2 de fevereiro de 2016

Bernie Sanders mudou o Partido Democrata

John Cassidy sobre o que o sucesso de Bernie Sanders em Iowa significa para o Partido Democrata.

John Cassidy

Joshua Lott/Getty

Depois de uma noite impressionante em Iowa, que serviu como uma espécie de “repreensão” tanto para Trump quanto para os institutos de pesquisa de opinião, o Partido Democrata pode ter que lidar, em novembro, com um candidato jovem e bem articulado pelo Partido Republicano: o Senador Marco Rubio, que terminou em um fortíssimo terceiro lugar, atrás de Cruz e Trump. Até lá, no entanto, os Democratas também terão que lidar com delicados problemas internos: Bernie Sanders, através da promoção de uma América governada “pelo poder do povo”, confirmou que tomou conta da fatia de eleitores com menos de 40 anos no partido, o que significa que Hillary terá problemas.

Estritamente faland, as prévias do Partido Democrata terminaram empatadas. Nas primeiras horas da manhã de terça, com noventa e nove por cento dos distritos já contados e somados, o número de delegados estava em seiscentos e sessenta e cinco para Clinton e Seiscentos e sessenta e dois para Sanders (por alguma razão, os Democratas revelam apenas o número de delegados, não o número total de votos de cada candidato). Em termos de percentagem, foi 49,8 por cento a 49,6 por cento, o que na prática quer dizer 50/50. Salvo imprevistos, os 44 delegados de Iowa para a Convenção Nacional do Partido Democrata serão dividido de forma igualitária.

O resultado das prévias de Iowa não significa que Clinton não conseguirá a indicação. Embora pareça que ela provavelmente perderá em New Hampshire na próxima semana, continua uma forte candidata e mesmo favorita para a indicação: nos sites de aposta, se você quiser ganhar vinte dólares apostando que Hillary surgirá no final como candidata do Partido Democrata, terá que apostar um total de 100 dólares. Ocorre que se Clinton quiser unir o partido e entusiasmá-lo para favorecer a sua candidatura e para uma luta pela presidência que se anuncia dura, ela precisa encontrar uma maneira de conquistar os eleitores jovens, mais vinculados à mensagem anti establishment que é a marca de Sanders.

A diferença de idade entre os apoiadores de Hillary e de Sanders é enorme. De acordo com as pesquisas de boca de urna que previam contundentemente uma vitória de Hillary, Sanders teve oitenta e seis por cento dos votos democratas entre os eleitores no grupo com 17 a 24 anos de idade, oitenta e um por cento nos que tem idade entre 25 a 29 anos, e sessenta e cinco por cento entre os que têm entre 30 e 39 anos. Em contraste, Clinton vence com larga margem entre os eleitores de idade mediana e entre os idosos. Entre os cinquentões, ela vence com uma diferença de vinte por cento.

Quando se torna evidente que você depende de maneira tão pesada do voto dos eleitores mais velhos, fica difícil se apresentar como “a voz do futuro”. Por volta das 11h30min, ao lado do marido e da filha, discursou para apoiadores falando sobre o alívio que sentia por não ter perdido a prévia – referindo-se ao fato de que em 2008 chegou em terceiro em Iowa, atrás de Barak Obama e de John Edwards. As redes de televisão relataram que Clinton tinha vencido as prévias, mas essa menção foi evitada pela própria candidata, que preferiu falar sobre sua disposição para uma longa batalha à frente. “Estou bastante animada para entrar em debate real com o senador Sanders sobre a melhor maneira de lutar pelo povo americano e pelos Estados Unidos”, disse ela.

Às 11h45min foi a vez de Sanders se dirigir a seus correligionários, que eram mais bem animados em sua torcida que os apoiadores de Hillary. “Muito obrigado, Iowa”, começou ele, com a voz rouca. “Há nove meses, chegamos a este belo Estado. Não estávamos politicamente organizados, não tínhamos dinheiro, éramos praticamente desconhecidos e fazíamos frente a uma das mais poderosas organizações políticas dos Estados Unidos. E apesar de tudo, nesta noite, embora os resultados ainda não sejam totalmente conhecidos, parece que temos um empate virtual”.

Essa história explica porque Sanders emergiu como o grande vencedor da noite no lado Democrata. Ele não só saiu de uma história de vida de “subir pelos próprios esforços”, mas fez disso a base de uma mensagem que é mais radical que qualquer política presidencial que temos visto em décadas – uma mensagem que ele repete com regularidade, a ponto de ter se tornado familiar para muitos americanos.

Para levar adiante sua luta em New Hampshire, depois de Iowa, ele usou muitas de suas frases favoritas, já dirigidas para os eleitores da próxima prévia: “Já passou o tempo de uma política e uma economia dirigida apenas para o establishment”. “Não representamos os interesses da classe bilionária, de Wall Street ou dos corporações dos Estados Unidos. Não queremos o seu dinheiro”. “O povo americano está dizendo não para uma economia claramente manipulada”. “Criaremos uma economia que funcione para as famílias trabalhadoras e não só para os bilionários”.

Frente a tal ataque de retórica populista, recheado com promessas do mesmo naipe, o que pode fazer um político claramente vinculado ao establishment como Clinton? Caso as pesquisas que lhe mostravam com grande vantagem sobre Sanders fossem corretas ela poderia despreocupadamente ignorar Sanders como um político de momento, com apelo restrito à Nova Inglaterra e entre liberais brancos com nível universitário. Agora terá uma luta dura a ser travada em New Hampshire, na qual terá que buscar uma vitória incontestável, promovendo uma reviravolta, repetindo o que fez em 2008. Se isso falhar em New Hampshire, já que as pesquisas – se estiverem certas desta vez – mostram Sanders bem à frente por lá, então ela tentará mudar as coisas em Nevada, onde uma prévia Democrata será realizada em 20 de fevereiro, bem como nas primárias Democratas na Carolina do Sul, uma semana a seguir.

A sequência será sem dúvida bem difícil para Sanders, vez que as votações seguintes seguem para Estados com maior número de eleitores entre os não brancos. Baseada em seu sobrenome, seus bem estabelecidos laços organizacionais e seu charme pessoal, a vantagem de Clinton sobre Sanders nestes Estados parece grande. Dois meses atrás, no entanto, a liderança dela em Iowa também parecia substancial. Com o passar do tempo, Sanders conseguiu destruir essa vantagem e revertê-la, eliminando-a literalmente.

Algum tempo depois, falando na CNN, David Axelrod, que foi comandante das campanhas do presidente Obama, enfatizou uma faceta da questão: um dos problemas que Hillary enfrenta nesta caminhada é que a campanha se desenvolve basicamente sobre ela mesma – sua experiência, sua elegibilidade, sua firmeza. “Continuarei fazendo o que fiz minha vida inteira” disse ela em seu discurso de admissão da derrota. “Continuarei aqui para vocês”. Sanders, por outro lado, raramente faz menções sobre si mesmo nos seus discursos. Sua campanha está baseada na mensagem de um país que não funcione apenas para os bilionários. Acrescente-se, disse Axelrod, que é muito mais fácil inspirar as pessoas – mormente os jovens – com temas edificantes que com currículos.

Isto, naturalmente, também foi um problema para Clinton em 2008, quando Obama se baseou em uma mensagem de esperança, com o ótimo slogan “Sim, nós podemos”. Em semanas recentes, a campanha de Clinton para responder às promessas e ações políticas de Sanders parece ser algo como “Não, nós não podemos”. Pelo menos em Iowa essa mensagem mostrou ser perdedora.

Sobre o autor

John Cassidy has been a staff writer at The New Yorker since 1995. In 2012, he began writing a daily column about politics and economics on newyorker.com. He has covered two Presidential elections, and has written extensively about the Trump Administration. He is also a regular contributor to The New Yorker’s political podcast, “Politics and More.” He has written many articles for the magazine, on topics ranging from Alan Greenspan and Ben Bernanke to the intelligence failures before the Iraqi War and the economics of John Maynard Keynes. He is the author of two books: “How Markets Fail: The Logic of Economic Calamities” and “Dot.Con: How America Lost Its Mind and Money in the Internet Era.” Before joining The New Yorker, he worked for the Sunday Times of London and the Post. He graduated from Oxford University in 1984 and from the Columbia School of Journalism in 1986. He grew up in Leeds, West Yorkshire.

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