3 de junho de 2015

Syriza dentro da “Gaiola de Ferro”?

Stathis Kouvelakis


Tradução / Esta coluna por Alexis Tsipras é importante em vários aspectos.

Ele mostra uma mudança qualitativa na situação grega, por muitas razões diferentes.

Antes de mais nada, pela primeira vez Tsipras fornece-nos (inclusive aos leitores gregos) uma lista das concessões que o governo grego fez durante as negociações com as“Instituições”, como a troika passou a ser chamada. E a lista é impressionante: acordo sobre excedentes orçamentais; o abandono efetivo da demanda de anulação da dívida (que sequer é mencionado nesta coluna); aumento no Imposto sobre Valor Agregado (IVA); adiar o aumento do salário mínimo e da restauração da negociação colectiva para um futuro vago e sob a condição de uma aprovação da (OIT); implementação de reformas para reduzir aposentadorias e reconhecimento de impostos existentes sobre a propriedade, os mesmos que o Syriza declaradamente se comprometeu a abolir.

E a isso devemos acrescentar outro ponto essencial: como a versão em grego do texto de Tsipras deixa claro, o “fortalecimento dos corpos públicos independentes” não diz respeito só à agência ELSTAT de estatísticas, mas, e mais importante, também ao secretariado de rendas públicas. ssim, o coração do aparato econômico do Estado se liberta do controle dos governos eleitos: na realidade, ele vai trabalhar sob a supervisão direta das instituições da UE. Mantendo Katerina Savaidou na posição estratégica que ocupa, para a qual foi indicada nas últimas semanas do governo anterior, e que já foi sinal de que o governo estava aceitando manter esse corpo estratégico fora de seu corpo de controle executivo.

Memorando “suave” versus “duro”?

Vamos ser claros. Em primeiro lutar, essas concessões, que Alexis Tsipras reconheceu aqui pela primeira vez, nunca foram discutidas publicamente em nenhum nível, nem no Partido, nem no Parlamento, nem, sequer, dentro do governo, no sentido de um debate coletivo comunicado à cidadania. São medidas simplesmente anunciadas, depois de acertadas ao longo de negociações absolutamente opacas com a União Europeia.

Em segundo lugar, neste texto Alexis Tsipras não fala de um tema ao qual se referiu várias vezes em outras ocasiões, inclusive em sua comentada entrevista a Der Spiegel, a saber, o fato de que desde fevereiro o Banco Central Europeu está usando a liquidez como um meio de chantagear Grécia. Ele menciona só a suspensão dos pagamentos de empréstimos, que forçou o governo grego a reembolsar seus credores usando exclusivamente recursos próprios – um processo que conduziu à situação atual, que continua a drenar os cofres. Com isso, nega a ele mesmo o principal argumento que lhe poderia permitir mostrar o que a União Europeia está realmente fazendo – mas argumento que, ao mesmo tempo, o forçaria a admitir o enfraquecimento de sua posição e o caráter danoso do acordo de 20 de fevereiro de 2015 que ele continua a defender.

Em terceiro lugar, é evidente que seja com a questão for colocada, o quadro que Tsipras propõe aqui é de uma austeridade suavizada, e não, de ruptura com a austeridade. Todo o edifício dos memorandos está de volta, mas apenas aparados nas bordas. Dito de outro modo, resta pouco do Programa Thessaloniki, que foi, não esqueçamos, apresentado como um “programa de emergência” a ser aplicado imediata e independentemente do resultado das negociações. Ainda pior, as quatro linhas vermelhas que o próprio Alexis Tsipras estabeleceu, em 16 de abril, em uma declaração portentosa à agência Reuters (sobre aposentadorias, IVA, privatização e negociação coletiva) também foram, todas elas, atropeladas de um ou de outro modo.

Então, alguns podem perguntar onde está o limite imposto e por que Alexis Tsipras procura dramatizar as coisas, como na sentença final (“por quem os sinos dobram”) e como outras passagens parecem sugerir. A razão muito simples para tudo isso é que a Troika não está satisfeita em continuar com a austeridade existente e o quadro do Memorando. A Troika quer apertar as atuais condições, impondo imediatamente outros cortes nas aposentadorias e aumentando a desregulação do mercado de trabalho, e, isso, exclusivamente para desmoralizar o governo do Syriza. E Tsipras devolve a bola para a quadra deles, dizendo: "Quem quer o rompimento são vocês, não eu. Vejam aí: estou pronto a administrar a austeridade e a adiar sine die o programa que fui eleito para implementar, mas vocês pedem mais que isso, e que eu vá além, até, do que você exigiram de Samaras." Em seguida, ele brande o espectro da “divisão da Europa” e exige que aqueles “valores” sejam respeitados, como se o enterro das promessas do Syriza, menos de cinco meses completos depois de eleito, fosse um sacrifício aceitável para preservar a tal “unidade” da Europa; como se aceitar o “acordo” que ele propõe representasse um passo na direção da “solidariedade, igualdade e democracia europeias”, que ele evoca (isto é apenas fraseologia vazia - mas raramente soou tão sinistra).

Sem brincar de ser um profeta e prever onde tudo isso vai nos levar, vamos simplesmente observar o estado atual das coisas:

  1. O governo grego entrou numa verdadeira espiral de retrocessos, onde uma concessão leva a outra, e não há motivo para pensar que isso vá parar.
  2. Tudo isso era inteiramente previsível, porque a maioria da liderança do Syriza não preparou nem adotou linha de confrontação como proposta desde o início da crise nas numerosas intervenções da Plataforma de Esquerda e, mais amplamente, de toda a esquerda do Syriza.
  3. Claramente, depois disso tudo, continuar a falar de alguma ruptura com a austeridade e com as políticas neoliberais dentro do atual quadro europeu é ou irresponsabilidade ou tentativa deliberada de enganar as pessoas.

Há uma alternativa!

Outra forma ainda é possível, que poderia poupar, à mais promissora experiência da Esquerda em décadas, o desastre que agora parece próximo. Os principais elementos dessa alternativa foram expostos no mais recente documento da Plataforma de Esquerda, que obteve 44% dos votos na última reunião do Comitê Central do Syriza.

O governo deve empreender um contra-ataque, com um plano alternativo, que é baseado nas promessas pré-eleitorais do Syriza e nos programas anunciados pelo partido, um plano estruturado de acordo com o seguinte conjunto de medidas a serem implementadas de imediato:

A nacionalização dos bancos com todas as necessárias medidas para garantir a função dos bancos nacionalizados, por critérios transparentes, produtivos, de desenvolvimento e sociais.

O fim imediato de qualquer grade de proteção que favoreça a oligarquia grega mergulhada em escândalos.

A taxação substancial da riqueza e das grandes propriedades, bem como taxação dos maiores acumuladores e dos altos lucros de corporações.

A reintrodução imediata e integral, bem como salvaguarda e aplicação prática da legislação e dos direitos trabalhistas à organização sindical.

O governo tem de responder com decisão à propaganda dos círculos de poder que aterrorizam o povo com o cenário de total desastre, que a suspensão do serviço da dívida e uma eventual saída da eurozona atrairiam sobre o país.

A prioridade dos próximos dias tem de ser não fazer o pagamento da próxima parcela do FMI, devida em 5 de junho de 2015.

O maior desastre que surge no horizonte da Grécia seria a imposição de algum novo memorando, que significaria o fim de qualquer esperança de alternativa à terapia de neoliberal de choque. Este desenvolvimento deve ser evitado, como Malcom X costumava dizer, por quaisquer meios e sacrifício necessário.

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