30 de novembro de 2015

A pior empresa do mundo

Corporação Vale do Brasil mascara exploração brutal com a linguagem da solidariedade Sul-Sul.

Judith Marshall

Jacobin


Tanto durante quanto depois de seus dois mandatos, o ex-presidente Lula apostou muito do seu legado na cooperação "Sul-Sul" com a África. Em troca, ele é tido pelo continente quase que com a mesma estima que os líderes das lutas de libertação, como o sul-africano Nelson Mandela ou o moçambicano Samora Machel.

Em sua primeira visita presidencial a Moçambique, em 2003, Lula foi recebido como um herói e fez discursos emotivos sobre a importância da solidariedade entre o Sul Global. Ele respondeu com empatia à epidemia de HIV e prometeu apoio brasileiro em um projeto de produção de medicamentos a preços acessíveis para combatê-la.

Mas, talvez, o mais revelador não tenha sido o que Lula disse na África, mas quem ele levou consigo. A comitiva brasileira incluía Roger Agnelli, ex-banqueiro que desempenhou um papel de destaque na avaliação de uma importante empresa estatal, a Companhia Vale do Rio Doce, antes de sua privatização em 1997.

Posteriormente, Agnelli tornou-se o primeiro presidente executivo da Vale, liderando a corporação nomeada a "pior empresa do mundo" em 2012 por ativistas devido a suas relações trabalhistas, seus impactos na comunidade e suas pegadas ambientais.

Não que isso tenha manchado a reputação de Agnelli. Impulsionado pelo "superciclo das commodities" com aumentos médios de 150% entre 2002 e 2012, pela aparente infinita demanda chinesa por minério de ferro e pelo abundante capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Agnelli parecia ter o toque de Midas. O tempo em que ele esteve no comando da Vale foi caracterizado por uma expansão global agressiva e por lucros e retornos fabulosos aos acionistas.

A equipe de relações públicas de Agnelli na Vale trabalhou duro para projetar um espírito de cooperação Sul-Sul em sincronia com a retórica de Lula, alegando que os investimentos em mineração do Brasil no Sul Global trariam empregos e desenvolvimento econômico, diferentemente das empresas do "Norte" imperialista.

Porém, ao rastrear a trajetória da Vale, seja em Moçambique, onde ela iniciou um investimento pioneiro em mineração de carvão, ferrovias e um complexo portuário, ou no Canadá, onde ela adquiriu operações de níquel já estabelecidas, ou dentro do Brasil, surge uma figura bem diferente, caracterizada pela dissonância clara entre a retórica da empresa e as realidades no terreno em todas as suas operações globais.

Como parte da equipe do fundo internacional de desenvolvimento dos trabalhadores, criado pela United Steelworkers (Trabalhadores do Setor de Metais Unidos, em tradução livre), o principal sindicato a representar os mineiros do Canadá, eu tive a oportunidade de monitorar essa desconexão durante a última década, tanto no Canadá, depois que a Vale comprou a Inco, a maior mineradora do país, quanto em Moçambique, onde o sindicato possui vínculos de longa data através de seus programas de formação sindical.

O histórico da Vale mostra que as práticas e atitudes de corporações multinacionais sediadas nos países-membros do BRICS não são diferentes das empresas internacionais de mineração ligadas aos países do centro capitalista.

Ao chegar no Canadá, a Vale gabou-se de sua experiência em gestão corporativa, das suas credenciais de Wall Street e da sua habilidade em lidar com sindicatos intrometidos. A empresa insistiu em grandes concessões como condições prévias até mesmo da mesa de negociação, provocando greves do sindicato de 11 e 18 meses, uma longa queda-de-braço na qual a Vale ganhou grande parte do que queria.

Tito Martins, um executivo da empresa, deixou bem claras as intenções da Vale ao fim da primeira greve numa reportagem intitulada "Vale comemora redução do poder do sindicato no Canadá", publicada no jornal Valor Econômico:

"O que era importante para a Vale nessa negociação era conseguir o alinhamento dos empregados do Canadá como um todo ao tipo de relação que a empresa mantém com seus funcionários no resto do mundo, que envolve três pontos cruciais: plano de pensão, bônus e linha de comando entre empregador e empregado sem intervenção direta do sindicato."

Desde 2011, a empresa viu acontecerem cinco mortes no país: uma em Thompson, no estado canadense de Manitoba, e quatro em Sudbury, Ontário, além de mais duas numa operação contratada a um braço de distância da Vale. Como um trabalhador disse: "Seja no subterrâneo ou na fundição e refinaria, a Vale tornou tudo mais perigoso do que era antes".

Mas a empresa deixou um legado ainda pior na África, onde é menos restringida por leis do governo. No entanto, é lá onde a Vale alega estar ajudando milhares de pessoas.

Vale na África

Diz a lenda que Lula apresentou Agnelli e a Vale a Moçambique, encorajando o então presidente Armando Guebuza a rejeitar a oferta chinesa pelos depósitos de carvão moçambicanos, porque os chineses levariam seus próprios trabalhadores, em vez de contratarem mão-de-obra local.

Seja qual for o envolvimento de Lula, Agnelli foi convidado pouco depois da visita do presidente brasileiro em 2003 para tornar-se membro do conselho consultivo internacional de Guebuza. Pouco depois, a Vale foi a primeira empresa multinacional a ganhar licença para desenvolver as principais reservas de carvão de Moçambique.

Semelhante à visita de 2003, durante seu retorno a Moçambique em 2012, Lula transmitiu mensagens contraditórias de solidariedade, por um lado, e propagandeou o investimento de empresas brasileiras, por outro. Mas dessa vez ele chegou com o sucessor de Agnelli, Murilo Ferreira.

Durante a viagem, o ex-presidente deu uma conferência pública intitulada "A luta contra a desigualdade social", apresentado por Graça Machel, viúva do primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, e uma figura pública bem conhecida pelos seus próprios atos. Ela definiu Lula como um herói do povo, assim como Samora. Lula, por sua vez, falou sobre a experiência do Brasil sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), caracterizando-o como um de crescimento e ao mesmo tempo de divisão do bolo econômico, além de garantir a criação de empregos e de programas sociais de redistribuição de renda que poderiam aliviar a pobreza.

Ele incitou empresas brasileiras a investirem em Moçambique para contribuir com a luta contra a desigualdade, em nome da justiça social. Porém, pouco depois da palestra, Lula uniu-se ao novo presidente da Vale numa campanha de lobby junto à ministra do trabalho de Moçambique, Helena Taipo, para reduzir as restrições aos trabalhadores estrangeiros nas operações da mineradora brasileira no país.

A revista Veja falou sobre o caso:

"A Vale foi uma das patrocinadoras do tour que Luiz Inácio Lula da Silva fez há duas semanas pela África. O presidente da empresa, Murilo Ferreira, viajou no mesmo jatinho do ex-presidente até Moçambique. Lá, eles se reuniram com a ministra do Trabalho, Helena Taipo, que vem colocando barreiras para a exploração de carvão pela empresa brasileira na mina de Moatize, uma das maiores do mundo. Na reunião, Lula tentou, sem sucesso, convencê-la a derrubar a exigência de empregar 85% de mão de obra moçambicana no empreendimento."

A pressão brasileira para reduzir o controle moçambicano sobre os trabalhadores estrangeiros não é novidade. Num encontro com trabalhadores de Canadá e Brasil em 2011, nos reunimos com o diretor de trabalho da província Tete e fomos informados de que a Vale constantemente pressiona as autoridades para que permitam à empresa exceder as cotas de trabalhadores estrangeiros anteriormente negociadas.

A fase de construção do projeto da mina incluiu não apenas um grande número de trabalhadores brasileiros, como também trabalhadores de construção das Filipinas. Muitos destes foram contratados pela Kentz Engineers and Contractors, uma empresa que opera em quase trinta países e comanda uma das maiores refinarias de níquel e cobalto do mundo, em Madagascar.

A Kentz emprega mais de 2.500 trabalhadores filipinos fora de seu país em suas operações globais. Depois que muitos filipinos trabalhando pela Kentz em Madagascar foram repatriados no fim de 2010, eles abriram denúncias junto à Administração Filipina de Emprego em País Estrangeiro (Philippines Overseas Employment Administration, ou POEA) alegando práticas de trabalho injustas pela Kentz, incluindo atrasos de pagamentos, alojamentos superlotados, falta de alimentos e atendimento médico inadequado.

A Kentz foi uma das muitas empreiteiras contratadas pela Vale Moçambique conforme esta construía em suas concessões de carvão em Moatize, no noroeste do país. Inspetores do departamento encontraram trabalhadores no canteiro de obras que tiveram negadas as férias, os fins de semana e o vestuário de proteção adequado. A Kentz também não registrou seus trabalhadores moçambicanos na previdência social.

Em 18 de novembro de 2011, o Ministério do Trabalho de Moçambique finalmente respondeu, expulsando 115 trabalhadores, a maioria da África do Sul e das Filipinas, ilegalmente levados ao país pelos subcontratados da Vale. A Kentz Engineers foi multada em quase 34 milhões de meticais (cerca de 1,1 milhão de dólares) e recebeu 30 dias para acertar as irregularidades.

Os trabalhadores com base em Tete que participaram nos intercâmbios internacionais indicaram que a fase operacional da mina de carvão de hoje emprega não apenas o número máximo da cota, ou mais, de trabalhadores brasileiros, como também muitos outros estrangeiros, com ou sem status de residência legal, vindos de países vizinhos e de fala inglesa, como Zimbábue, Zâmbia e Malawi. Filhos e sobrinhos de figuras do poderoso governo moçambicano e de empresários na capital nacional, Maputo, também ganham empregos cobiçados na Vale.

Além disso, o desenvolvimento mais amplo prometido pelo Partido dos Trabalhadores e pelos funcionários da Vale é incerto. Apesar de serem os mais impactados pelo crescimento da mineração — e de serem quem lida com a poluição, a escassez de moradias e de outros serviços, o trânsito, o barulho e o aumento do custo de vida —, as pessoas nas comunidades locais ao redor da mina e os nativos da cronicamente subdesenvolvida província Tete têm visto raros empregos novos e poucos benefícios a partir do projeto.

As poucas oportunidades de emprego geradas pelas operações de mineração e as drásticas desigualdades nos salários e benefícios entre estrangeiros e cidadãos nacionais criam uma indignação generalizada. Um trabalhador da Vale comentou: "Trabalho ao lado de estrangeiros, mas eles ganham quatro vezes mais do que eu". Outro disse: "Os operadores de máquinas moçambicanos trabalham junto aos brasileiros, alguns dos quais possuem menos treinamento do que os moçambicanos, mas o brasileiro é automaticamente o supervisor".

Estes sentimentos foram expressos numa pesquisa realizada em 2012 para determinar se as experiências dos trabalhadores da Vale no Brasil eram semelhantes às vividas pelos trabalhadores da empresa em Moçambique e no Canadá. Esses comentários expressam o vazio das promessas da Vale de criar postos de trabalho para moçambicanos, e também demonstram a força do sentimento antibrasileiro, que não é muito diferente dos sentimentos antiamericanos ou antibritânicos nos lugares onde se estabelecem empresas desses países.

Moçambique, assim como outros governos africanos, não possui os meios ou a vontade política de usar megaprojetos em mineração como pilares estratégicos para uma tática industrial mais ampla. Projetos de mineração tendem a se tornar enclaves, articulados globalmente, mas desconectados de seu próprio país.

Embora não haja estudos sistemáticos para analisar, o sentimento geral em Moçambique sugere que a Vale está, na verdade, diminuindo os empregos. Reassentamentos forçados para dar espaço às minas deixaram famílias rurais sem terra ou água para suas atividades agrícolas, e sem acesso aos mercados locais.

Um estudo recente realizado por Antonio Jone para o Observatório do Meio Rural moçambicano concluiu que famílias enviadas para reassentamentos rurais em Cateme foram afetadas negativamente. A aderência tão elogiada da Vale a todas as recomendações do Banco Mundial sobre reassentamentos forçados está, na verdade, longe da realidade.

Nos relatórios oficiais de sustentabilidade da Vale e em seus vídeos de Relações Públicas, os reassentamentos moçambicanos são considerados modelos de excelência. Mas o "relatório de insustentabilidade" preparado pela Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale vai além da agitação para capturar as vozes dos reassentados que contam a história da falta de terra, da falta de água e de casas com rachaduras nas paredes e fundações desintegrando-se depois da primeira estação chuvosa.

O estudo mais recente de Antonio Jone, sobre "segurança alimentar" nos reassentamentos da Vale, confirma que eles têm sido tudo, menos uma história de sucesso, e, na verdade, deixaram as condições dos produtores camponeses muito piores do que estavam antes da remoção. Além disso, os artesãos das áreas afetadas pela concessão de mineração, como os que fazem tijolos, por exemplo, ficaram sem lugar para venderem.

Nos últimos anos eles têm realizado atividades de lobby agressivas direcionadas tanto ao governo moçambicano quanto à Vale. Adotando uma prática da cartilha corporativa, os artesãos argumentam que sofreram perdas permanentes de seus meios de subsistência através dos quais poderiam esperar uma renda vitalícia em torno de 350 mil dólares, em vez dos 2 mil que a Vale lhes pagou a princípio.

Em junho de 2013, a Vale declarou que a questão estava definitivamente fechada. Ela foi forçada a reabrir as discussões sobre a compensação, no entanto, pois os fabricantes de tijolos continuaram exigindo suas demandas com barricadas que pararam a mineração, apesar da prisão de seus líderes. O governo moçambicano respondeu com contínuas expressões de preocupação com os lucros perdidos por seu "parceiro no desenvolvimento", a Vale.

Vale no Brasil

As ações da Vale também fizeram com que a empresa ganhasse inimigos em casa. A expansão agressiva da corporação nos anos desde a sua privatização transformou-a na terceira maior mineradora do mundo, com operações em 13 estados brasileiros e em 27 países em seis continentes.

Apesar de suas origens como uma empresa estatal próxima ao governo brasileiro, a ascendência da Vale para seu status atual de empresa global foi caracterizada, assim como qualquer outra corporação capitalista, por uma devoção desmedida e obstinada aos altos lucros e generosos dividendos para seus diretores e acionistas.

Muitos brasileiros estão particularmente indignados com a forma com que esse ícone nacional passou para as mãos privadas em 1997 como parte do padrão global de privatizações sob programas de ajustes estruturais. Nos anos antes da chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, o BNDES assumiu a responsabilidade de promover privatizações. A venda da Vale é considerada o episódio de privatização mais escandaloso na história do Brasil.

A empresa foi vendida por cerca de 3,3 bilhões de dólares num período de paridade entre o real e o dólar. Uma apresentação de 2004 ao Tribunal Regional Federal (TRF) em Brasília apontou uma série de irregularidades que provavam que a Vale foi subavaliada. Algumas minas foram ignoradas nos cálculos, e outras, incluindo o setor florestal, depreciadas. Incontáveis ativos de valores enormes (tecnologias, patentes e conhecimento técnico relacionado à geologia e engenharia de minas) não foram nem sequer considerados e a participação acionária da Vale em outras empresas foi ignorada.

A lista de irregularidades é enorme. O Bradesco, banco responsável pela avaliação, tomou o controle da Vale um ano depois, e, não por acaso, o primeiro presidente da Vale, Roger Agnelli, era um ex-diretor executivo do banco.

Até mesmo uma década depois, um plebiscito informal pela renacionalização da Vale, organizado por sindicatos, estudantes e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 2007 conseguiu mobilizar três milhões de votos. Apesar de o presidente Lula aparentemente não dar atenção às demandas do plebiscito, ele pressionou publicamente a Vale durante a crise econômica global que se seguiu.

A Vale tentou tirar vantagem da crise de 2008 para realizar demissões em massa e suspender investimentos planejados na indústria siderúrgica brasileira. Lula usou o sentimento popular contrário à privatização expressado através do plebiscito para justificar uma bronca pública que deu em Agnelli. Ele sugeriu que, para uma empresa tão próxima do governo quanto a Vale, havia uma obrigação de responder ao momento de turbulência global desempenhando um papel estabilizador.

Durante o ano de 2009, a visão do governo brasileiro sobre o papel que a Vale deveria assumir e a visão de Agnelli estavam abertamente desalinhadas. Por volta de setembro, a revista brasileira Exame sugeria que o governo planejava destituir Agnelli. Numa reportagem intitulada "Lula critica Agnelli e articula saída do presidente da Vale", o jornalista Rafael Souza Ribeiro reportou:

"Não é de hoje a vontade do governo em elevar sua participação no controle administrativo da Vale. Só este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já falou algumas vezes que a mineradora precisa investir mais no Brasil para proporcionar emprego à população. Desde que demitiu mais de mil funcionários no ano passado em decorrência da crise econômica, Roger Agnelli, presidente da Vale, caiu em desencanto nos bastidores do governo."

É verdade que o uso da crise global por Agnelli para justificar a demissão de 1.300 trabalhadores e recuar nos seus compromissos de investimento na produção de aço no Brasil voltou para assombrá-lo quando o mandato de Lula terminou em 2011. A nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, orquestrou uma tentativa de mudança na liderança da Vale entre os blocos de acionistas da empresa próximos ao governo.

Murilo Ferreira assumiu o posto como novo presidente em 2011 e logo depois começou a visitar as operações da Vale por todo o mundo. A mudança na liderança de Agnelli para Ferreira e as promessas da Vale de uma gestão mais humana e de redução do estresse trouxeram esperança de mudança, mas as expectativas levantadas foram rapidamente frustradas pelo desprezo demasiado de Ferreira em relação aos líderes sindicais ao longo de sua turnê inaugural. No entanto, em resposta às críticas, ele concordou em se encontrar com 14 presidentes de sindicatos das operações da Vale ligadas à mineração no Brasil em setembro de 2011.

De acordo com um relatório de Valério Vieira, presidente do Sindicato Metabase Inconfidentes, que representa duas minas da Vale no estado de Minas Gerais, a maioria dos líderes sindicais presentes estavam felizes em comprar a ideia de Ferreira de uma Vale mais boazinha e amável e louvavam sua prontidão em dialogar. Eles elogiaram sua aparente emoção durante a discussão sobre as mortes no local de trabalho.

Mas Vieira – que, entre idas e vindas, trabalhou na Vale por 25 anos – não estava convencido. Em seu relatório para a Metabase, compartilhado com ativistas da Vale em outros países, Vieira contou que disse a Ferreira que o presidente levaria bem mais do que três meses para mudar o curso da Vale depois de uma década sobre a liderança de Agnelli. Além disso, demandaria um nível de vontade política que ainda não tinha sido demonstrada.

O relatório de Vieira da reunião identificou oito características do trabalho da Vale no Brasil: 1) A Vale é reconhecida por ser fortemente oposta aos sindicatos; 2) Um trabalhador da Vale tende a ganhar menos do que trabalhadores em lugares semelhantes; 3) Os gerentes da Vale constantemente constrangem os trabalhadores; 4) A Vale impõe metas de produção extremamente distantes da realidade; 5) Trabalhadores da Vale vivem sob ameaças constantes de serem demitidos sem justa causa; 6) Supervisores da Vale impõem medidas disciplinares arbitrárias frequentemente; 7) Trabalhar na Vale significa trabalhar em condições perigosas porque a Vale coloca a produção acima de todo o resto e muitas vezes encobre incidentes de saúde e segurança; 8) A Vale regularmente tenta comprar os sindicatos e os líderes do governo oferecendo veículos, viagens, cartões de crédito e outros privilégios.

Em 2012, um pequeno grupo de trabalhadores da Vale no Canadá, em Moçambique e no Brasil foram questionados sobre essas oito características do trabalho na Vale identificadas por Vieira para responderem se elas eram aplicáveis às suas realidades. Embora as situações em cada país sejam diferentes, a resposta esmagadora à pesquisa foi que a caracterização do trabalho na Vale feita por Vieira ressoava profundamente com outros países.

Por trás do marketing

Apesar dessas contradições, a Vale lidera as corporações brasileiras que alcançaram o status de "competidoras mundiais". Empresas como a Vale projetam uma imagem de si mesmas como "motores do desenvolvimento" tanto no Brasil quanto nos países onde investem, gerando emprego e crescimento econômico, um símbolo do "Brasil global".

Em contrapartida, o Estado brasileiro atribui grande importância ao apoio que dá a essas empresas. As grandes quantias de crédito concedidas pelo BNDES e outras políticas públicas criadas para apoiar e facilitar os investimentos globais das multinacionais brasileiras são vistas como plenamente justificadas e as atividades das empresas são retratadas como vantajosas para o Brasil como um todo.

O argumento é que através dessas "competidoras globais" o Brasil irá aumentar a entrada de capital estrangeiro (através dos depósitos dos lucros), aumentar as exportações, ampliar sua inserção nas cadeias de inovação global e beneficiar seus fornecedores, que também aumentam sua produção.

Esta narrativa está enquadrada no paradigma neoliberal: um país que quer ganhar uma posição hegemônica globalmente precisa de grandes empresas. Embora sejam tomadas por interesses privados e pela priorização aberta dos grandes lucros e retornos altos aos diretores e acionistas, as grandes empresas brasileiras e suas expansões globais são tratadas como sinônimos dos "interesses nacionais" brasileiros. A resistência dos trabalhadores e da comunidade às operações dessas empresas, seja em seu país natal ou no exterior, é prontamente vista como criminosa.

Será que essa tão anunciada ascensão dos BRICS a um grupo de elite de potências globais realmente abrange os interesses nacionais de todos os cidadãos do Brasil? Será que todos brasileiros veem o sucesso da Vale como uma "competidora global" como motivo para celebração? Será que pensam que a habilidade da Vale em entrar para a competição feroz entre as gigantes globais num mundo de grandes minerações significa que o Brasil "chegou lá", que agora pode ficar em pé, levantar a cabeça, ocupando orgulhosamente seu lugar no G20 entre os países "desenvolvidos" do Norte?

Assumir o sucesso da Vale e os interesses nacionais do Brasil como sinônimos é operar dentro de um velho discurso sobre desenvolvimento que vê a transição do estado-nação de uma sociedade agrária para industrial como o objetivo, com o Estado como o principal ator. Além disso, a sociedade nacional é considerada como o principal alvo de planejamento do desenvolvimento, e investidores estrangeiros diretos são apontados como a principal fonte de capital para realizar as metas de desenvolvimento de empregos, modernização e crescimento econômico.

Talvez compreenda-se melhor as corporações multinacionais dos BRICS ao sair desse velho discurso sobre desenvolvimento baseado em territórios, e situá-las, em vez disso, como agentes num novo discurso global baseado em fluxos. Este é um mundo onde há uma economia transnacional plenamente articulada em fluxos de capital, informação, tecnologia, equipamento e até mesmo terra, trabalho e forças de segurança particulares. Toda essa economia global opera fora da lógica e muito fora das regulações em jurisdições nacionais.

Uma grande mineradora tem responsabilidade mínima pelo território — e pelos cidadãos — no qual acontecem suas operações de mineração, atuando, em vez disso, através de cadeias de fornecimento globais e de fluxos altamente articulados que hoje caracterizam a economia global.

Corporações usam instrumentos de marketing para “pintar de verde” sua imagem com forte linguajar de sustentabilidade ou "pintá-la de azul", envolvendo-se no linguajar legitimador do Pacto Global das Nações Unidas. O que é apresentado ao público como necessidade de uma licença social para operar é, de fato, considerado internamente um exercício de gestão de riscos de segurança. Empresas são guiadas fundamentalmente por suas preocupações de controle de riscos, e veem qualquer pessoa, política ou instituição que entra no seu caminho como um risco de segurança e, consequentemente, um inimigo da corporação.

André Almeida, ex-diretor do Departamento de Inteligência e Segurança Corporativa da Vale, entregou recentemente um grande número de documentos a um promotor do Estado brasileiro que apontavam o envolvimento da Vale em uma ampla rede de espionagem e infiltração focada em pessoas e organizações consideradas pela empresa como inimigas. Entre estes estão jornalistas respeitados, advogados e ativistas de direitos humanos, assim como organizações, como Justiça nos Trilhos e Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale.

Por mais perturbador que possa ser o comportamento da Vale, ele não é diferente das divisões de classe tanto dentro do Brasil quanto fora. As forças sociais da elite brasileira e de outros BRICS que pretendem tornar seus países competitivos na economia global são parte de uma nova classe transnacional de vencedores produzidos pela globalização. Através de suas corporações multinacionais, como a Vale, eles aspiram um consumo de classe mundial.

O desejo do governo e dos líderes empresariais nos BRICS em alcançar status global, medido por triunfos como receber as Olimpíadas e a Copa do Mundo, pode genuinamente incluir um componente de recuperação de orgulho, dignidade e respeito depois de séculos de humilhação colonial. A visão buscada, no entanto, não oferece nenhuma outra alternativa à ordem mundial atual de produção exploradora e consumo para poucos. As práticas dos capitalistas emergentes do Brasil, da Índia, da África do Sul ou da China distinguem-se muito pouco do saque de seus competidores globais ligados aos velhos centros imperiais da Europa e da América do Norte.

A visão dos BRICS exclui os pobres dentro de suas próprias nações e ignora o impacto ambiental do modelo de crescimento que aspiram ter. O desejo dos BRICS em serem agentes no sistema global mundial e consumidores de "classe mundial" reforça as disparidades existentes e inflige mais danos ao ambiente, transformando-os em importantes perpetradores de instabilidade e injustiça global.

Sobre o autor

Judith Marshall se aposentou recentemente após vinte anos no sindicato dos metalúrgicos canadenses, onde coordenou projetos do Steelworkers Humanity Fund no sul da África e organizou programas de intercâmbio global.

29 de novembro de 2015

O papel estratégico do Brics

Luciano Coutinho


No primeiro dia deste mês, a manchete desta Folha foi a reportagem "BNDES suavizou exigências para socorrer amigo de Lula", na qual o jornal afirma que o banco contornou norma interna que impediria conceder empréstimos para empresa cuja falência tenha sido requerida.

A matéria insinua que o objetivo seria dar tratamento privilegiado à empresa São Fernando Energia e a seu acionista José Carlos Bumlai por conta de uma suposta relação com o ex-presidente Lula.

Não houve nenhuma flexibilização de normas internas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A operação referida pela Folha foi feita na modalidade indireta, em que o BNDES atua em parceria com bancos credenciados.

Nesse caso, a análise do crédito e o risco de inadimplemento (pagar os valores devidos caso o mutuário não o faça) são assumidos pelos agentes repassadores, que foram BTG e Banco do Brasil. Em particular, cabem aos agentes atestar que fizeram a análise cadastral, o que incluiu identificar e avaliar processos judiciais e apontamentos que ameacem a solvência do postulante final.

O jornal tentou fazer crer que a operação seria irregular em razão da suposta existência de uma norma interna que vedaria financiar uma pessoa jurídica contra a qual exista um pedido de falência. O normativo em questão, contudo, tem sua finalidade ligada intimamente à etapa de análise de crédito, que, repita-se, nas operações indiretas não cabe ao BNDES, mas aos repassadores da operação.

A Folha não tinha nenhum indício de que teria havido tráfico de influência, mas tentou por dias encontrar algo atípico na operação. Não encontrou nada, mas nem assim deixou de levar sua insinuação à frente.

O jornal também ignorou o contexto em que os financiamentos ao grupo ocorreram. O primeiro, em 2008, aconteceu em um período de crescimento do setor, quando o BNDES e outras instituições financeiras apoiaram dezenas de empreendimentos semelhantes.

Nas operações da São Fernando Açúcar e Álcool, todos os procedimentos foram observados, as devidas garantias exigidas, o rating e o cadastro da empresa eram bons. O projeto foi concluído.

Em 2012, o financiamento indireto à São Fernando Energia ocorreu como parte da reestruturação do grupo, o que melhorou a posição de crédito do BNDES. Quando a empresa deixou de honrar com sua recuperação judicial, o banco não hesitou em pedir sua falência.

O erro da Folha foi grave, pois lançou uma suspeição indevida sobre o BNDES, que se espalha nas redes sociais e contribuiu para associar o nome do banco a operações policiais.

Para ser aprovado, um financiamento no BNDES passa pela avaliação de pelo menos duas equipes de análise e dois órgãos colegiados, num processo que envolve mais de 50 pessoas. Ingerências impróprias são virtualmente impossíveis.

O banco tentou em vão por 25 dias obter uma retratação da Folha. A concessão foi abrir este espaço de artigos, que não tem o mesmo impacto de uma manchete de domingo.

Embora a nova Lei de Direito de Resposta seja um avanço, optamos por não nos valer de seus mecanismos judiciais para reestabelecer mais rapidamente os fatos para os leitores.

O BNDES não teme o debate e nem ser avaliado por suas opções estratégicas. Mas as informações precisam ser fidedignas para que a discussão seja justa.

Sobre o autor

Luciano Coutinho, 69, economista e professor da Unicamp, é presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

28 de novembro de 2015

Edward Snowden recebe Arundhati Roy e John Cusack: "Ele era pequeno e ágil, como um gato de casa"

A escritora indiana recorda um encontro extraordinário em um hotel de Moscou com o denunciante da NSA

Arundhati Roy

The Guardian

Tradução / O que aconteceu em Moscou não foi uma entrevista formal. Tampouco foi um encontro secreto entre super-heróis mascarados. Fato é que John Cusack, Daniel Ellsberg (que vazou documentos do Pentágono durante a Guerra do Vietnam) e eu recebemos o cauteloso e diplomático Edward Snowden. E, infelizmente, as brincadeiras e as discussões que tiveram lugar no quarto 1001 não podem ser reproduzidas. A conferência que se deu ali não pode ser descrita em todos os seus detalhes. Na verdade, ela definitivamente não pode ser descrita. O mundo é uma centopeia que avança sobre as patas de milhões de conversas reais. E aquela certamente foi uma conversa real.

O que importava mesmo, talvez até mais do que foi conversado ali, era a atmosfera daquele quarto. Havia um Edward Snowden que, depois do 11/09, estava endossando Bush e se alistando para a Guerra do Iraque. E havia aqueles como nós que, após 9/11, tinham feito exatamente o contrário. Já era tarde para essa conversa, é claro. O Iraque foi completamente destruído. E agora o mapa do que condescendentemente chamamos de "Oriente Médio" está sendo brutalmente redesenhado (mais uma vez). E ainda assim lá estávamos nós, todos nós, conversando entre si em um hotel esquisito na Rússia.

O lobby opulento do Moscow Ritz-Carlton estava repleto de milionários bêbados, ébrios pela fortuna nova e pelas lindas mulheres jovens, meio camponesas, meio supermodels, laçadas nos braços de senhores bajuladores - gazelas em seu caminho para a fama e para a fortuna, pagando suas dívidas aos sátiros que irão carregá-las. Nos corredores, você passa por algumas brigas sérias, cantando alto e tranquilo, enquanto os garçons conduziam carrinhos com torres de comida e talheres, para dentro e para fora dos quartos. No quarto 1001, nós estávamos tão perto do Kremlin que, se você colocasse sua mão para fora da janela, poderia quase tocá-lo. Nevava lá fora. Estávamos profundamente mergulhados no inverno russo - nunca reconhecido suficientemente por seu importante papel na Segunda Guerra. Edward Snowden era muito menor do que eu imaginei. Pequeno, ágil e puro, como um gato. Ele cumprimentou Dan em êxtase e nos saudou calorosamente. "Eu sei porque você está aqui", ele me disse, sorrindo. "Por quê?" "Para me fazer radicalizar." Eu ri.

Nos estabelecemos nos vários bancos e cadeiras e na cama de John. O Dan e o Ed pareceram muito satisfeitos em se conhecer e tinham tanto a conversar, que até ficou difícil de se intrometer no assunto deles. Às vezes eles falavam em algum tipo de linguagem em código: "(...) TSSCI" "Não, porque, como eu disse, este não é DS, este é da NSA. Na CIA, ele é chamado COMO". PRISEC ou PRIVAC?" (...) “TS, SI, TK, GAMMA-G (…)" etc.

Demorou um pouco até que eu me sentisse à vontade para interrompê-los. Snowden desarmou minha pergunta sobre ser fotografado segurando a bandeira americana revirando os olhos e dizendo: "Ah, cara. Não sei. Alguém simplesmente me entregou uma bandeira e tirou a foto. "E quando eu perguntei por que ele se inscreveu pra Guerra do Iraque, enquanto milhões de pessoas do mundo todo se opunham ao conflito, ele respondeu de maneira igualmente desconcertante: "Eu fui enganado pela propaganda".

Dan falou um pouco sobre como era incomum aos americanos que atuavam no Pentágono e na Agência Nacional de Segurança [NSA] terem lido alguma coisa sobre o Excepcionalismo americano e sobre sua história de guerra. (E, depois de terem entrado, era pouco provável que o assunto lhes interessasse). Ele e o Ed tinham observado isso ao vivo, em tempo real, e ficaram horrorizados o suficiente para arriscar suas vidas e sua liberdade quando decidiram ser denunciantes. O que os dois claramente tinham em comum era uma forte e quase corpórea sensação de força moral - de certo e errado.

Um senso de justiça que, obviamente, funcionava não apenas quando eles decidiam denunciar aquilo que eles consideravam moralmente inaceitável, mas também na época em que eles se inscreveram para os seus empregos - Dan para salvar seu país do comunismo, Ed para salvá-lo do terrorismo islâmico. E o que eles fizeram, quando veio a desilusão, foi tão eletrizante e tão dramático, que passaram a ser identificados por esse único ato de coragem.

Perguntei ao Ed Snowden o que ele achava da capacidade de Washington para destruir países e sua incapacidade para vencer guerras (apesar da vigilância de massa). A pergunta foi formulada de um jeito grosseiro - algo como: "Quando foi a última vez que os EUA venceram uma guerra?" Discutimos se as sanções econômicas e a posterior invasão do Iraque poderiam ser classificadas como genocídio. Conversamos sobre o papel da CIA - que se preparava - em um mundo onde a guerra não se travava apenas entre países, mas funcionava através de guerras internas, no qual seria necessário controlar as populações com vigilância de massa. E sobre como os exércitos estavam se transformando em forças policiais para administrar os países invadidos e ocupados, enquanto a polícia - mesmo em lugares como a Índia e o Paquistão ou Ferguson, Missouri, nos Estados Unidos - estava sendo treinada para operar como exército e acabar com insurreições internas.

Ed falou por algum tempo sobre vigilância. E aqui eu vou citar coisas que ele havia dito muitas vezes antes: "Se não fizermos nada, seremos sonâmbulos em um estado de vigilância total, uma espécie de super-Estado com capacidade ilimitada para aplicar a força bruta e para saber (sobre as pessoas) - e isso é uma combinação muito perigosa. Esse é o futuro sombrio. O fato de que eles sabem tudo sobre nós e nós não sabemos nada sobre eles - porque eles são secretos, eles são privilegiados, eles são uma classe separada... são uma elite, a classe política, a classe que tem acesso aos recursos - não sabemos onde eles vivem, não sabemos o que eles fazem, nós não sabemos quem são seus amigos. Eles têm a capacidade de saber tudo sobre nós. Esse é o futuro, mas eu acho que há esperança."

Eu perguntei ao Ed se a NSA não estava apenas fingindo se irritar com suas revelações, e secretamente ficando satisfeita por ser reconhecida como essa agência onisciente que tudo vê - afinal isso ajuda a manter as pessoas com medo, fora de equilíbrio, sempre olhando por cima dos ombros e fáceis de gerenciar. Dan falou sobre como, mesmo nos EUA, ainda faltava outro 9\11 para que chegássemos em um estado policial: "Nós não vivemos em um estado policial agora, ainda não. Eu estou falando do que pode vir a acontecer. Veja bem: pessoas brancas, de classe média, com acesso a educação, como eu, não estão vivendo em um estado policial; mas as pessoas negras e pobres estão vivendo essa realidade. A repressão começa com o semi-branco, aquele do Oriente Médio, incluindo seus aliados, e daí em diante só piora. Mais um 9/11 e então teremos centenas de milhares de detenções. Pessoas do Oriente Médio ou muçulmanos serão colocados em campos de detenção ou deportados. Depois do 9/11, tivemos milhares de pessoas presas sem acusação. Mas eu estou falando do futuro. Eu estou falando sobre algo à nível dos japoneses nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Eu estou falando de centenas de milhares em campos de concentração ou deportados. E a vigilância é muito relevante para isso. Eles saberão quem perseguir - os dados já foram recolhidos." (Quando ele disse isso, eu me perguntei como tudo seria diferente se Snowden não fosse branco.)

Nós conversamos sobre guerra e ganância, sobre terrorismo e sobre qual seria sua definição mais precisa. Falamos sobre países, bandeiras e sobre o sentido do patriotismo. Nós conversamos sobre a opinião pública e sobre o quão inconstante poderia ser seu conceito de moralidade, tão facilmente manipulável. Não era uma conversa só de perguntas. Estávamos em uma reunião incongruente. Ole von Uexküll da Fundação Right Livelihood, na Suécia, eu e três norte-americanos problemáticos. John Cusack, que organizou tudo, vem também de uma excelente tradição - de músicos, escritores, atores, atletas que se recusam a engolir toda essa baboseira e, no entanto, são muito bem tratados.

O que será de Edward Snowden? Será que ele vai poder voltar pros EUA? Suas chances não parecem boas. O governo dos EUA, bem como ambos os principais partidos políticos - querem puni-lo pelo enorme dano que causou, na percepção deles, às políticas de segurança. (Também Chelsea Manning e os demais denunciantes). Se não for possível matar ou prender Snowden, ele tendem a usar tudo que puderem para limitar os danos que ele causou e continua a causar. Uma das formas é tentar conter, cooptar e manobrar o debate em torno das denúncias. E, em certa medida, eles conseguem fazer isso.

No debate da Segurança Pública vs. Vigilância de Massa que está ocorrendo nos meios de comunicação ocidentais tradicionais, o objeto de amor são os EUA. Os EUA e suas ações. Eles são morais ou imorais? Eles estão certos ou errados? São os denunciantes patriotas ou traidores americanos? Dentro dessa matriz de moralidade limitada, outros países e culturas - mesmo quando são vítimas de guerra dos norte-americanos - geralmente aparecem apenas como testemunhas no julgamento principal. Eles reforçam tanto o ultraje dos acusadores quanto a indignação da defesa.

O julgamento, quando efetuado nesses termos, serve para reforçar a ideia de que é possível existir uma superpotência moderada e moral. Será que nós não estaríamos testemunhando sua existência e ação? Sua mágoa? Sua culpa? Seus mecanismos de auto-correção? Sua mídia? Seus ativistas que não aceitam cidadãos americanos comuns (inocentes) sendo espionados por seu próprio governo? Nesses debates, que muitas vezes parecem ferozes e inteligentes, palavras como público, segurança e terrorismo são atiradas a esmo, mas elas continuam, como sempre, vagamente definidas e são usadas muito frequentemente na forma como o Estado norte-americano gostaria que fossem usadas.

É chocante que Barack Obama tenha aprovado uma "lista de morte" com 20 nomes. Mas é mesmo chocante? Que tipo de lista resumiria os milhões de mortos por todas as guerras americanas? Nesse contexto, Snowden, em seu exílio, deve permanecer estratégico e tático. Ele se encontra na posição impossível de ter de negociar os termos de sua anistia com as próprias instituições dos EUA que se sentem traídas por ele e, ao mesmo tempo, negociar os termos de sua estadia na Rússia com Vladimir Putin, não exatamente uma referência em humanitarismo. Assim as superpotências mantêm Snowden em uma posição difícil, na qual ele deve ser extremamente cuidadoso sobre como utiliza os holofotes que conquistou e o que diz publicamente.

Deixando de lado o que não pode ser dito, a conversa em torno da denúncia foi emocionante - com direito a uma boa dose de Realpolitik - atarefada, importante e cheia de juridiquês. Ela envolve espiões e caçadores de espiões, aventuras, segredos e denunciantes. É um universo, digamos, muito particular e perigoso. Que, no entanto, abriu margem para considerações políticas mais amplas, mais radicais, como a conversa que Daniel Berrigan, padre jesuíta, poeta e opositor à guerra (contemporâneo de Daniel Ellsberg) queria ter quando disse que "cada Estado-nação tende ao imperialismo - esse é o ponto”.

Fiquei contente de ver quando Snowden fez sua estréia no Twitter (ultrapassando meio milhão de seguidores em menos de um segundo) e disse: "Eu costumava trabalhar para o governo. Agora eu trabalho para o público". O implícito nessa frase é a perspectiva de que o governo não atua em função da população. E esse é o início de uma conversa subversiva e inconveniente. Por "governo", naturalmente, ele se refere ao governo dos EUA, seu antigo empregador. Mas o que ele quer dizer com "público"? O público norte-americano? Que parte do público dos EUA? Ele terá que decidir ao longo do caminho. Nas democracias, a separação entre um governo eleito e um "público" nunca é muito clara. A elite geralmente é fundida com o governo de forma homogênea. Visto por uma perspectiva internacional, se realmente existe tal coisa como "o público norte-americano", seria ele um público muito privilegiado. O único "público" que eu conheço é um labirinto complicado.

Estranhamente, quando penso sobre a reunião no Moscou Ritz-Carlton, a memória que lampeja é uma imagem do Daniel Ellsberg. Dan, depois de todas essas horas de conversa, deitado de costas na cama, com os braços abertos, semelhante a um Cristo, chorando por que os EUA se transformou em um país cujas "melhores pessoas" precisam ir para a prisão ou para o exílio. Fiquei comovida e preocupada com suas lágrimas - porque eram as lágrimas de um homem que viu a máquina de perto. Um homem que esteve lado a lado com as pessoas que a controlavam e que friamente contemplavam a ideia de aniquilar a vida na Terra. Um homem que arriscou tudo para denunciar esses absurdos. Dan conhece todos os argumentos. Ele freqüentemente usa a palavra imperialismo para descrever a história e a política externa dos EUA. E ele sabe que agora, 40 anos depois de tornar públicos os documentos do Pentágono, que mesmo se esses indivíduos em específico tiverem ido embora, a máquina continua a funcionar.

As lágrimas de Daniel Ellsberg me fizeram pensar sobre o amor, sobre a perda, sobre os sonhos - e, acima de tudo, sobre o fracasso. Que tipo de amor é esse que temos por países? Algum país virá um dia a viver de acordo com os nossos sonhos? Que tipo de sonhos são estes que foram arruinados? Não seria a grandeza das grandes nações diretamente proporcional à sua capacidade de ser cruel e genocida? Não seria razoável afirmar que a altura do "sucesso" de um país geralmente acompanha as profundezas de seu fracasso moral? E o que dizer sobre o nosso fracasso? Escritores, artistas, radicais, anti-nacionais, independentes, descontentes - o que dizer sobre o fracasso da nossa imaginação? O que dizer sobre a nossa incapacidade de substituir a ideia das bandeiras e dos países por um objeto de amor menos letal? Os seres humanos parecem incapazes de viver sem guerra, mas eles também são incapazes de viver sem amor. Então a questão que se coloca é: a que devemos devotar nosso amor?

Escrever esse texto num momento em que os refugiados inundam a Europa - resultado de décadas de intervenção norte-americana e europeia no "Oriente Médio" - me faz pensar: quem é um refugiado? Edward Snowden é um refugiado? Certamente ele é. Por causa do que ele fez, ele não pode mais voltar para o lugar que ele considera seu país (embora possa continuar a viver onde ele fica mais confortável - na internet). Os refugiados de guerras no Afeganistão, no Iraque e na Síria fogem da guerra enquanto modo de vida. Mas os milhares de pessoas em países como a Índia, que estão sendo presas e mortas por esse mesmo estilo de vida, os milhões que estão sendo expulsos de suas terras e fazendas, exilados de tudo o que jamais conheceram - sua língua, sua história, a paisagem que os formou - esses não são refugiados. Afinal, enquanto sua miséria estiver contida dentro de fronteiras arbitrariamente traçadas, dentro do seu "próprio" país, então eles não serão considerados refugiados. Mas eles são refugiados. Embora, certamente, em termos numéricos, essas pessoas sejam a grande maioria no mundo atual. Infelizmente, nas imaginações limitadas por bandeiras e fronteiras, eles não fazem parte desse recorte.

Talvez o mais famoso dos refugiados desse modo de vida em guerra seja Julian Assange, o fundador e editor do WikiLeaks, que atualmente está servindo seu quarto ano consecutivo como hóspede fugitivo em um quarto da embaixada equatoriana em Londres. Até recentemente, a polícia permanecia estacionada em um pequeno lobby do lado de fora da porta da frente. Havia atiradores no telhado, com ordens para prendê-lo, alvejá-lo e arrastá-lo para fora caso ele colocasse ao menos um dedo do pé para fora da porta, o que para todos os efeitos legais é uma fronteira internacional. A embaixada equatoriana fica na rua em frente ao Harrods, a loja de departamentos mais famosa do mundo.

No dia em que conhecemos Julian, a Harrods estava cheia de frenéticos compradores de Natal. Aquela rua de Londres cheirava a opulência e a excesso, mas também a encarceramento e a medo de um Mundo Livre, com verdadeira liberdade de expressão. Naquele dia (na verdade, naquela noite) nós nos encontramos com Julian, e não fomos autorizados pela segurança a levar telefones, câmeras ou quaisquer dispositivos de gravação para o quarto. E assim, sem registro, manteremos também a conversa que ali se travou.

Apesar das probabilidades jogarem contra seu fundador e editor, o WikiLeaks continua com seu trabalho, tão fresco e despreocupado como sempre. Recentemente, ele ofereceu um prêmio de US$100.000 para qualquer um que pudesse fornecer "documentos fortes" sobre o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT), um acordo de livre comércio entre a Europa e os Estados Unidos que visa dar a corporações multinacionais o poder de processar governos soberanos que impactarem negativamente os lucros de suas empresas. Por “atos criminosos” poderíamos incluir governos que aumentam o salário mínimo dos trabalhadores, que não são vistos reprimindo os aldeões "terroristas" que impedem o trabalho das empresas de mineração, ou, digamos, que tem a ousadia de recusar as sementes geneticamente modificadas e patenteadas pelas corporações da Monsanto. O APT é apenas mais uma das armas, como a vigilância intrusiva ou o urânio empobrecido, que são utilizados para garantir esse modo de vida baseado na guerra.

Olhando para Julian Assange do outro lado da mesa, pálido e desgastado, sem ter tido cinco minutos de sol nos últimos 900 dias, e ainda assim se recusando a desaparecer ou capitular, como seus inimigos gostariam, eu sorri com a ideia de que ninguém pensa nele como um herói australiano ou um traidor australiano. Para seus inimigos, Assange traiu muito mais do que um país. Ele traiu a ideologia dos poderes dominantes. E, por isso, eles o odeiam ainda mais do que odeiam Edward Snowden. E isso quer dizer muita coisa.

Nos dizem, com bastante frequência, que nós estamos à beira do abismo enquanto espécie. Será possível que nossa inflada inteligência tenha superado nosso instinto de sobrevivência e que não haja mais uma estrada de volta? Nesse caso, não há mais nada a ser feito. Mas se houver algo a ser feito, então uma coisa é certa: aqueles que criaram o problema não serão os mesmos que apresentarão uma solução. Criptografar nossos e-mails vai ajudar, mas não muito. Recalibrar a nossa compreensão do que significa o amor, o que significa felicidade - e, sim, o que significa países - poder. Recalibrar nossas prioridades pode.

Uma antiga floresta, uma cadeia de montanhas ou o vale de um rio são certamente mais importantes e, certamente, mais amáveis do que qualquer país jamais será. Eu poderia chorar por um vale de rio, e eu tenho feito isso. Mas por um país? Ah, cara, sei lá.

Esta é a parte final do Things That Can And Cannot Be Said, uma série de John Cusack e de Arundhati Roy. Uma versão mais longa deste artigo aparece na revista Outlook, na Índia. Arundhati Roy é autora do premiado romance The God Of Small Things. Seu mais recente trabalho de não-ficção é Capitalism: A Ghost Story.

25 de novembro de 2015

Hitler não era inevitável

O aniversário dos Julgamentos de Nuremberg é motivo para refletir sobre as forças que falharam em impedir a ascensão do nazismo.

Marcel Bois

Jacobin

A sede do KPD entre 1926 e 1933. Carl Weinrother, 1932.

Tradução / 20 de novembro marca o aniversário dos Julgamentos de Nuremberg, quando os Aliados levaram oficiais nazistas de alto escalão oficialmente à justiça. No momento em que os Julgamentos de Nuremberg começaram em 1945, Adolf Hitler, Joseph Goebbels e Heinrich Himmler já haviam morrido há muito tempo. Em seus lugares, estavam alguns dos nazistas mais importantes que sobreviveram à guerra: políticos, generais e empresários.

Em apenas doze anos, o regime que eles representavam iniciou a Segunda Guerra Mundial — um conflito de seis anos de proporções inacreditavelmente destrutivas. O regime facilitou a tortura e o assassinato de milhares de oponentes políticos, homossexuais, pessoas com deficiência e o genocídio em escala industrial de mais de seis milhões de judeus europeus. Apenas alguns meses após o fim da guerra, algumas de suas figuras mais hediondas, como Hermann Göring, Rudolf Hess, Alfred Rosenberg e Albert Speer, seriam julgadas nos salões do Palácio da Justiça de Nuremberg.

O primeiro dos treze diferentes Julgamentos de Nuremberg durou 218 dias. Um total de 240 testemunhas foram convocadas a depor e 300.000 depoimentos juramentados foram coletados. A ata do julgamento abrangeu mais de 16.000 páginas. Em sua conclusão, doze réus foram condenados à morte, enquanto muitos outros receberam longas sentenças de prisão. O julgamento representou o primeiro passo na resolução das hostilidades entre a Alemanha e os Aliados e abriu caminho para a reintegração alemã na ordem do pós-guerra.

Para além dos procedimentos oficiais, importantes questões históricas permanecem sem solução e suscitam discussões importantes sobre a natureza humana, o papel da esquerda e a capacidade de movimentos progressistas superarem o racismo e outras opressões para lutarem juntos. A questão principal, claro, é como algo tão terrível pode ter acontecido, para começo de conversa. Como foi possível o crime mais horrível da história humana acontecer justo na Alemanha, a “terra dos poetas e pensadores”?

Alguns historiadores explicam o sucesso dos nazistas baseando-o em um antissemitismo específico, supostamente enraizado na cultura alemã. Segundo essa narrativa, os alemães, já antissemitas, só estavam esperando que um Hitler os levasse a dar o próximo passo. Outros historiadores adotam uma abordagem mais sutil, argumentando que os nazistas subornaram a população, por meio de uma série de incentivos materiais, para que apoiasse seus projetos antissemitas.

O renomado historiador Götz Aly, por exemplo, descreve o regime nazista como uma “ditadura acomodatícia”. Ele argumenta que, embora “o antissemitismo fosse uma condição prévia necessária para o ataque nazista aos judeus europeus, esse aspecto não era suficiente. Primeiro, os interesses materiais de milhões de indivíduos tiveram que ser combinados com a ideologia antissemita, antes que o grande crime que hoje conhecemos como Holocausto pudesse assumir seu impulso genocida”.

Certamente, muitos alemães (incluindo os da classe trabalhadora) apoiaram o regime nazista em determinado momento, e muitos outros foram incentivados pelas políticas econômicas nazistas a tolerar o regime. No entanto, essa leitura histórica simplifica drasticamente o complexo conjunto de condições e forças sociais na República de Weimar e ignora que nem todos os alemães receberam benefícios materiais sob o domínio nazista, tampouco eram todos entusiasmados adeptos dos nazistas. Na realidade, setores significativos da população se opuseram consistentemente ao fascismo.

A ascensão de Hitler ao poder não era, de forma alguma, inevitável; e sim o resultado de condições históricas específicas, bem como das ações (e inações) de várias forças sociais. Enquanto muitas histórias convencionais pintam o nazismo como uma espécie de projeto coletivo alemão, o que a ascensão de Hitler realmente ilustra são as reais consequências que os erros da estratégia socialista pode causar em uma sociedade destruída pela depressão econômica e pela polarização política.

O nazismo foi apenas um dos resultados possíveis da crise da República de Weimar, mas seu eventual sucesso não o torna retroativamente inevitável. Além disso, retratar o fascismo dessa forma obscurece um período histórico muito informativo, tanto para a esquerda quanto para o público em geral.

O impacto da crise de 1929
Poucos anos antes de Hitler tomar o poder, em 1933, seu Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) ainda era, em grande medida, irrelevante. Foi somente após a queda da bolsa de valores em 1929 que o total de votos saltou de oitocentos mil em 1928 para mais de seis milhões em 1930, e 37% dos votos em 1932, tornando-o o maior partido do parlamento.

O pano de fundo desse rápido crescimento foi, sem dúvida, a crise econômica em curso, que corroía as próprias fundações do capitalismo global. A enorme queda nos investimentos causados pelo crash de 1929 levou a um declínio de 29% na produção industrial global em 1932. A indústria alemã foi particularmente afetada, pois havia sido financiada por enormes empréstimos estrangeiros (principalmente estadunidenses), que entraram em colapso assim que os credores retiraram o crédito.

Na medida que muitas empresas, grandes e pequenas, faliram em todo o país, parcelas consideráveis da classe média foram jogadas na pobreza. O campesinato também sofreu com a queda dos preços de alimentos e os trabalhadores enfrentaram cortes salariais de, em média, 30%. Em 1933, o número de desempregados havia ultrapassado os 1,3 milhões de 1929, alcançando aproximadamente 6 milhões. Apenas um terço dos trabalhadores trabalhava em turno integral.

Depois que o último governo democraticamente eleito da República de Weimar deixou o cargo em março de 1930, o presidente Hindenburg nomeou um gabinete presidencial sem apoio parlamentar que utilizava, muitas vezes, decretos de emergência para governar. O chanceler de Hindenburg, Heinrich Brüning, e seu sucessor, Franz von Papen, lançaram uma política de austeridade massiva, cortando drasticamente os benefícios de desemprego, gastos sociais e pensões, ao mesmo tempo em que aumentavam os impostos sobre alimentos e bens de consumo. Como resultado, a fome generalizada tornou-se uma característica comum da vida urbana.

A política de austeridade do Estado servia aos interesses da classe de empregadores alemã. Apenas algumas semanas após o colapso de Wall Street, a Liga da Indústria Alemã exigiu que o Estado de bem-estar social fosse “adaptado aos limites da sustentabilidade econômica”, criticando os “abusos injustificados e imorais” dos benefícios da seguridade social.

Os empregadores alemães acreditavam que a crise econômica havia sido causada por um Estado de bem-estar social inchado, salários altos e poucas horas de trabalho. Sendo assim, responderam cancelando contratos, diminuindo salários e abolindo o teto de oito horas de trabalho diárias. O Estado alemão apoiou essas medidas em 1932, abolindo a negociação coletiva e o direito à greve.

A austeridade havia sido projetada para aliviar as empresas alemãs dos altos custos trabalhistas, reduzindo assim os preços de seus produtos no mercado mundial e impulsionando a economia nacional. Mas como todas as economias industriais estavam adotando estratégias de exportação semelhantes, a prometida recuperação nunca aconteceu e a pobreza não parou de aumentar.

Polarização
Acrise foi mais devastadora para os desempregados e a classe média, que se tornaram os dois grupos sociais nos quais os nazistas encontraram mais apoio.

Para os artesãos, donos de pequenos negócios, funcionários públicos e proprietários de lojas, a crise os sujeitou à pressão pelos dois lados. O falecido sociólogo alemão Arno Klönne os descreveu da seguinte forma: “sentiam-se ameaçados pela crescente concentração do capital industrial e financeiro, por um lado, e pelas demandas da classe trabalhadora industrial organizada, por outro lado”. A demagogia do socialismo nacional, direcionada contra o capital financeiro e o movimento trabalhista, provou-se particularmente atraente aos membros da classe média.

A situação dos desempregados era claramente pior do que a das classes médias. À medida que o sistema de seguridade social entrava em colapso, o desemprego na Alemanha de Weimar se tornava cada vez mais uma luta amarga por sobrevivência, enquanto a disparada do desemprego impossibilitava qualquer esperança de encontrar um emprego no futuro próximo. Neste contexto, a SA e outros grupos terroristas sob o comando dos nazistas rapidamente atraíram legiões de alemães desempregados, que encontraram um novo senso de pertencimento, camaradagem e poder no nazismo. O racismo e o antissemitismo embutidos na ideologia nazista deram a muitos membros o sentimento de orgulho e superioridade sobre os judeus, estrangeiros e homossexuais a quem eram supostamente superiores.

Outro importante aspecto no sucesso do NSDAP foi a imagem que eles projetaram de si mesmos como uma alternativa radical à república existente. De acordo com Klönne, “a juventude e os desempregados de longa data” em particular estavam “mobilizados pelo desespero e impaciência; eles não podiam ser abordados com algum tipo de ‘perspectiva de longo prazo’, eles queriam emprego e pão, aqui e agora”. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães prometeu “medidas imediatas para remediar essa situação desesperadora”.

A partir da manipulação dessa imagem e atraindo os grupos sociais mais vulneráveis, o partido de Hitler conseguiu se tornar um verdadeiro movimento de massa em poucos anos — a SA sozinha tinha quatrocentos mil membros em 1932.

O crescimento da direita radical, todavia, é só a metade da história. Em vez de encarar os últimos anos da República de Weimar como uma guinada para a direita em todo o país, eles devem ser entendidos como um processo de polarização política que beneficiou tanto a direita quanto a esquerda.

Assim, o Partido Comunista Alemão (KPD) teve um aumento de votos de 1,3 milhão na sua primeira eleição após a crise do mercado de ações e seus membros mais que dobraram, atingindo um quarto de milhão entre 1928 e 1932. Os Comunistas exerceram uma presença visível nas ruas, organizando manifestações e participando de confrontos físicos com os nazistas.

A força total do movimento trabalhista alemão, o maior e mais poderoso do mundo na época, é evidenciada pelo fato de que, mesmo nas últimas eleições livres em novembro de 1932, apenas alguns meses antes da ascensão de Hitler, o KPD e o SPD combinados ainda terem obtido mais votos do que os nazistas. Dada sua força numérica e política antifascista, um confronto entre os nazistas e os partidos dos trabalhadores parecia inevitável.

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Resultados das eleições parlamentares, 1928-1932

Em apelo aos membros do KPD nas páginas do jornal Militant em 1931, Leon Trotsky resumiu a situação política alemã da seguinte forma:

Se você colocar uma bola no topo de uma pirâmide, mesmo o menor impacto pode fazê-la rolar para esquerda ou para direita. Essa é a situação que se aproxima, a cada hora, na Alemanha hoje. Existem forças que gostariam que a bola rolasse para a direita e esmagasse a classe trabalhadora. Existem forças que gostariam que a bola permanecesse no topo. Isso é uma utopia. A bola não pode se manter no topo da pirâmide. Os comunistas querem que a bola role para esquerda e esmague o capitalismo.

A derrota final do trabalhismo
Os empregadores alemães também entendiam que a polarização não podia durar para sempre, mas estavam preocupados com a possibilidade de o movimento trabalhista assumir o poder. Os nazistas entenderam como capitalizar esse medo, prometendo reforçar os interesses corporativos por todos os meios necessários. Em um evento nazista organizado por industriais proeminentes, o líder da SS Rudolf Hess exibiu fotos de manifestações revolucionárias de um lado e divisões uniformizadas da SA e SS do outro:

Aqui, cavalheiros, vocês têm as forças de destruição, as quais são perigosas ameaças a suas casas de contabilidade, suas fábricas, todas as suas posses. No outro lado, as forças da ordem estão se formando, com uma vontade fanática de erradicar o espírito de turbulência [...] Todos que têm, devem contribuir, para que não percam tudo o que têm!

O ex-oficial nazista Albert Krebs descreveu a cena em suas memórias: “Nem todos os capitalistas estavam particularmente entusiasmados com os nazistas, mas o ceticismo deles era relativo, tendo terminado assim que ficou claro que Hitler era a única pessoa capaz de destruir o movimento trabalhista”. Aterrorizado com a perspectiva de mais ganhos para o movimento trabalhista, o apoio do capital a Hitler cresceu rapidamente.

Trotsky ilustrou essa dinâmica de forma vívida: “A grande burguesia gosta do fascismo tão pouco quanto um homem com dor de dente gosta de arrancá-lo” — ou seja, a solução era desagradável, mas era necessária. Hitler manteve sua promessa ao capital. Após ser declarado Chanceler em janeiro de 1933, ele proscreveu tanto os partidos dos trabalhadores quanto os sindicatos dentro de poucos meses. Milhares de sociais-democratas, comunistas e sindicalistas foram presos e assassinados.

O apoio do capital foi certamente decisivo para a ascensão de Hitler, mas a vitória nazista ainda não era inevitável. Uma série de terríveis erros estratégicos por parte da esquerda alemã desempenhou um papel importante na sua queda.

A social democracia
OPartido Social Democrata Alemão (SPD) entendeu o tipo de ameaça que o NSDAP representava, e ainda assim não conseguiu travar o tipo de luta necessária para detê-lo. Em uma tentativa desesperada de frear os nazistas na tomada de poder dentro da legalidade e salvar a democracia de Weimar, o SPD seguiu a estratégia de apoiar o “ mal menor” — isto é, o governo autoritário de direita que já estava no poder — como um bastião contra Hitler (que certamente seria ainda mais radical e autoritário).

Isso envolveu o apoio à candidatura do arquiconservador Hindenburg nas eleições presidenciais de 1932 e a tolerância aos gabinetes presidenciais autoritários de Brüning e von Papen, bem como os aumentos de impostos e cortes de gastos que promulgaram. A estratégia contrariava o programa político do partido, sem mencionar os interesses materiais de seus apoiadores.

O ponto fraco desta estratégia ficou particularmente óbvio em 20 de julho de 1932, quando o Chanceler von Papen dissolveu o governo liderado pelo SPD na Prússia, o maior estado da República. O SPD já tinha organizado milícias de trabalhadores precisamente para tal situação, a assim chamada Frente de Ferro, um ano antes. Mas, quando encarou um confronto real, a liderança do partido abandonou a resistência armada, insistindo em calma e contenção.

A confederação sindical alemã (ADGB) seguiu um caminho semelhante. Muitos sindicalistas também eram membros do SPD e apoiavam a estratégia do mal menor, tolerando o governo de Hindenburg na esperança de deter os nazistas por meios constitucionais. Consequentemente, também se abstiveram de convocar uma greve geral na Prússia em 1932.

Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda nazista, estava, porém, bem ciente das implicações de 20 de julho. Como escreveu em seu diário alguns dias depois: “os vermelhos foram derrotados. As organizações deles não realizaram qualquer resistência. Os vermelhos perderam a oportunidade que tiveram. Não haverá outra”.

No final das contas, Goebbels estava certo. Como resultado do desastre da Prússia, meio milhão de eleitores abandonaram o SPD nas eleições duas semanas depois. A desastrosa ausência de resposta de julho de 1932 foi repetida seis meses depois, quando os nazistas tomaram o poder e sistematicamente evisceraram o movimento operário.

O KPD
Os comunistas foram a única organização da classe trabalhadora que organizou uma resistência extraparlamentar aos nazistas enquanto fazia oposição ao plano de austeridade do governo; mas eles também falharam. O fracasso deles se deveu principalmente à incapacidade de realizar uma análise clara do fascismo e compreender a ameaça que ele representava.

O Comitê Central usou excessivamente a palavra “fascismo” a ponto de esvaziar seu sentido. Na visão dele, o Estado alemão tinha se tornado fascista em 1930, quando o gabinete presidencial de Hindenburg assumiu. De fato, a liderança do KPD considerava todos os outros partidos no parlamento variantes do fascismo e dizia para seus membros que “lutar contra o fascismo significa lutar contra o SPD da mesma forma que se luta contra Hitler e os partidos de Brüning”.

O KPD adotou posição semelhante à de Moscou quando se baseou na teoria do “fascismo social”. Essa teoria estabelecia, como sustentara Stalin, que o fascismo e a social-democracia não eram opostos, pois funcionavam na prática como “irmãos gêmeos”. No contexto de profunda crise capitalista, era a social-democracia — ao impedir que os trabalhadores lutassem contra o capitalismo — que representava o “principal inimigo”.

Seguindo essa linha, a liderança rejeitou qualquer cooperação com o SPD, mesmo no momento de lutar contra os nazistas: “os fascistas sociais sabem que não haverá colaboração entre nós. Em relação ao Partido do Panzerkreuzer, à Polícia Socialista e àqueles que pavimentam o caminho para o fascismo, lutar até a morte é, para nós, a única saída”.

Vários comunistas endossaram esse tipo de frase de efeito radical à medida que o KPD se tornava cada vez mais um partido dos desempregados. As organizações trabalhistas comunistas tinham praticamente deixado de existir. No outono de 1932, apenas 11% dos membros do KPD eram trabalhadores assalariados.

Desse modo, a maioria dos comunistas não via mais os sociais-democratas como colegas de trabalho, mas apenas como apoiadores da estratégia do mal menor e de acontecimentos como o “Maio Sangrento”, de primeiro de maio de 1929, quando a polícia, sob o comando do social-democrata Karl Friedrich Zörgiebel, suprimira violentamente uma manifestação liderada pelo KPD.

Para acentuar o distanciamento, a liderança do SPD recusou qualquer colaboração com os comunistas. Nesse momento, o SPD era consumido pelo fervor anticomunista, normalmente igualando comunistas e nazistas. Otto Wels, o presidente do partido, declarou, na convenção partidária de Leipzig em 1931, que “o bolchevismo e o fascismo são irmãos. Ambos têm fundamento na violência e na ditadura, independentemente do quão socialistas ou radicais eles possam parecer”.

Ao invés de oferecer à maioria da população uma alternativa política, a postura do KPD de direcionar a maior parte de sua ira contra o SPD jogou os sociais-democratas nos braços da direita, pelo menos por um curto período. O exemplo mais notório disso ocorreu em 1931, quando o KPD apoiou um referendo popular contra o governo do SPD prussiano, formado pelos nazistas e outras forças nacionalistas.

A Frente Unida
Essas políticas desastrosas foram severamente criticadas por vários comunistas dissidentes. Particularmente importantes foram Leon Trotsky e August Thalheimer. Thalheimer tinha sido o fundador do Partido Comunista de Oposição (KPO), que havia rompido com o KPD em 1929. Trotsky, um dos mais conhecidos líderes da Revolução Russa e então um proeminente dissidente comunista, liderava seus seguidores do exílio na ilha turca de Büyükada. Ambos prestavam bastante atenção aos acontecimentos na Alemanha.

O partido de Thalheimer defendia que a ascensão do fascismo somente poderia ser impedida por meio de “uma ofensiva geral planejada e abrangente” da classe trabalhadora. A ferramenta organizacional necessária para essa ofensiva seria a frente única. Trotsky concordava, afirmando que ambos os partidos eram igualmente ameaçados pelo nazismo e, dessa maneira, deviam trabalhar juntos.

A necessidade objetiva da frente única significava que a teoria do fascismo social devia ser abandonada. Enquanto o KPD se recusasse a agir dessa forma, fracassaria em estabelecer vínculos com os apoiadores do SPD: “esse tipo de posição – uma política de esquerda vazia e estridente – bloqueia antecipadamente o acesso do Partido Comunista aos trabalhadores sociais-democratas”.

O clamor por uma frente única não podia ser direcionado exclusivamente aos filiados; devia necessariamente viabilizar também negociações entre as lideranças partidárias. Uma “frente única vinda exclusivamente de baixo” não seria bem-sucedida, pois a maioria dos filiados desejava lutar contra o fascismo juntamente com seus líderes. Os Comunistas não podiam esperar que se aproximar somente dos trabalhadores sociais-democratas que estivessem dispostos a romper com seus respectivos líderes.

A importância de organizar a ação unificada mais ampla possível dentro da classe trabalhadora superava outras preocupações. Isso não significava, porém, que os comunistas deviam moderar ou suavizar suas demandas políticas.

Pelo contrário, era no contexto de uma ação unificada da classe trabalhadora que os comunistas teriam mais chances de demonstrar as suas credenciais antifascistas: “nós devemos ajudar a ação dos trabalhadores sociais-democratas – nessa nova e extraordinária situação – para testar o valor das suas organizações e dos seus líderes nesse momento em que a questão é de vida ou morte para a classe trabalhadora”.

Para garantir isso, a frente única precisava corresponder a uma ação política, não a uma colaboração parlamentar, e somente poderia ser construída em torno de um ponto central: nesse caso, a luta contra o fascismo. Era de extrema importância que os comunistas mantivessem a sua independência política e organizacional dentro da frente. O slogan de Trotsky – “marchem separados, mas protestem unidos! Estejam de acordo apenas em como protestar, contra quem protestar e quando protestar! […] Sob uma condição: não fiquem de mãos amarradas” – resumia bem a abordagem.

Os apelos de Trotsky e Thalheimer por uma frente única foram bem-recebidos por trabalhadores e intelectuais, à medida que o desejo por unidade perante a crescente ameaça nazista se espalhava compreensivelmente. Esse desejo podia ser visto na “Chamada Urgente por Unidade” emitida por trinta e três intelectuais públicos reconhecidos, incluindo Albert Einstein, na reta final para as eleições de 1932, convocando o KPD e o SPD a “finalmente tomarem a iniciativa de formar uma frente trabalhista unida que necessariamente transcendesse o âmbito parlamentar”.

Nas pequenas cidades de Bruchsal e Oranienburg, onde os apoiadores alemães de Trotsky tinham alguma influência política, foi possível formar comitês antifascistas que incluíram tanto sociais-democratas como comunistas. Em vários outros lugares em que nenhum trotskista estava presente, ativistas locais comunistas e sociais democratas simplesmente ignoraram os seus líderes e passaram a trabalhar juntos, como foi demonstrado por uma pesquisa de arquivos recente.

Joachim Petzhold, por exemplo, depois de analisar relatórios internos do Ministério do Interior referentes ao verão de 1932, concluiu que “muitos comunistas queriam se unir aos sociais-democratas contra o fascismo”. Ainda sobre esse tema, ele também destacou a “discrepância existente entre liderança partidária e filiados”.

Essa discrepância pode ser vista em um relatório policial de junho de 1932, no qual está escrito que, “durante um confronto sangrento com os nacional-socialistas […], a frente única foi na prática formada, a despeito dos antagonismos entre os dois partidos marxistas, e os comunistas são normalmente aqueles que se comportam de forma mais perceptiva e engenhosa”.

Outra passagem desse mesmo relatório destaca que “a frente única tem se formado na prática por todo o Reich. Os representantes trabalhistas do SPD colaboram com os colegas vermelhos; membros do Reichsbanner (uma milícia liderada pelos trabalhadores do SPD) atuam como delegados dos seus camaradas em reuniões comunistas; membros da Frente de Ferro em Duisburg discutem táticas da frente única no escritório do KPD; procissões fúnebres e enterros coletivos são comuns em todos os lugares, assim como manifestações compostas por vários partidos em resposta às marchas nacional-socialistas; sociais-democratas aparecem em numerosas conferências antifascistas organizadas pelo KPD; e funcionários de organizações sindicais declaram que a mão fraterna estendida pelo KPD não pode ser ignorada”.

Movimentos em direção à unidade da classe trabalhadora também ocorreram no sudeste da Alemanha. Em julho de 1932, por exemplo, Reinbold, o líder local do SPD, ofereceu uma trégua aos comunistas: “deixar de lado o que nos divide é uma demanda apropriada em virtude da grave natureza desse momento”. As lideranças locais do KPD nas cidades de Ebingen e Tübingen estenderam ofertas similares ao SPD e aos sindicatos nesse mesmo instante.

Em dezembro de 1931, casos isolados de listas eleitorais conjuntas do SPD e KPD foram observadas em Württermberg. O exemplo mais proeminente foi a união prática que se deu na pequena cidade de Unterreichenbach, onde o KPD foi dissolvido e se uniu ao SPD local para fundar um partido unificado dos trabalhadores.

Unidos pela derrota
Apesar de inspirar dinâmicas locais, o KPD já estava completamente dominado pelo stalinismo. Todas as correntes de oposição tinham sido expulsas há tempos, o que significava que seguidores fiéis da Comintern controlavam o partido e ditavam a linha de atuação, até mesmo contra a vontade dos seus membros, se necessário. A posição de Moscou era insistir na teoria do fascismo social até o final.

Quando o Presidente Hindenburg nomeou Hitler chanceler em 30 de janeiro, milhões de trabalhadores alemães estavam preparados para a luta. Protestos romperam pelo país, enquanto representantes dos trabalhadores fabris se encontravam em Berlim para coordenar uma resposta ao pedido de ação conjunta do SPD.

Infelizmente, os líderes sindicais pediam comedimento novamente. O vice-presidente do ADGB afirmou: “nós queremos que a paralização geral seja o último recurso”. O líder Theodor Leipart acrescentou: “queremos enfatizar que não somos oposição a esse governo. Entretanto, isso não pode e não irá nos impedir de também defender os interesses da classe trabalhadora perante esse governo. ‘Organização sim, manifestação não’ é o nosso lema”.

Apenas o KPD convocou uma greve geral, clamando para que todas as organizações da classe trabalhadora formassem uma frente única “contra a ditadura fascista de Hitler-Hugenberg-Papen”. Infelizmente, essas coalizões somente ocorreram em algumas cidades menores, como Lübeck. No geral, o KPD foi incapaz de exercer influência substancial sobre o movimento operário organizado; os anos de isolamento tinham colocado o partido em uma posição de completa irrelevância política.

Depois de janeiro, já era tarde demais; Hitler e os nazistas tinham derrotado o movimento operário mais forte do mundo. O KPD, o SPD e as organizações sindicais foram sumariamente colocados na ilegalidade e dizimados. Seus membros se encontraram novamente, tudo indica que pela última vez, quando estiveram lado a lado nos primeiros campos de concentração erguidos pelo novo regime.

Embora os julgamentos de Nuremberg tenham realmente levado os mais notórios criminosos nazistas à justiça, eles também reduziram o horror do fascismo às ações de alguns indivíduos particularmente cruéis, enquanto, simultaneamente, integraram esse horror a uma narrativa de culpa coletiva nacional. Nessa narrativa, ninguém e todos são culpados. “Ninguém”, no sentido de que a culpa é atribuída a oficiais do alto escalão e seus lacaios; “todos”, porque o fascismo requer o suporte das massas para se sustentar, tornando, dessa forma, todos que viveram sob o regime potenciais colaboradores.Ao invés de nos submetermos a esse dilema analítico, devemos recuperar uma visão da história que reconheça a natureza conflituosa das mudanças sociais. O fascismo nunca é inevitável; é antes o resultado de um confronto entre forças sociais radicalmente opostas. Em todos os lugares em que houver fascismo, é provável que existam socialistas e outras pessoas de esquerda lutando contra ele. Isso era verdade na Alemanha de 1933, quando a esquerda perdeu e a barbaridade nazista venceu, e continua a ser verdade na Europa de crise econômica renovada e polarização política dos dias de hoje.

Sobre o autor
Marcel Bois é historiador e co-editor de Margarete Schütte-Lihotzky. Architektur. Politik. Geschlecht. Neue Perspektiven auf Leben und Werk.

23 de novembro de 2015

Stalin e Hitler: Irmãos gêmeos ou inimigos mortais?

Domenico Losurdo



1. Eventos históricos e categorias teóricas

Tradução / Quando os filósofos investigam eventos históricos, eles tentam discutir ao mesmo tempo as categorias com as quais os acontecimentos históricos são reconstruídos e descritos. Hoje se compreende a partir da categoria de “totalitarismo” (a ditadura terrorista de apenas um partido político e o culto à personalidade) Stalin e Hitler como duas personificações extremas desta praga, como dois monstros que possuem características tão semelhantes que se pensa neles como dois irmãos gêmeos. Não por menos - como argumentam - ambos se uniram por quase dois anos através de um pacto vergonhoso. De fato, após este pacto, seguiu uma guerra impiedosa, mas dois gêmeos a travaram, mesmo que eles fossem bastante controversos.

É uma conclusão obrigatória? Vamos voltar nossos olhares para a Europa brevemente. Gandhi também se convencia de que Hitler tinha algum tipo de irmão gêmeo. Mas este não era Stalin, que ainda em setembro de 1946, era considerado pelo líder indiano como um “grande homem” à frente de “um grande povo”. Não, o irmão gêmeo de Hitler era na verdade Churchill, ao menos a julgar por duas entrevistas dadas em abril de 1941 e abril de 1946 respectivamente: “Asseguro que na Índia também temos um governo Hitleriano, no entanto um disfarçado que possa ser mais moderado”. E depois: “Hitler foi o pecado da Grã-Bretanha. Hitler foi apenas uma resposta ao imperialismo Britânico”.

Talvez a primeira das duas explicações seja a mais sugestiva. Ela ocorreu em um momento, onde o tratado de não-agressão entre a Alemanha e a União Soviética ainda estava em vigor: O líder Indiano do movimento independentista não parece se ofender com isso. No movimento anticolonial as políticas de frente popular encontraram as maiores dificuldades. A razão para isso é explicada por um importante historiador afro-americano de Trinidad, admirador entusiasta de Trotsky, nomeadamente C.L.R. James, que mesmo em 1962 descreve o desenvolvimento de outro militante da causa da emancipação negra, também de Trinidad, dessa forma: “Quando esteve nos Estados Unidos, ele se tornou um comunista atuante. Se mudou para Moscou para liderar o Departamento de Propaganda e Organização dos negros. Neste cargo, ele se tornou o mais conhecido e mais confiável dos agitadores pela Independência Africana. Em 1935, buscando alianças, o Kremlin separou a Inglaterra e a França como ‘imperialismos democráticos’ da Alemanha e a França, os ‘imperialismos fascistas’, o principal alvo da propaganda russa e comunista. Isto reduziu a atividade pela emancipação africana: Alemanha e Japão não tinham colônias na África. Padmore rompeu instantaneamente com o Kremlin”.

Stalin não foi criticado e condenado como irmão gêmeo de Hitler, mas porque ele se recusou a reconhecer neste último o irmão gêmeo dos líderes do imperialismo britânico e francês. Para importantes personalidades do movimento anticolonial, não foi fácil entender que, entretanto, o Terceiro Reich assumiu a liderança da contrarrevolução colonial (e escravista): O debate habitual sobre o tratado de não-agressão sofre claramente de eurocentrismo.

O quão duvidoso possa ser colocar Churchill como próximo a Hitler, como Gandhi faz (e outros proponentes do movimento anticolonial fizeram mais indiretamente), não deixa de ser compreensível: Hitler não declarou várias vezes que iria construir uma Índia Alemã no Leste Europeu? E Churchill também não prometeu defender a Índia britânica a qualquer custo? Na verdade, em 1942 o Primeiro-Ministro Britânico teve que reprimir o movimento por independência, “usou de medidas extremas, como o uso da força aérea, para atirar com metralhadoras à massa dos protestos”. A ideologia que reside na raiz desta repressão é particularmente sugestiva. Vamos ouvir do próprio Churchill: “Eu odeio indianos. Eles são um povo bestial com uma religião bestial”; com sorte um número sem precedentes de “soldados brancos” garante a manutenção da ordem. A tarefa é enfrentar uma raça “protegida por sua mera pululação [reprodução muito rápida] da ruína que é”; Marechal Arthur Harris, protagonista dos bombardeios na Alemanha, foi bem aconselhado a “enviar algumas das bombas que sobraram para destruí-los”.

Vamos voltar da Ásia para a Europa. Em 23 de Julho de 1944, Alcide de Gasperi, o líder católico que estava para se tornar o primeiro-ministro da Itália libertada do fascismo, deu um discurso onde enfaticamente ele proclamou:

“Quando eu vejo como Hitler e Mussolini perseguiram seres humanos por conta de sua raça e inventaram esta assustadora legislação anti-judaica que conhecemos, e quando ao mesmo tempo eu vejo como os russos compostos de 160 etnias buscam uma união delas, quando vejo os esforços para unificar a sociedade humana, deixe-me dizer: isto é cristão, isto é eminentemente universalista no sentido do Catolicismo.”

O ponto de partida formado neste caso é a categoria de racismo, uma praga, que encontrou sua maior expressão na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. Bom, o que foi a contrapartida a tudo isso? Devido a um motivo já mencionado não poderia ser a Grã-Bretanha. Mas também não poderia ser os Estados Unidos, onde - ao menos onde se concentra o Sul - reinava a supremacia branca. No que tange este regime, um importante historiador estadunidense (George M. Fredrickson) recentemente escreveu: “O esforço de garantir a ‘pureza racial’ no Sul americano antecipou aspectos da perseguição oficial nazista dos judeus nos anos 30”; quando também se considera de acordo com a lei de que no Sul dos Estados Unidos uma gota de sangue impuro era suficiente para ser excluído da comunidade branca, se tem que concluir: “a definição nazista de judeu nunca foi tão estreita quanto a da ‘regra de uma gota’ que dominava na categorização de negros nas leis de pureza racial do Sul dos Estados Unidos”. Portanto, não pode ser surpreendente que De Gasperi visse na União Soviética a grande antagonista real da Alemanha de Hitler. Os irmãos gêmeos, de quem a categoria de totalitarismo fala, aparecem de acordo com as categorias de racismo e colonialismo como inimigos mortais.

2. A maior guerra colonial da história

Então que categoria deveríamos usar? Vamos dar as palavras para as personalidades em questão. Quando Hitler se dirigiu aos industriais de Dusseldorf (e da Alemanha) em 27 de janeiro de 1932 e ganhou o apoio deles para chegar ao poder, ele explicou sua concepção de história e política da seguinte maneira. Em toda a história do século XIX, os “povos brancos” conquistaram um domínio incontestável, e isto como conclusão de um processo que começou com a conquista da América e se desenvolveu sob o signo do “sentimento absoluto, inato do domínio da raça branca”. O Bolchevismo, ao colocar o sistema colonial em cheque e levando a e piorando a “confusão do pensamento branco europeu”, traz um perigo mortal à civilização. Se quiserem confrontar essa ameaça, se deve reforçar a “convicção da supremacia e com isso o direito da raça branca” e se tem que incondicionalmente defender a “posição de tutelagem da raça branca sobre o resto do mundo”, mesmo com a “crueldade mais brutal”: Um “direito de tutelagem extraordinariamente brutal” é necessário. Está além da dúvida: Hitler apresenta sua candidatura à liderança em um dos países mais importantes da Europa se comportando como pioneiro da Supremacia Branca, a qual ele queria defender mundialmente.

O apelo de defender e mobilizar a raça branca encontrou grande eco na Alemanha na I Guerra Mundial e especialmente depois dela. O recurso da entente e, particularmente, das tropas miscigenadas da França causou escândalo e indignação. Ademais, estes soldados não-brancos eram representados nas tropas de ocupação em Renânia e estupraram mulheres alemãs: Isto era a vingança inexorável dos vencedores, que tentaram de alguma forma humilhar o inimigo derrotado e ainda tentaram “contaminar” seu sangue para atingir sua “mulatização”. De qualquer forma a “ameaça negra” não apenas reside no Sul dos Estados Unidos, onde a Ku-Klux Klan é muito vigilante, mas também na Alemanha (e Europa): Neste sentido, na época, argumentava o público em geral na Alemanha. E este clima ideológico influenciou fortemente a formação dos principais líderes nazistas.

Em 14 de Junho de 1922, Heinrich Himmler participou de um protesto de massas em Munique organizado pela “Deutsche Notbund gegen die Schwarze Schmach”(Vergonha Negra), que - como um jornal local informou a “ocupação da Renânia por pessoas de cor como um crime bestialmente concebido que visa esmagar-nos como uma raça e, finalmente, destruir-nos". Em seu diário, Himmler notou: “Muitas pessoas. Todas gritaram: ‘Vingança’, me impressionou muito”. Mas eu já havia participado em eventos mais aprazíveis e mais emocionantes deste tipo”. Com sorte, a Inglaterra não tinha familiaridade com a irresponsabilidade racial da França. Isto é o que pensava Alfred Rosenberg, que defendia a “Federação dos dois povos brancos” ou melhor dos três povos brancos, se formos investigar a luta contra a “negrotização” em nível global e também, além da Alemanha e Grã-Bretanha, dos Estados Unidos. Mesmo no fim de 1942 - o Terceiro Reich e Japão estão do mesmo lado na guerra - Hitler, ao invés de ser agradecido pelos sucessos de seus aliados amarelos, lamenta as “perdas pesadas que os brancos tiveram que sofrer no Leste asiático”: Isto é registrado em um diário do Joseph Goebbels, que por sua vez denuncia Churchill como o “verdadeiro coveiro do Império Inglês”.

A raça branca já devia ser defendida na Europa. Seu principal inimigo era a União Soviética, que incitava as raças “menores” a se rebelarem e que ela mesma pertencia ao mundo colonial. Esta concepção era bastante divulgada na Alemanha na época: Após a tomada do poder pelos Bolcheviques - Osvald Spengler escreveu em 1933 - a Rússia havia tirado a “máscara branca para se tornar novamente uma superpotência mongol”, agora uma parte integral de “toda a população de cor da terra” e cheia de ódio contra a “humanidade branca”. A grande ameaça era ao mesmo tempo uma grande oportunidade: À frente da raça branca e da Alemanha um imenso espaço colonial havia se aberto. Era uma espécie de Faroeste. O “Mein Kampf” já havia exaltado a “incrível força” do modelo americano de expansão colonial, um modelo que deve se imitar para construir um Reich territorialmente compacto na Europa Central e Oriental. Em seguida, após o lançamento do projeto Barbarossa, Hitler comparou várias vezes sua guerra contra os “Povos indígenas” do Leste Europeu com a “Guerra Indiana”, com as “batalhas indígenas na América do Norte”: Em ambos os casos a “raça mais forte” será “vitoriosa”. Em seus discursos secretos que não eram feitos para o público, Himmler também declarou de forma especialmente explícita um aspecto adicional do programa colonial do Terceiro Reich: É necessário incondicionalmente “raças escravas estrangeiras”, da qual a “raça superior” nunca perderia sua “tutelagem” e jamais deveriam se misturar. “Se não enchermos nossos campos com escravos - nesta sala eu afirmo as coisas muito explicitamente e claramente - com escravos a trabalhar, que independentemente de quaisquer perdas, construirão nossas cidades, nossas vilas, nossas fazendas”, o programa de colonização e germanização da terra conquistada no Leste Europeu não pode ser realizado.

No final: Os “indígenas” do leste europeu eram por um lado os pele-vermelhas, que precisavam ser privados de sua terra, deportados e dizimados; do outro lado eles eram os negros que eram destinados a trabalhar como escravos a serviço de sua raça superior, enquanto os judeus, que eram postos lado a lado dos bolcheviques como responsáveis pelo incitamento das raças inferiores, deveriam ser aniquilados.

Claro, a União Soviética não poderia compartilhar desta concepção de vítimas predestinadas que estava em primeira ordem. É interessante notar que Stalin já entre fevereiro e outubro de 1917 chamava a atenção para o fato de que a Rússia, cansada da guerra sem fim estava correndo risco de se transformar em “uma colônia da Inglaterra, América e França”. A entente ao tentar de qualquer forma levar a cabo a continuação da Guerra na Rússia como se fosse a “África Central”. A Revolução Bolchevique também foi necessária para afastar esse perigo. Após Outubro, Stalin via no Poder Soviético o pioneiro da “conversão da Rússia de uma colônia em um país livre e independente”.

Hitler havia desde o começo planejado assumir novamente a tradição colonial e a implementar no leste europeu, especialmente na Rússia, “barbarizada” pela vitória do Bolchevismo; do outro lado, desde o começo Stalin chamou seu país para enfrentar o perigo da subjugação colonial e interpretada precisamente deste ponto de vista a Revolução Bolchevique.

Mesmo sem qualquer ideia simples, Stalin começou a reconhecer as características essenciais do milênio, que havia acabado de começar. Na onda da Revolução de Outubro, Lenin esperava que o principal ou exclusivo objeto do Século XX seria a batalha entre o capitalismo de um lado e o socialismo/comunismo do outro: O mundo colonial neste meio tempo estava completamente ocupado pelas potências capitalistas e cada nova partilha seguia a iniciativa dos países derrotados ou “em desvantagem” levaria à nova Guerra Mundial e representaria um avanço maior na direção da definitiva destruição do sistema capitalista: A conquista da nova ordem socialista está imediatamente na ordem do dia. Mas Hitler deu um passo inesperado: Ele reconheceu no Leste Europeu e especialmente na Rússia Soviética o espaço livre colonial que estava à disposição do Reich Alemão ainda a ser erguido. De forma similar se comportou o Império Japonês que invadiu a China e a Itália Fascista que (com exceção da Etiópia) mirou os Balcões e a Grécia. Stalin começou a perceber que o século XX seria marcado, contra todas as expectativas, por uma disputa entre o colonialismo e o anticolonialismo (apoiado e promovido pelo movimento comunista) na Europa.

Atualmente foi enfatizado corretamente: “A guerra de Hitler por Lebensraum foi a maior guerra colonial da história”. A Guerra Colonial que foi lançada primeira contra a Polônia. As instruções do Fuhrer na tarde anterior à agressão diziam: A “eliminação das forças vitais” do povo polonês é necessária. Se chama pela “ação brutal”, sem serem inibidos por “empatia”; “o mais forte tem o direito”. Semelhantes são as diretivas que mais tarde a Operação Barbarossa dá: Após o encarceramento dos comissários políticos, os quadros do Exército Vermelho, do Estado Soviético e do Partido Comunista deve ser imediatamente exterminado; no Leste deve se tomar medidas extremas e “duras” e os oficiais alemães e os soldados devem superar suas ressalvas e escrúpulos morais. Por conduzirem de volta os povos de uma velha cultura à situação dos pele-vermelhas (para serem expropriados e dizimados) e dos negros (para serem escravizados) “todos os representantes da intelligentsia polonesa devem ser mortos;” o mesmo tratamento, é claro, a que os russos e a inteligência soviética devem ser submetidos; “isto parece pesado, mas esta é a lei da vida.” É assim que se explica o destino do clérigo católico, dos quadros comunistas na URSS e em ambas as situações, dos judeus, que eram bem representados nas camadas intelectuais e eram suspeitos de inspirarem e apoiarem o Bolchevismo. Hitler foi bem-sucedido em jogar a Polônia contra a União Soviética, mas ele previa o mesmo destino para ambos; mesmo que sob um caminho tortuoso e trágico, a guerra de resistência nacional do povo polonês e a Grande Guerra Patriótica são finalmente relacionadas uma com a outra. O ponto de viragem da "maior guerra colonial da história" é Stalingrado. Se Hitler foi o instigador da contrarrevolução colonial, Stalin foi o instigador da revolução anticolonial que de maneira inesperada encontrou seu centro na Europa.

3. Stalin, Hitler e as minorias nacionais

A definição de Stalin que eu apresentei se contrasta com as políticas que ele levou a cabo no que tange às minorias nacionais? Está além da dúvida que não existe espaço para o direito de retrocesso na concepção de Stalin. Como se confirma na conversa com Dimitrov em 7 de novembro de 1937: “Qualquer um que lance um ataque ao Estado Socialista com seus feitos ou pensamentos será aniquilado sem misericórdia”. Ainda assim são punidos: É uma definição extraordinariamente efetiva mas completamente involuntária de totalitarismo!

Do outro lado, Stalin dá boas vindas e apoia o renascimento cultural das minorias nacionais do Leste Europeu que foram reprimidas por muito tempo. São esclarecedoras as observações feitas por ele no X Congresso do Partido Comunista Russo em 1921: “Cerca de cinquenta anos atrás todas as cidades húngaras tinham um caráter alemão”. Agora se ‘magiarizaram’; os Bielorrussos também tiveram uma experiência de um ‘despertar’. É um fenômeno que se supõe capturar toda a Europa: Da ‘cidade alemã’ que era Riga agora se tornará uma ‘cidade letona’; as cidades da Ucrânia serão ‘ucranizadas’ e farão o elemento russo que anteriormente era dominante, como secundário. E constantemente Stalin polemiza contra os ‘assimilacionistas’, sejam os ‘assimilacionistas turcos’, os ‘prusso-alemães germanizantes’, ou os ‘russificadores czaristas-russos’. Esta posição é portanto particularmente importante porque é ligada à uma elaboração teórica de caráter universal. Em suas polêmicas contra o Kautsky, Stalin enfatiza que o socialismo de nenhuma maneira significa o desaparecimento das línguas nacionais e demais particularidades mas leva a seu maior desenvolvimento e evolução. Qualquer “política assimilacionista” portanto deveria ser condenada como “antipopular” e “contrarrevolucionária”: É particularmente “fatal”, por não compreender o “poder colossal de estabilidade que detém as nações”, “declarar guerra” à cultura nacional” é uma “defesa da colonização.” Quão dramática possa ser a discrepância entre as declarações políticas e as políticas concretamente praticadas, estas declarações nunca são nada e não podem ser nada em um regime político o qual a educação e mobilização ideológica de funcionários e militantes do Partido e doutrinação de massas desempenhou um papel muito relevante.

E novamente o contraste com Hitler se torna aparente. Ele também começa a assumir a Eslavização e a “degermanização” no leste europeu. Mas para ele, isto é um processo que deve ser revertido de qualquer forma. Não é suficiente conter a assimilação linguística e cultural que na verdade representam o “começo da bastardização” e, portanto, de uma “aniquilação dos elementos germânicos”, a “aniquilação de precisamente das propriedades que permitiram aos povos conquistadores de serem vitoriosos”. É preciso germanizar a terra sem nunca germanizar as pessoas. Isso só é possível se a pessoa segue um modelo muito preciso: Para além do Atlântico, a raça branca deve se disseminar pelo Oeste americanizando a terra, mas certamente não os pele-vermelhas: neste sentido os Estados Unidos permaneceram um “estado nórdico-germânico” sem o perigo de caírem em uma “salada de povos internacionais”. O mesmo modelo deve ser seguido pela Alemanha no leste europeu.

4. O papel da Geografia e da Geopolítica

No que tange a atitude em relação à questão nacional, o contraste entre a Rússia Soviética e o Terceiro Reich se confirma. Chegamos a conclusões inteiramente diferentes, no entanto, se nos concentrarmos nas práticas de governo dos dois regimes, que certamente podemos comparar na base da categoria de totalitarismo. E ainda seria enganoso interpretar o terror, a brutalidade, e até a exigência de controlar pensamentos de uma forma psicopatológica.

Não devemos esquecer da doutrina de método que foi desdobrada por um clássico do Liberalismo. No ano de 1787 Alexander Hamilton declarou, às vésperas da passagem a uma nova constituição federal, que a limitação de poder e a introdução do Estado de Direito em dois Estados com caracteres insulares (Grã-Bretanha e Estados Unidos), que são protegidos pelo mar contra qualquer ameaça de potências inimigas, tem sido bem-sucedida. Se o projeto de uma federação tivesse falhado e se sobre suas ruínas tivesse que se destacar os contornos de um sistema de Estados, que se assemelha a aquele, que podemos encontrar no continente Europeu, então mesmo na América haveria fenômenos como de um exército permanente, de um forte poder central e mesmo de absolutismo. “Assim, deveríamos, em escasso tempo, ver estabelecido em cada parte deste país os mesmos mecanismos de despotismo que foram o flagelo do Velho Mundo”. De acordo com Hamilton, se deveria primeiramente possuir campos geográficos e geopolíticos em mente para explicar a permanência ou o desaparecimento das instituições liberais.

Se formos investigar as grandes crises históricas, veremos que todas elas - mesmo se em diferentes medidas - levaram a uma concentração de poder nas mãos de uma personalidade mais ou menos autocrática: A primeira Revolução Inglesa terminou com o poder pessoal de Cromwell, a Revolução Francesa primeiro levou ao poder de Robespierre e em seguida de Napoleão, o resultado da revolução dos escravos negros de São Domingo foi primeiro a ditadura militar de Toussaint Loverture e depois de Dessalines; a Revolução Francesa de 1848 levou ao poder pessoal de Louis Napoleão, ou de Napoleão o Terceiro. A categoria de totalitarismo é de uso em uma comparação analítico das práticas de governo aplicadas em situação mais ou menos aguda de crise. Mas se formos esquecer o caráter formal desta categoria e se a absolutizarmos-na, os irmãos gêmeos correm o risco de se tornarem muito grandes e uma família muito heterogênea.

No que concerne o século XX, houveram inúmeras crises no período de entre a primeira e a Segunda Guerra Mundial que levaram a erigir ditaduras de um homem só. Em um olhar mais atento, este é ainda o destino de quase todos os países da Europa Continental. Com exceção dos países “Ilha-Estado” que Hamilton mencionou. No entanto, embora estes tivessem uma tradição liberal no fundo e desfrutassem de uma situação geográfica e geopolítica particularmente favorável, eles também tinham uma tendência de concentração de poder, de reforçar o poder executivo sobre o poder legislativo, de limitar o Estado de Direito: Nos EUA, um mandado de execução por Franklin Delano Roosevelt foi o suficiente para encarcerar os cidadãos norte-americanos de origem japonesa. Isto significa que a investigação sobre no que a categoria de totalitarismo é fundamentada toca mesmo os países mais discretos

5. "Totalitarismo" e "Autocracia racial global"

Vamos mudar nossa atenção da prática de governo para os objetivos políticos. Mesmo sobre as políticas domésticas, Hitler olhou para os EUA. “Mein Kampf” e ”Hitler’s Zweites Buch” repetidamente alertaram: Na Europa, não é apenas a Rússia Soviética que incita todas as raças de cor à lutarem contra a supremacia branca que é inimigo jurado da civilização e da dominação branca; não devemos perder de vista a França, que subjugou um país branco como a Alemanha à ocupação por tropas de cor. Também devemos olhar diretamente para a “bastardização”, da “negrotização”, da “pretização universal” que está sendo realizada na França, ou mais precisamente no “Estado Mulato afro-europeu” que se expandiu “do Reno para o Congo”. Esta desgraça é positivamente contida no exemplo da “América do Norte” onde os “germânicos” evitaram a “mistura sanguínea de arianos com povos inferiores” e a “desgraça sanguínea” e permaneceram “racialmente puros e não mistos”, razão a qual torna eles capaz de dominarem todo o continente.

O regime de “Supremacia Branca” dominante no Sul dos Estados Unidos é um modelo, já carrega a cultura reacionária que posteriormente levou ao Nazismo. Em uma visita aos EUA no final do século XIX, Friedrich Ratzel, um grande teórico da geopolítica, esboça uma imagem característica: Quando as nuvens de fumaça da ideologia, com sua fidelidade aos princípios de “justiça”, desaparecem o que aparece é a realidade da “aristocracia racial”, tais como a lei de linchamentos contra os negros, “a repressão e a destruição dos indígenas” e a perseguição que os imigrantes do Leste enfrentam. Nos EUA, surge uma situação que “evita a forma da escravidão, mas adere à essência da subordinação, da estratificação social das raças”. Houve uma “regressão” no que tange as ilusões aprazíveis dos abolicionistas e defensores da democracia multirracial dos anos da “Reconstrução”. Tudo isto, que Ratzel compreende com uma visão perspicaz, terá consequências que vão além da república norte-americana: “Apenas vemos o nascimento das repercussões que esta regressão terá na Europa e até mais na Ásia”.

Posteriormente, o vice-cônsul da Áustria-Hungria em Chicago também aponta para a contrarrevolução em curso nos EUA e ao seu caráter caritativo e instrutivo. A Europa aqui tem um atraso, porque aqui os negros das colônias são bem-vindos como uma “iguaria”: Que diferença do comportamento do “orgulho americano da pureza de sua raça”, que evita o contato com não-brancos usando critério para estes como aqueles que em cujas veias passem apenas “uma gota de sangue negro”! Bem, “se a América pode em alguma coisa ensinar a Europa, é na questão negra e racial”.

Como ambos dos autores citados aqui previram, a contrarrevolução racista que pôs um fim à democracia multirracial dos anos da “Reconstrução” nos EUA, na verdade atravessa o Atlântico. Alfred Rosenberg por exemplo saudou os Estados Unidos como o “maravilhoso país do futuro”: Ao limitarem os direitos civis aos brancos e fortalecendo em todos os níveis e de todas as formas a “Supremacia Branca”, merecem o mérito de terem formulado a feliz “nova ideia de Estado-racial”: Sim, “a questão negra está na vanguarda de todas as outras questões nos EUA;” e se for abandonado o princípio absurdo de igualdade para os negros, então se desenharia no cenário “as consequências necessárias disso para os amarelos e judeus”.

Apenas à primeira vista, está é uma explicação surpreendente. No começo do século XX, nos anos de formação do movimento Nazi na Alemanha, a ideologia dominante nos Estados Sulistas dos EUA encontrou sua expressão nos “Jubileus da Supremacia Branca”, onde pessoas armadas de uniforme marchavam, inspirados pelo “credo racial do povo sulista”. Aqui está a formulação deles: “1. O sangue dará a resposta. 2. A raça branca deve dominar. 3. Os povos Teutônicos defendem a pureza racial. 4. O negro é inferior e permanecerá assi,. 5. Este é um país do homem branco. 6. Sem igualdade social. 7. Sem igualdade política. 8. Sobre os direitos civis, dar ao homem branco, diferente do homem de cor, o benefício da dúvida; e sob nenhuma circunstância interferir no prestígio da raça branca. 9. Em política educacional, deixar o negro ter as migalhas que caem da mesa do homem branco. 10. Deixar ter uma educação industrial para os negros de forma que faça ele servir melhor ao homem branco. [...]14. Deixar o homem branco na menor posição social contar por mais do que o negro na mais alta posição. 15. As declarações acima indicam a direção da Providência."

Sem dúvida aqui isso nos leva a uma proximidade com o Nazismo. Principalmente porque no Sul dos EUA comprometido com este catecismo, que expressivamente exigem “para o Inferno com a Constituição”, apenas para levar a cabo na teoria e prática a absoluta “superioridade os Arianos” e para fugir da “HEDIONDA, ALARMANTE, AMEÇA NACIONAL” dos negros. Aterrorizado como está, “o negro não fará nenhum mal”, algumas vozes críticas ocasionais e ainda assim, as gangues racistas estão prontas “para mata-lo e fazê-lo desaparecer da face da terra; estão decididas a fazer erigir uma “autocracia racial global”, com a “identificação absoluta da raça mais forte com a própria existência do Estado”.

O que nomeia mais adequadamente o Terceiro Reich: a categoria de “totalitarismo” (que aproxima Hitler de Stalin) ou a categoria de “autocracia racial global” (que se refere ao regime de “Supremacia Branca” que reinava nos Estados do Sul dos EUA mesmo na época da tomada do poder de Hitler na Alemanha)? Uma coisa é clara: não se pode entender o vocabulário nazista adequadamente se olharmos apenas para a Alemanha. O que é a “desgraça sanguínea” da qual o ‘Mein Kampf’ alerta - como vimos - se não a “miscigenação” que é condenada também pelos instigadores da “Supremacia Branca”? Mesmo o termo-chave da ideologia nazista “subhumano” [Untermensch] é uma tradução do termo dos Estados Unidos “Under Man”!

Isto é enfatizado em 1930 por Alfred Rosenberg que expressa sua admiração pelo autor estadunidense Lothrop Stoddard: Este último teve o mérito de ser o primeiro a cunhar a noção em questão que surge como um subtítulo ("A Ameaça do sub-humano”) de seu livro que apareceu em Nova York em 1922 e três anos mais tarde, em uma tradução alemã em Munique (“The Drohung des Untermenschen”). O “Subhumano”, respectivamente o Untermensch é o que ameaça a civilização e para evitar este perigo precisamos de uma “autocracia racial global”! Se partirmos daqui ao invés da categoria de totalitarismo, é auto sugestivo que se considera não Stalin e Hitler, mas ao invés deles, os supremacistas brancos dos Estados Sulistas dos EUA e os nazistas alemães como irmãos gêmeos. E Stalin se opõem a ambos, que não por menos foi algumas vezes foi saudado por militantes afro-americanos como o “novo Lincoln”.

6. Duas guerras para restaurar a dominação colonialista e escravista

Certamente o Pacto Ribbentrop-Molotov ainda deve ser explicado. A URSS se esforça não como a primeira, mas como a última a fazer um acordo com o Terceiro Reich. Mas aqui, eu, como um filósofo que é conduzido da análise das categorias políticas para a comparação histórica, gostaria de fazer uma consideração diferente. Quase um século e meio antes da guerra lançada por Hitler para subjugar e escravizar os povos do leste europeu, certamente havia outra grande guerra em outro contexto histórico cujo objetivo era a restauração da dominação colonial e da escravidão. Foi a campanha comandada por Napoleão e confiada a seu irmão-de-lei, Charles Leclerc, contra San Domingo, a ilha governada pelo líder da revolução vitoriosa dos escravos negros, Toussaint Louverture. Mesmo após 29 de agosto de 1793, o dia em que L.F. Sonthonax, o representante da França revolucionária proclamou a abolição da escravidão na ilha, Loverture continuou a lutar ao lado da Espanha; porque ele era suspeito na França, o líder negro que colaborou por muito tempo com um país detentor de escravos do Ancien Régime, que levou uma guerra contra a República Jacobina e o poder abolicionista, que ao mesmo tempo havia se estabelecido em São Domingo. Mesmo em 1799, ele teve que, para salvar o país do colapso econômico, começar a fazer relações comerciais com a Grã-Bretanha que se jogou em uma guerra contra a França e uma possível vitória da Inglaterra acabaria por ter efeitos bastante negativos no projeto abolicionista. E ainda assim, Toussaint Loverture sempre permaneceu o grande protagonista das revoluções anticolonial e abolicionista e o antagonista de Leclerc (e de Napoleão). Apesar da situação histórica completamente transformada, um século e meio depois, não há nenhuma razão para se abordar Stalin de forma diferente: a tortuosidade dos processos históricos não deve nos fazer perder de vista o essencial.

Mesmo antes da invasão francesa e prevendo-a, Toussaint Loverture impôs uma ditadura produtivista implacável e reprimiu com mão de ferro todos os desafios e ataques a seu poder; depois, a chegada das tropas francesas lideradas por Leclerc foi o começo de uma guerra que no final se tornou uma guerra de extermínio em ambos lados. O que deveríamos dizer sobre uma interpretação desta guerra que categoriza Louverture e Leclerc sob a categoria de “totalitarismo” para contrapor ambos aos liberais e à liderança democrática dos EUA? Por um lado, esta caracterização seria banal: O terror é óbvio em um conflito que no final se torna uma guerra racial; do outro lado seria extremamente distorcido: seria colocar os inimigos da escravidão e os donos de escravos no mesmo nível e omitir que os donos de escravos encontraram inspiração e apoio nos EUA onde a escravidão negra vivia e muito bem. A categoria de totalitarismo não se torna mais convincente se for empregada como único critério de interpretação para um conflito gigantesco entre a revolução anticolonial e a contrarrevolução colonial, defendendo a escravidão, que se desencadeou na primeira metade do século XX. É evidente que este é um capítulo da história que necessita investigação profunda de todos os tipos e torna inevitável interpretações controversas; mas não há nenhuma razão para ainda transformar dois inimigos mortais em irmãos gêmeos.

Notas:

1 Tendulkar 1990, p.210

2 Gandhi 1969-2001, Vol. 80, p. 200 (Answers to Questions, 25. April 1941) and vol. 86, p. 223 (Interview with Ralph Coniston in April 1945).

3 James 1963, p. 310 (Addition of 1963 to the original edition of 1938).

4 Torri 2000, p. 598.

5 In Mukerjee 2010, p. 78 and pp. 246-47).

6 De Gasperi 1956, p. 15-16.

7 Fredrickson 2002, p. 2 and p. 124.

8 Trans. German Emergency League against the Disgrace of the Blacks.

9 Longerich 2008, p. 66/Longerich 2012, p. 51

10 Ibid.

11 Goebbels 1992, pp. 1747-48.

12 Spengler 1933, p. 150.

13 Hitler 1939, pp. 153-54.

14 Hitler 1980, p. 377 and p. 334 (Conversations of the 30th August of 1942 and of 8th August of 1942).

15 Trans. Herrentum,

16 Himmler 1974, p. 156 and p. 159.

17 Stalin 1917.

18 Stalin 1917a.

19 Stalin 1920.

20 Olusoga, Erichsen 2011, p. 327

21 Hitler 1965, see the speeches from the 22th of August 1939, from the 28th of September 1940 and from the 30the March and 8th November 1941.

22 Dimitroff 2000, p. 162

23 Stalin 1921.

24 Stalin 1927.

25 Hitler, 1939, p. 82 and pp. 428-29.

26 Hitler, 1961, p. 131-32.

27 Hamilton 1987.

28 Hitler 1961, p. 52; Hitler 1939, p. 730.

29 Hitler 1939, pp. 313-14.

30 Rosenberg 1937, p. 673 and pp. 668-69.

31 In Woodward 2013, p. 350 and pp. 355-56.

32 In Woodward 2013, p. 352-53.

33 What concerns Ratzel, the vice consul in Chicago and Stoddard, see Losurdo 2007b, p. 164-65 and pp. 159.

34 Losurdo 2012, chapter 6, § 8.

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