viviam. E enquanto os negros do Norte foram inspirados pelas lutas no Sul, sua condição específica os tornou receptivos a um movimento independente – e bem diferente – daquele liderado pelo Conselho de Liderança Cristã do Sul, de Martin Luther King Jr.

Nos primeiros anos da luta pelos direitos civis, a expressão organizacional mais significativa desse novo movimento era a Nação do Islã. No final da década de 1950, os membros do grupo alcançavam um numero estimado de cem mil, com Malcolm X como seu membro mais proeminente.

Formalmente, as ideias da Nação do Islã eram profundamente conservadoras. A organização combinava elementos do Islã ortodoxo com ideias de fabricação própria, pregando uma doutrina de trabalho duro, parcimônia, obediência e humildade. Atenta à independência econômica da sociedade branca como aspecto fundamental, a organização também encorajavam seus membros a “comprar de negros”. A Nação do Islã fundou dezenas de empresas, e era proprietária de terras e mesquitas construídas na maioria das grandes cidades do Norte. A organização não condenava o capitalismo, apenas os brancos. Na verdade, muitos negros muçulmanos procuravam emular o sucesso de capitalistas brancos.

O líder da Nação do Islã, Elijah Muhammad, defendia o estabelecimento de um Estado negro independente, nos Estados Unidos ou em outro lugar. Mas, apesar de pressionar por demandas ou defender seus interesses, a organização era hostil à participação política. Que uma seita religiosa, tão voltada para si, fosse capaz de um crescimento substancial é um testemunho do descontentamento generalizado de um grande número de negros nas cidades. Para centenas de jovens recrutas, a Nação do Islã representava autoestima, autoconfiança e orgulho.

O forte e articulado Malcolm X rapidamente se tornou uma atração para mais militantes se juntarem à Nação do Islã, com apelos concebidos para realçar a hipocrisia das elites brancas. Em resposta à acusação de que a Nação era racista, Malcolm disse, assumidamente: “Se nós reagimos ao racismo branco com uma reação violenta, para mim isso não é racismo negro. Se você vir a colocar uma corda em volta do meu pescoço e eu te enforcar por isso, para mim isso não é racismo. Sua atitude é racista, mas minha reação não tem nada a ver com racismo”.

Malcolm X rejeitou a ideia de que a integração na sociedade americana era possível ou desejável e via o governo federal e o Partido Democrata não como aliados, mas como parte do problema. E criticava fortemente os liberais que falavam sobre o racismo no Sul mas não tinham nada a dizer sobre as condições do Norte, dizendo: “Eu vou arrancar a auréola de liberais que eles tanto se esforçam para cultivar!”

Malcolm X também era crítico corrosivo dos líderes do movimento dos direitos civis. Para ele, em vez de promover a luta, eles eram obstáculos a ela. Ele passou, então, a atacar toda a premissa da não-violência subjacente ao movimento antissegregacionista do Sul, argumentando em favor da autodefesa negra: “Seja calmo, cortês, obedeça à lei, respeite a todos; mas se alguém colocar a mão em você, mande-o para o cemitério. Essa é uma boa religião. Na verdade, essa é a religião dos velhos tempos. (...) Preservar a sua vida, é a melhor coisa que você tem. E se você tem que desistir, que seja um empate”.

Tecnicamente, Malcolm X estava apenas ampliando os ensinamentos de Elijah Muhammad e, na verdade, sempre prefaciava qualquer um dos seus discursos com a frase “Elijah Muhammad ensina (...)”. Apesar disso, Malcolm X transformara essas ideias em uma acusação ao sistema, rompendo cada vez mais a camisa de força da Nação do Islã.

Enquanto Muhammad evitava a política, Malcolm estava se tornando mais político. Um muçulmano reclamou: “Foi Malcolm que injetou o conceito político de ‘nacionalismo negro’ no movimento negro muçulmano, o qual era essencialmente de natureza religiosa.”

Consciente de que a crescente politização do movimento tinha efeitos sobre a Nação do Islã, incluindo em seu líder e porta-voz líder, Elijah Muhammad tomou medidas para reafirmar seu controle.

Um ataque da polícia em Los Angeles, em 1962, trouxe à tona a falência política da Nação do Islã. Em abril de 1962, um muçulmano Negro tinha sido mortos e vários foram feridos pelo departamento de polícia de Los Angeles. Malcolm X imediatamente voou para Los Angeles para apresentar a resposta da organização. A Nação do Islã pregava autodefesa e o assassinato da polícia claramente exigia uma retaliação. Mas Elijah Muhammad impediu que seus seguidores organizassem uma campanha de autodefesa sustentada.

O radicalismo verbal, muitas vezes extremado na sua denúncia dos brancos, era aceitável em um período anterior, quando os membros da Nação do Islã estavam estabelecendo sua reputação como opositores do sistema. Mas a explosão de raiva entre os negros exigiu mais do que palavras; exigiu ação, e isso era uma coisa Elijah Muhammad não iria tolerar.

Fora da Nação do Islã

Em dezembro de 1963, s ruptura de Malcolm X com a Nação do Islã finalmente ocorreu. Em resposta a uma pergunta do público em uma reunião em Nova York, Malcolm atribuiu o assassinato de John F. Kennedy ao ódio e à violência produzida por uma sociedade que os brancos haviam criado .

Embora a declaração fosse consistente com a hostilidade que os ministros muçulmanos negros tinham manifestado perante o governo dos Estados Unidos no passado, Elijah Muhammad informou Malcolm que ele seria suspenso por noventa dias para que “os muçulmanos em todos os lugares possam ser dissociados do erro”. Tornou-se logo claro que a suspensão era de fato uma expulsão.

Em 8 de Março de 1964, Malcolm X anunciou formalmente sua ruptura com a Nação do Islã. O movimento negro muçulmano, disse ele, “tinha alcançado seu limite, porque era muito sectário e tímido”. Ele defendeu um maior engajamento nas lutas dos negros que explodiam em todo o país, alertando que os muçulmanos negros poderiam encontrar-se, “um dia, repentinamente afastados da linha de frente da luta dos negros”.

A fim de se envolver no movimento dos direitos civis, Malcolm X chegou à conclusão de que precisava separar política e religião, dizendo: “nós não misturamos nossa religião com nossa política, nossa economia e as nossas atividades sociais e civis, não fazemos mais isso (…) Nós nos envolvemos com qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira que for necessária para eliminar os males, os males políticos, econômicos e sociais que afligem as pessoas em nossa comunidade”. No mesmo discurso, ele se descreveu como um adepto do nacionalismo negro.

Um nascente anti-imperialismo

Logo depois, Malcolm X fez a primeira de suas duas viagens à África. Estas viagens tiveram um impacto importante sobre as suas ideias. Ele se reuniu com vários chefes africanos importantes do estado – incluindo Kwame Nkrumah, de Gana, e Gamal Abdul Nasser, do Egito – e foi influenciado pelas ideias do “terceiro-mundismo”. De uma forma geral, este via o mundo dominado por duas superpotências – os Estados Unidos e a União Soviética – e considerava que os países em desenvolvimento representavam uma alternativa independente.

Quando Malcolm X voltou a Nova York, anunciou a formação da Organização de Unidade Afro-Americana (OAAU), inspirada pela Organização de Unidade Africana (OUA), que reunia os diferentes chefes-de-Estado africanos. A OAAU era uma organização nacionalista negra que procurava construir organizações comunitárias, escolas, empresas negras, e campanhas de registro de eleitores para garantir o controle da comunidade sobre os políticos negros.

Depois de sua visita à África, Malcolm X começou a argumentar que a luta negra nos Estados Unidos era parte de uma luta internacional, que ele ligava à luta contra o capitalismo e o imperialismo.

Ele também começou a argumentar em favor do socialismo. Referindo-se aos estados africanos, ressaltou: “Todos os países que estão a surgir a partir de hoje livrando-se das amarras do colonialismo estão se voltando para o socialismo”.

Malcolm X não definiu mais a luta pela libertação dos negros como um conflito racial: “Estamos vivendo em uma época de revolução, e a revolta do negro americano é parte da rebelião contra a opressão e do colonialismo que tem caracterizado esta época”, disse ele. “É incorreto classificar a revolta do negro como simplesmente um conflito racial do negro contra o branco, ou como puramente um problema americano. Em vez disso, estamos hoje vendo uma rebelião mundial do oprimido contra o opressor, os explorados contra os exploradores”.

Ele agora já não acreditava que todos os brancos eram inimigos, mas ele manteve a necessidade de uma organização somente de negros: “os brancos podem nos ajudar, mas eles não podem se juntar a nós. Não pode haver unidade negro-branco até que haja primeiro uma unidade negra. Não pode haver solidariedade entre trabalhadores até que haja primeiro uma certa solidariedade racial. Não podemos pensar em união com os outros, até que nos unamos nós mesmos em primeiro lugar”.

A nova concepção da luta de Malcolm X também o levou a questionar o seu entendimento anterior do nacionalismo negro. Em janeiro de 1965, admitiu que este entendimento anterior de nacionalismo negro “foi alienando as pessoas que eram verdadeiramente revolucionárias, dedicadas a derrubar o sistema de exploração que existe nesta terra por qualquer meio necessário.”

Promessa perdida

Durante este período, as ideias políticas de Malcolm X estavam evoluindo rapidamente, um desenvolvimento interrompido por sua morte. Naquela época, ele já havia se tornado uma das figuras negras radicais mais importantes nos Estados Unidos, e sua influência crescia especialmente entre os jovens ativistas.

Malcolm X foi morto a tiros quando estava começando a “pensar por conta própria”, como dizia, e expressar um programa radical de libertação negra. Sua morte prematura e a subsequente supressão e declínio do movimento negro tornaram mais fácil para os reformistas de segunda categoria que pretendiam reivindica-lo como um deles. Mas quem ouve seus discursos ou lê algum de seus escritos não pode ter qualquer dúvida quanto à sua trajetória, que se resume bem em seu famoso discurso “o voto ou a bala”, de 3 de abril de 1964, em Cleveland:

“Não, eu não sou um americano. Eu sou um dos vinte e dois milhões de pessoas negras que são vítimas do americanismo. Um dos vinte e dois milhões de pessoas negras que são vítimas da democracia, nada mais que a hipocrisia disfarçada. Então, eu não estou aqui falando com você como um americano ou um patriota, ou alguém que saúda a bandeira ou a carrega. Não, eu não sou isso. Eu estou falando como uma vítima deste sistema americano. E eu vejo a América através dos olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano”.

É impossível prever como a política de Malcolm X teria se desenvolvido se tivesse vivido. Ele tinha abraçado ideias que o colocaram diretamente à esquerda do movimento nacionalista negro. Sua hostilidade ao sistema e aos dois partidos capitalistas, o seu compromisso com a eliminação do racismo e sua identificação com o anti-imperialismo, representaram um enorme contributo para a política radical.

Sobre o autor

Ahmed Shawki is the author of Black Liberation and Socialism, from which the following is adapted.

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