27 de fevereiro de 2015

Para além do modelo sueco

A Suécia demonstra a promessa e os limites do estado de bem-estar social.

Uma entrevista com
Petter Nilsson

Entrevistado por
Michal Rozworski

Jacobin

Manifestação em 2014 na Suécia, com grande presença de militantes do Partido da Esquerda (Vänsterpartiet). Foto: Editorial do Avanti (Suécia)

Tradução / Muitos dos debates na esquerda contemporânea remetem ao legado da social-democracia. Alguns anseiam por um retorno a essa época aparentemente idílica, enquanto outros apontam o que ela tinha de inadequado e nos incentivam a olhar para além do Estado de bem-estar social. Visto que a experiência sueca no pós-guerra foi a que chegou mais perto de cumprir os ideais social-democratas, ela é extremamente instrutiva para essas discussões.

Visto que a experiência sueca no pós-guerra foi a que chegou mais perto de cumprir os ideais social-democratas, ela é extremamente instrutiva nessas discussões.

Michal Rozworski conversou com Petter Nilsson, do Partido da Esquerda da Suécia ( Vänsterpartiet ), sobre a social-democracia em seu país e seu significado mais amplo. A entrevista foi condensada e editada para melhorar a compreensão.

Michal Rozworski

A Suécia ainda é vista por muita gente em todo o mundo como um modelo de Estado de bem-estar social, mas ela passou por mudanças drásticas durante as últimas duas décadas. Você pode dar um breve resumo do que significa olhar para a Suécia, como você já disse, “sem ilusões”?

Petter Nilsson

Nós temos uma piada na esquerda sueca de que todo mundo gostaria de ter o modelo sueco, e talvez os suecos gostariam de tê-lo mais do que ninguém. O que é considerado como sendo o modelo sueco atingiu o seu pico talvez no final dos anos 70, início dos anos 80 e, desde então, passou pelos mesmos desenvolvimentos que o resto da Europa com a onda neoliberal.

Como a Suécia começou esse processo partindo de um alto nível de compressão salarial e de igualdade em termos de gênero, ela ainda é muito igualitária em comparação com outros países europeus. Ainda assim, ao mesmo tempo, nós temos o crescimento mais acelerado das diferenças de classe dentro da OCDE.

Quando os sociais-democratas deram uma guinada à direita por volta de 1986, muitos dos desenvolvimentos ocorridos em outros países europeus chegaram à Suécia em uns poucos golpes rápidos. Em apenas alguns anos, tivemos grandes aumentos nas diferenças de classe e isso afetou nosso sistema universal de bem-estar social.

Esse sistema sempre foi baseado na alta compressão dos salários, que incluía a classe média no mesmo sistema de bem estar social que as demais pessoas. Seus membros sentiam que, como a qualidade dos programas de bem-estar era tão alta, eles estavam dispostos a pagar impostos para financiá-los. Mas assim que o financiamento para os serviços públicos é cortado, a qualidade cai e a classe média opta por migrar para soluções privadas.

Michal Rozworski

O que acontece quando se sai desse círculo virtuoso que cria igualdade e que conquista apoio para serviços públicos de alta qualidade? Como a sabotagem dos serviços públicos leva a um tipo diferente de círculo vicioso?

Petter Nilsson

Há um equívoco sobre o estado de bem-estar social nórdico, de que ele só teria sido possível devido ao alto nível de confiança da população. Nos últimos anos, pesquisas têm mostrado que na realidade um dos efeitos do sistema de bem-estar universal é que as pessoas passam a confiar mais umas nas outras e então o sistema de bem-estar social se torna um reflexo ainda mais profundo dessa confiança.

Mas se você olhar, por exemplo, para os trabalhos mais polêmicos de Milton Friedman, ele diz que se você quiser cortar o sistema de bem-estar social, você deve cortar os recursos e manter o sistema em déficit por alguns anos para que a qualidade caia – e então as pessoas não terão interesse em defender o serviço público.

Na verdade, é isso o que a direita normalmente faz quando chega ao poder: corta o financiamento para que, por exemplo, a qualidade das escolas públicas caia e depois propõem escolas privadas. As pessoas começam a dizer: “Bem, se as escolas públicas são tão ruins, então temos de ter uma alternativa privada para aqueles que podem pagar.” Isso é um ataque ideológico e uma estratégia explícita para minar a confiança no sistema público de bem-estar social.

Ao mesmo tempo, na Suécia, entre 80% e 90% do público diz que estaria disposto a pagar um nível mais alto de impostos para financiar níveis mais altos de bem-estar social. Portanto, a expectativa de programas de bem-estar social ainda é bem alta – eles apenas não estão sendo impulsionados por nenhum outro partido político além do Partido de Esquerda.

Michal Rozworski

O que você acha que explica essa desconexão entre o alto nível de apoio ao sistema de bem-estar social e a disposição de pagar por ele, por um lado, e o que está realmente acontecendo politicamente, pelo outro?

Petter Nilsson

Na Suécia, os sociais-democratas estiveram no poder por mais de oitenta dos últimos cem anos. Eles tinham um projeto político. A ideia era formar uma população homogênea e igualitária. Havia também uma estratégia de verdade para eliminar capitais menos competitivos e, portanto, para transferir fundos para setores mais produtivos. A Suécia teve talvez a estratégia fordista mais bem-sucedida entre todos os países.

Isso produziu algo único. Nós tínhamos um partido social-democrata no poder com um Estado social-democrata que produzia pessoas com uma mentalidade social-democrata. No final da década de 1970, esse arranjo se chocou com contradições. Algumas coisas pararam de funcionar: os salários eram mantidos mais baixos nas empresas privadas que tinham a maior produtividade, para transferi-los para o setor público, mas as corporações acabaram tendo superlucros.

Os fundos dos assalariados foram uma proposta para resolver esse conflito. A Suécia havia alcançado a democracia política com o direito ao voto; tínhamos uma democracia pública, com o estado de bem-estar social; e então passaríamos a ter democracia econômica, por meio do que na prática seria a compra das corporações para a classe trabalhadora.

Para encurtar a história, os limites da estratégia fordista tornaram-se aparentes no final dos anos 1970. O estado de bem-estar sempre foi “comprado” com os ganhos de produtividade. A divisão entre os trabalhadores e o capital permaneceu basicamente a mesma, mas o nível de crescimento da produtividade era tão grande que era possível comprar ganhos para o estado de bem-estar social, embora o capital mantivesse o mesmo nível de lucros.

No início dos anos 70, houve uma onda de greves “selvagens” [por fora dos sindicatos estabelecidos]. Era um protesto contra esse modelo que funcionou tão bem entre, digamos, 1932 e 1979. Depois disso, os Sociais-Democratas se tornaram um partido tradicional, da social-democracia da Terceira Via. Eles estabeleceram uma meta de inflação, permitiram que o desemprego crescesse e a Suécia se tornou um país europeu tradicional.

O que acontece a seguir é que os partidos de direita, que nunca haviam sido capazes de se unir até então, o fazem. Eles obtiveram muito sucesso e venceram duas eleições consecutivas, o que era inédito. Isso polariza o sistema político sueco, e os sociais-democratas então sentem que precisam reconquistar os eleitores indecisos de classe média que foram para a coalizão de direita.

Michal Rozworski

Como é a luta pelo futuro do estado de bem-estar social sueco, então? Vocês estão voltando sem nostalgia por algo que já passou, ou será que terá de ser algo diferente?

Petter Nilsson

Acho que existe um perigo em ficarmos nostálgicos com o estado de bem-estar social sueco. Eu cresci no auge do estado de bem-estar social sueco e, em muitos aspectos, era uma sociedade melhor do que a que temos hoje. Ao mesmo tempo, ela estava repleta de contradições internas.

A Nova Esquerda de 1968 tinha muitas críticas ao estado de bem-estar social que não devemos esquecer: que era centralizado e burocratizado, que era difícil promover mudanças. Não devemos retornar a isso.

Ao mesmo tempo, os próprios sociais-democratas não entendem a genialidade do estado de bem-estar social: ele produziu uma sociedade que tinha uma subjetividade coletiva. Havia instituições dentro da sociedade que “interpolavam” (por falta de um termo melhor) as pessoas como uma entidade coletiva. Porém, se você tem privatizações e um modelo baseado no consumo, as pessoas passam a atuar como sujeitos econômicos neoliberais.Para avançar, precisamos defender o que resta do estado de bem-estar social como uma espécie de fronteira do que pode ou não ser privatizado e do que a direita política pode alcançar. Ao mesmo tempo, temos que começar a pensar em outros tipos de empreendimentos coletivos que possam produzir uma sociedade que, na próxima etapa, impulsione um Estado de bem-estar social mais coletivo e universal – e terão de ser novas formas. As grandes questões são: como produzir uma nova forma coletiva e universal de subjetividade? Que tipo de instituições serão capazes de produzi-la? E como elas poderiam sobreviver a derrotas eleitorais?

Sobre o entrevistado

Petter Nilsson é membro do Centro para Estudos Sociais Marxistas e trabalha em Estocolmo para o Partido de Esquerda da Suécia.

Sobre o entrevistador

Michal Rozworski pesquisa e escreve sobre sindicalismo. É co-autor, junto de Leigh Phillips, de A República Popular do Walmart (em breve no Brasil, pela Autonomia Literária).

24 de fevereiro de 2015

A alternativa na Grécia

A estratégia negocial da liderança do Syriza falhou, mas não é tarde de mais para evitar a derrota completa.

Stathis Kouvelakis

Jacobin

Kostas Tsironis / Reuters

Tradução / Vamos começar com o que deveria ser indiscutível: o acordo do Eurogrupo para que o governo grego foi arrastado, na sexta-feira, equivale a uma retirada precipitada.

O regime do memorando deverá ser prorrogado, o contrato de empréstimo e a totalidade da dívida reconhecida, a "supervisão", outra palavra para o domínio da troika, deverá manter-se sob outro nome, havendo agora poucas hipóteses de o programa do Syriza poder ser implementado.

Um falhanço tão completo não é, não pode ser, uma questão de sorte, ou o produto de uma manobra tática mal concebida. Ela representa a derrota de uma linha política específica, em que se tem apoiado a abordagem atual do governo.

Acordo de sexta-feira

No espírito do mandato popular para uma ruptura com o regime do memorando e a libertação da dívida, o lado grego entrou nas negociações rejeitando a prorrogação do atual "programa", acordado com o governo Samaras, juntamente com a tranche de € 7 mil milhões, com a exceção dos € 1,9 mil milhões de retorno sobre títulos gregos a que tinha direito.

Não consentindo em quaisquer procedimentos de supervisão e de avaliação, pediu um "programa ponte", de quatro meses de transição, sem medidas de austeridade, para assegurar a liquidez e implementar pelo menos parte de seu programa, no âmbito de orçamentos equilibrados. Pediu também que os credores reconhecessem a inviabilidade da dívida e a necessidade imediato de uma nova ronda de negociações compreensivas sobre ela.

Mas o acordo final equivale a uma rejeição, ponto por ponto, de todas estas exigências. Além disso, ele implica um outro conjunto de medidas destinadas a atar as mãos do governo e frustrar qualquer medida que possa significar uma ruptura com as políticas do memorando.

No comunicado de sexta-feira do Eurogrupo, o programa existente é referido como um "compromisso", mas isso não muda absolutamente nada de essencial. A "extensão" que o lado grego está agora a solicitar (ao abrigo do "Acordo Guia Facilitador de Assistência Financeira" - AGFAF), deve ser executada “no âmbito do compromisso existente" e visa "a conclusão com sucesso da revisão com base nas condições do compromisso atual”.

E também se diz claramente que

“apenas a aprovação pelas instituições da conclusão da revisão do compromisso alargado (...) permitirá qualquer desembolso da parcela remanescente do Programa FEEF atual e a transferência dos lucros SMP de 2014 [estes são os tais 1,9 mil milhões de lucros com os títulos gregos a que a Grécia tem direito]. Ambos são novamente sujeitos à aprovação pelo Eurogrupo.”

Assim, o governo grego vai receber a tranche que tinha inicialmente recusado, mas com a condição de respeitar os compromissos dos seus antecessores.

O que temos, portanto, é uma reafirmação da postura típica alemã de impor - como pré-condição para qualquer acordo e qualquer desembolso futuro do financiamento - a conclusão do processo de "avaliação" pelo mecanismo tripartido (seja isso chamado de "troika" ou de "instituições ") para a supervisão de todos os acordos, do passado e do futuro.

Além disso, para deixar bem claro que o uso do termo "instituições" em vez do termo "troika" é de fachada, o texto reafirma especificamente a composição tripartida do mecanismo de supervisão, enfatizando que as "instituições" incluem o BCE ("neste contexto, recordamos a independência do Banco Central Europeu") e o Fundo Monetário Internacional ("nós também concordamos que o FMI vai continuar a desempenhar o seu papel").

No que respeita à dívida, o texto menciona que "as autoridades gregas reiteram o seu compromisso inequívoco de honrar as suas obrigações financeiras para com todos os seus credores, de forma plena e tempestiva". Por outras palavras, esqueça-se qualquer discussão sobre "cortes de cabelo", "redução da dívida", para não falar já da "anulação da maior parte da dívida", que é o compromisso programático do Syriza.

Qualquer futuro "alívio da dívida" só é possível com base no que foi proposto na decisão do Eurogrupo de novembro 2012, ou seja, uma redução nas taxas de juros e um reescalonamento, que, como é bem conhecido, faz pouca diferença para o peso do serviço da dívida, afetando apenas o pagamento de juros, que já são muito baixos.

Mas isso não é tudo, porque, para o pagamento da dívida, o lado grego está aceitando plenamente o mesmo enquadramento decidido pelo Eurogrupo em novembro de 2012, na época do governo de três partidos de Antonis Samaras. Ele incluiu os seguintes compromissos: 4,5% de superávites primários a partir de 2016, privatizações aceleradas e a criação de uma conta especial para o serviço da dívida – para a qual o sector público grego deverá transferir todos os rendimentos dos privatizações, os superávites primários, e 30% dos excedentes suplementares.

Foi também por esta razão que o texto de sexta-feira menciona não apenas os excedentes, mas também "procedimentos de financiamento". Em qualquer caso, o núcleo central da pilhagem do memorando, nomeadamente a realização de superávites primários escandalosos e o desbaratamento de bens públicos com a exclusiva finalidadede encher os bolsos dos credores, permanece intacto. O único indício de relaxamento da pressão é uma garantia vaga de que "as instituições, para a meta de superávite primário de 2015, tomarão em conta as circunstâncias económicas especiais do ano 2015".

Mas não foi o suficiente que os europeus rejeitassem todas as exigências gregas. Eles tinham, em todos os sentidos, que atar de pés e mãos o governo Syriza, a fim de demonstrar na prática que qualquer que seja o resultado eleitoral e o perfil político do governo que possa surgir, nenhuma reversão da austeridade é viável no âmbito europeu existente. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou mesmo: "não pode haver escolha democrática contra os tratados europeus."

E as providências para isso devem ocorrer de duas maneiras. Em primeiro lugar, tal como indicado no texto: "As autoridades gregas se comprometem a abster-se de qualquer reversão de medidas e alterações unilaterais das políticas e reformas estruturais que impactem negativamente nas metas fiscais, na recuperação econômica ou na estabilidade financeira, conforme a avaliação das instituições."

Portanto, nenhum desmantelamento do regime do memorando ("reversão de medidas"), e nenhumas "alterações unilaterais". E isto não só no que diz respeito às medidas com um custo orçamental (tal como a abolição de impostos, a elevação do limiar de isenção de impostos, aumentos em pensões e assistência "humanitária"), como tinha sido indicado inicialmente, mas também num sentido muito mais amplo, incluindo tudo o que poderia ter um "impacto negativo" sobre "a recuperação económica ou a estabilidade financeira", sempre de acordo com o decisivo julgamento das "instituições"

Escusado será dizer que isso é relevante não só para a reintrodução de um salário mínimo e o restabelecimento da legislação trabalhista que foi desmantelada nos últimos anos, mas também para as mudanças no sistema bancário que pudessem reforçar o controlo público (não há uma palavra, sequer, é claro, sobre a "propriedade pública", conforme previsto na declaração fundadora do Syriza).

Além disso, o acordo especifica que

“os fundos disponíveis até ao momento na almofada do Fundo Helénico de Estabilidade Financeira (FHEF) devem ser detidos pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), livres de direitos de terceiros durante todo o período de prorrogação AGFAF. Os fundos continuam a estar disponível para o período de prorrogação AGFAF e só podem ser utilizados para a recapitalização dos bancos e custos de resoluções. Eles só serão libertados a pedido do BCE / SSM.”

Esta cláusula mostra como não escapou à atenção dos europeus que o Programa de Thessalonica de Syriza afirmava que "o dinheiro para alimentar o setor público e um dinheiro intermediário para o estabelecimento de bancos de propósitos especiais, de um montante total da ordem dos € 3 mil milhões, será fornecido através de chamada "almofada" do FHEF de cerca de €11 mil milhões para os bancos”.

Em outras palavras, adeus a qualquer idéia de usar fundos FHEF para objectivos orientados para o crescimento. Quaisquer ilusões ainda subsistentes a respeito da possibilidade de utilizar fundos europeus para fins exteriores à camisa de força para a qual foram especificamente reservados - e mais ainda que eles pudessem ser colocados sob a jurisdição do governo grego – ficaram assim dissipadas.

Derrota da estratégia do "bom euro"

Pode o lado grego, possivelmente, acreditar ter conseguido algo mais do que a criatividade verbal impressionante do texto? Teoricamente, sim, na medida em que já não há quaisquer referências explícitas às medidas de austeridade, e as "mudanças estruturais" citadas (reformas administrativas e a repressão à evasão fiscal) não pertencem a esta categoria, uma modificação que, naturalmente, precisa de uma verificação cruzada contra a lista de medidas que devem surgir nos próximos dias (2).

Mas dado que o objetivo dos escandalosos excedentes orçamentais foi mantido, juntamente com a totalidade da maquinaria de supervisão e avaliação da troika, qualquer noção de um relaxamento da austeridade parece fora de contato com a realidade. Novas medidas e, é claro, a estabilização do adquirido pelo "memorando" são uma via de sentido único, enquanto o regime atual prevaleça e se perpetue, renomeado.

Resulta claro do exposto que, no decurso das "negociações", com o revólver do BCE apontado à cabeça e o resultante pânico nos bancos, as posições gregas sofreram um colapso quase total. Isso ajuda a explicar as inovações verbais ("instituições" em vez de "troika", "disposições actuais" em vez de "programa atual", "Acordo Guia Facilitador de Assistência Financeira" em vez de "Memorando", etc.). Consolo simbólico ou mais trapaça, dependendo da maneira como você queira olhar.

A questão que surge, naturalmente, é como é que chegamos a este embaraço. Como é possível que, apenas algumas semanas após o resultado histórico de 25 de janeiro, tenhamos esta contra-ordem do mandato popular para a derrubada do memorando?

A resposta é simples: o que se desmoronou nas últimas duas semanas é uma opção estratégica específica que tem suportado toda a abordagem do Syriza, particularmente depois de 2012: a estratégia que excluía "ações unilaterais", como a suspensão de pagamentos e, mais ainda, a saída do euro, argumentando que:


  • Sobre a questão da dívida, uma solução favorável ao devedor pode ser encontrado com a anuência do credor, seguindo o modelo dos acordos de Londres, de 1953, para as dívidas da Alemanha - ignorando, é claro, o facto de que as razões porque os Aliados se comportaram generosamente para com a Alemanha não se aplicam, de modo algum, aos europeus hoje com respeito à dívida grega e, mais geralmente, à dívida pública dos mais endividados Estados da UE de hoje.
  • O derrube dos memorandos, a expulsão da troika, e um modelo diferente de política econômica (por outras palavras, a execução do Programa de Thessalonica) poderiam ser implementados independentemente do resultado das negociações da dívida e, acima de tudo, sem provocar nenhuma reação real dos europeus, acima e para além das ameaças iniciais, que foram minimizadas como bluff. Na verdade, foi prevista a possibilidade de metade do financiamento para o Programa de Thessalonica ser proveniente de recursos europeus. Em outras palavras, não só os europeus não reagiriam, como acabariam por financiar generosamente políticas opostas às que tinham vindo a impor durante os últimos cinco anos.
  • Finalmente, o cenário do "bom euro" pressupunha a existência de aliados de algum significado ao nível dos governos e/ou instituições (a referência aqui não é o apoio dos movimentos sociais ou outras forças de esquerda). Os governos da França e da Itália, os social-democratas alemães, e, finalmente, em um verdadeiro frenesim de fantasia, o próprio Mario Draghi eram, de vez em quando, invocados como tais potenciais aliados.


Tudo isso veio por água abaixo em poucos dias. A 4 de fevereiro, o BCE anunciou a suspensão da principal fonte de liquidez para os bancos gregos. A saída de capitais, que já tinha começado, tomou dimensões incontroláveis, enquanto as autoridades gregas, temendo que uma tal reação sinalizasse o início do Grexit (3), não tomaram a menor medida "unilateral" (como a imposição de controlos de capitais).

As expressões "redução" da dívida e até mesmo o famigerado "corte de cabelo" foram rejeitadas da forma mais categórica possível, por credores que ficam enfurecidos só de ouvi-las (em resultado do que elas foram quase imediatamente retiradas de circulação). Em vez de sua derrubada, descobriu-se que o único elemento "inegociável" foi manter os memorandos e a supervisão da troika. Nem um único país apoiou as posições gregas, para além de algumas cortesias diplomáticas daqueles que queriam que o governo grego pudesse, apesar de tudo, marginalmente, salvar a sua face.

Temendo o Grexit (3) mais do que este assustava os seus interlocutores, totalmente impreparado perante a contingência absolutamente previsível da desestabilização bancária (arma clássica do sistema, internacionalmente, há quase um século, quando confrontado com governos de esquerda), o lado grego foi essencialmente deixado sem quaisquer ferramentas de negociação. Encontrou-se de costas contra a parede e com apenas más opções à sua disposição. A derrota de sexta-feira foi inevitável e marca o fim da estratégia de "uma solução positiva dentro do euro", ou para ser mais preciso "uma solução positiva a todo o custo dentro do euro".

Como evitar a derrota total

Raramente foi uma estratégia refutada tão inequívoca e tão rapidamente. Manolis Glezos, do Syriza, teve portanto razão em falar de "ilusão" e, elevando-se à altura da ocasião, pedir desculpas ao povo por ter contribuído para cultivá-la. Precisamente pela mesma razão, mas, inversamente, e com a ajuda de alguns meios de comunicação locais, o governo tentou representar este resultado devastador como um "sucesso negocial", confirmando que "a Europa é uma arena para a negociação", que está "deixando para trás a troika e os memorandos" e outras afirmações semelhantes.

Com medo de fazer o que Glezos se atreveu a fazer - ou seja, reconhecer o fracasso de toda a sua estratégia - a liderança está tentando uma manobra de diversão, "tentando fazer passar carne como peixe", para citar o provérbio popular grego.

Mas apresentar uma derrota como um sucesso é, talvez, pior do que a própria derrota. Por um lado, transforma o discurso governamental em mero palavreado, uma sequência de clichês e chavões que é simplesmente convocada para legitimar retrospetivamente qualquer decisão, vendo preto onde está branco; por outro lado, porque prepara o terreno, inevitavelmente, para as próximas, e mais definitivas, derrotas, uma vez que se dissolvem completamente os critérios pelos quais o sucesso pode ser distinguido de uma retirada.

Para realçar este argumento com recurso a um precedente histórico bem conhecido da gente de esquerda, se o Tratado de Brest-Litovsk, segundo o qual a União Soviética garantiu a paz com a Alemanha, aceitando perdas territoriais enormes, houvesse sido proclamado como uma "vitória", não há dúvida alguma de que a Revolução de Outubro teria sido derrotada.

Se, portanto, queremos evitar uma segunda, e desta vez definitiva, derrota - o que poria fim à experiência esquerdista grega, com consequências incalculáveis para a sociedade e para a esquerda, dentro e fora deste país - temos de olhar a realidade em face e falar a língua da honestidade. O debate sobre a estratégia deve finalmente recomeçar, sem tabus e com base nas resoluções do congresso do Syriza, que já há algum tempo se transformaram em ícones inócuos.

Se o Syriza ainda tem uma razão para existir como sujeito político, uma força para a elaboração de política emancipatória, e um contributo a dar para as lutas das classes subordinadas, deve ser uma parte neste esforço para iniciar uma análise em profundidade da situação atual e dos meios para a superar.

"A verdade é revolucionária", para citar as palavras de um líder famoso que sabia do que estava falando. E só a verdade é revolucionária, podemos agora acrescentar, com a experiência histórica que temos adquirido desde então.

21 de fevereiro de 2015

O problema com Dijsselbloem

A carreira política do ministro das finanças holandês Jeroen Dijsselbloem mostra a virada à direita da social-democracia europeia.

Pepijn Brandon

Jacobin

Partij van de Arbeid / Flickr

Tradução / Desde o seu infame meio aperto de mão com o ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, que Jeroen Dijsselbloem ministro das Finanças holandês e temporariamente presidente do Eurogrupo tem sido alvo de justificado desprezo. Mas com a chantagem ao governo grego, ele está a desfrutar agora do seu melhor momento.

Internacionalmente, Dijsselbloem tornou-se o sujeito de intermináveis piadas e caricaturas em que é retratado ou como o burocrata cinzento de roupa e gravata a ser ensinado pelo seu elegante e inteligente homólogo grego ou como chicote da Alemanha. Mas uma questão fica por responder no meio do jogo de poder entre o governo de esquerda grego e os duros neoliberais da União Europeia: por que é que Dijsselbloem trata esta questão de forma tão pessoal?

Embora insignificante de um ponto de vista psicológico, isto interessa em termos do conflito de interesses no coração da UE assim como na luta em desenvolvimento pela alma da esquerda europeia.

Toda a carreira política de Jeroen Dijsselbloem assinala-o como o típico representante da direita da social democracia. Aderiu ao Partido Trabalhista Holandês em 1985, no mesmo ano em que concluiu o ensino secundário. Foi o último ano em que o partido foi chefiado por Joop den Uyl, o icônico líder trabalhista que por duas vezes tentou e falhou em suster um governo de coligação com os democrata-cristãos mantendo o curso de esquerda do partido.

Um ano mais tarde, o dirigente sindicalista de direita Wim Kok assumiu o cargo. Kok foi o arquitecto da capitulação histórica do movimento sindical que lançou as bases para um quarto de século de “paz social” que acompanhou o desmantelamento daquilo que foi em tempos um exemplo de Estado-Providência.

Kok tornou-se uma figura emblemática para a Terceira Via e o “modelo pólder” dos Países Baixos, de cooperação entre funcionários partidários, sindicatos e empregadores foi aclamado por Bill Clinton e Tony Blair como o modelo do futuro. Durante os anos 90, ele chefiou dois governos neoliberais que supervisionaram privatizações em larga escala e profundos cortes sociais. Depois de ter deixado de ser primeiro ministro em 2002, Kok tornou-se uma figura poderosa no mundo dos negócios da Holanda, detendo comissariados da Royal Dutch Shell, do banco ING, do TNT Post privatizado e de numerosas outras empresas.

Este é o Partido Trabalhista onde Dijsselbloem esteve incondicionalmente, sem reservas. Nunca na sua carreira ele deteve posições significativas fora desse mundo estreito – Haia e a burocracia de Bruxelas. O seu longo, leal e rotineiro percurso através da política de compromisso e a microgestão neoliberal foram a preparação perfeita para a sua posição como ministro das finanças no atual governo de coligação em que o Partido Trabalhista é o parceiro subalterno do fervoroso adepto do mercado livre Partido do Povo pela Liberdade e Democracia.

A total devoção de Dijsselbloem pelo aparelho burocrático acabou por o meter em problemas legais. Desrespeitando uma ordem do tribunal, Dijsselbloem recusou reveler o nome da pessoa com quem o seu antecessor fez um duvidoso acordo fiscal. Numa altamente atípica Parceria Público-Privada, um informador anónimo ajudou a detetar evasores fiscais em troca de uma parte nos lucros. Por dar protecção a este informador e aos que fizeram o acordo com ele, Dijsselbloem viu no passado mês de novembro serem-lhe feitas acusações penais – o que é praticamente algo sem precedentes para um ministro holandês.

Como presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem foi acusado de proteger interesses alemães. Dado o papel de liderança da Alemanha em fazer cumprir as imposições da troika e as fortes ligações económicas e políticas entre Haia e Berlim, há poucas dúvidas onde residem as lealdades de Dijsselbloem. No entanto, é interessante notar que os representantes alemães da UE expressaram algumas preocupações por Dijsselbloem estar ainda demasiado agarrado aos interesses holandeses. Dijsselbloem respondeu a estas críticas nos media holandeses dizendo que, na sua opinião, os interesses holandeses são os interesses da União Europeia.

Estes são conflitos diplomáticos relativamente menores numa relação Alemanha-Holanda que no global é claramente harmoniosa. No entanto, compreendendo a postura intransigente de Dijsselbloem, é importante notar que existe de facto um interesse especificamente holandês que ele represnta junto e em apoio às exigências alemãs.

Sendo um dos seis membros originais da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a antecessora da União Europeia, a Holanda foi sempre uma força pequena mas motriz por detrás da integração económica europeia. O seu interesse económico na expansão continuada da UE cresceu e não diminuiu. A Holanda é o segundo maior exportador na UE e mais de 50% das suas exportações e reexeportações ficam na UE.

Significativamente, os doze países da UE que entraram para a união desde 2004 formam os mercados de exportação que crescem mais rapidamente para os produtos manufacturados holandeses. Além do mais, os holandeses continuam a desempenhar um importante papel internacional na intermediação bancária e financeira, inclusive em relação à Grécia. Em 2011, o Departamento de Planeamento Central holandês calculou que a Holanda é responsável por 5 a 9% de empréstimos bilaterais à Grécia. Os maiores bancos holandeses e, sobretudo, o ING detêm para cima de três mil milhões de euros em obrigações gregas. Assim, Dijsselbloem não representa apenas as políticas de extorsão alemãs, mas também os interesses comerciais e financeiros da terra natal.

Tudo isto ajuda a explicar a avidez com que Dijsselbloem agarrou no chicote. Mas não responde à pergunta por que razão ele é tão azedo. Em comparação, Wolfgang Schäuble da Alemanha personifica a extrema arrogância e auto-confiança do poder, enquanto a chefe do FMI Christine Lagarde, aparentemente sem esforço, faz o papel do tubarão com um sorriso.

Abundam as explicações psicológicas baratas. Aqui um jovem e empertigado mestre em economia enfrentando alguém que podia facilmente ter sido o descontraído, intelectualmente superior e irritantemente popular professor catedrático devolvendo-lhe um parco artigo com um sorriso condescendente.

Mas há uma outra dimensão, mais política e importante para o futuro da esquerda na Europa e na Holanda. A promessa do governo do Syrisa representa tudo que a social-democracia do pós-guerra já não é nem pode voltar a ser. Subjacente à carreira de Dijsselbloem está a perspectiva que, na melhor das hipóteses, a política progressista contemporânea só pode ser uma variante da política conservadora com mais alguns ligeiros escrúpulos.

Enquanto permanecer desafiante e apesar das limitações da sua agenda de governo, Varoufakis representa uma alternativa a esta posição. A direita europeia detestará isto com brutalidade nua e crua. Mas é a social-democracia dominante que vai sentir mais directamente as repercussões eleitorais e por isso é mais amarga na sua resposta.

Para Dijsselbloem, é imperioso extinguir a promessa do Syrisa. É uma pré-condição para restaurar a estabilidade da UE que ele, o seu partido e as elites econômicas assim desejam. Mas é igualmente necessário para a continuação do progressivismo sem sonhos, empresarial, de terno e gravata de que nunca se afastou.

19 de fevereiro de 2015

O Syriza está recuando?

The latest from Europe is not good. Syriza appears to have backtracked in negotiations, and Germany is seeking total surrender.

Stathis Kouvelakis

Jacobin

Kostas Tsironis / Reuters

Tradução / Para usar um clichê muito gasto, “os tempos são críticos”. De fato, são mais do que isso: estamos à beira de uma sequência temporal crucial. Todo o comportamento do governo Syriza será julgado pela sua reação à chantagem e aos ultimatos sem precedentes que está a receber por parte dos seus tragicamente denominados “parceiros” europeus.

E as notícias da linha de frente não são agradáveis. É claro que é muito difícil ter uma visão clara da situação atual das negociações -- “negociações” que são um paradoxo, dada a completa assimetria na balança de forças, e o fato de um lado ter uma arma (o Banco Central Europeu) apontada à cabeça do outro. O que é claro, porém, é que o governo grego retrocedeu em aspectos cruciais, especialmente no que diz respeito aos seus compromissos para com o povo que o elegeu.

Antes de examinar a substância do pedido para uma extensão do “Programa de Assistência Econômica e Financeira” enviado na quarta-feira pelo governo grego a Bruxelas, vejamos com mais detalhe o “documento Moscovici” divulgado pelo governo grego durante a reunião do Eurogrupo na última segunda-feira, na mesma altura em que declarou estar disposto a assiná-lo.

Este documento descarta “ações unilaterais”, estabelece como objetivo fiscal superavits primários num volume indefinido, e reconhece a dívida na sua totalidade. Todos os ajustamentos futuros para a reestruturação da dívida terão de estar em linha com as decisões do Eurogrupo de novembro de 2012.

Essencialmente, a implementação das medidas fundamentais do programa eleitoral do Syriza de Salônica ficam sujeitas à aprovação prévia dos credores, o que corresponde de fato à anulação do programa. Além disso, reconhece os termos odiosos dos acordos com os credores, dessa forma enfraquecendo a posição negocial da Grécia sobre essa questão. É óbvio que ao aceitar este enquadramento como um supostamente “acordo honroso”, o governo do Syriza fica com as mãos atadas.

O pedido de extensão do Programa de Assistência Econômica e Financeira inclui todos os pontos acima mencionados e acrescenta -- pela primeira vez -- o reconhecimento da “supervisão no âmbito da [União Europeia] e do BCE e, no mesmo espírito, com o Fundo Monetário Internacional para a duração de um acordo de extensão (alínea f)”. Por outras palavras, a Troika está de volta mas com um nome diferente. Os meios de comunicação gregos já começaram a falar das “Instituições”.

Mas nem isso é suficiente para a UE e o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble. Tendo compreendido que o lado grego -- ansioso por evitar qualquer ruptura e até uma ação unilateral -- está num caminho constante de retirada, o “parceiro” optou pela rendição total como o seu alvo primordial.

Ao dar uma lição ao governo do Syriza, também estão a advertir o Podemos e qualquer outra força na Europa que possa desafiar a austeridade, os memorandos e a escravatura da dívida. O lado alemão rejeitou tanto o pedido grego para o Programa de Assistência Econômica e Financeira, aparentemente visando mais concessões da Grécia, e a completa humilhação do governo de esquerda grego.

É aqui, talvez, que reside a esperança. Não pode ser descartado que a escalada de exigências da UE e dos credores seja rejeitada por um governo que empreendeu alguns compromissos básicos para com o seu povo. E, mais importante, serão rejeitados por um povo que acredita de novo na esperança e que a leva para as ruas e praças do país. Uma retirada não deveria ser tratada como inevitável, e o governo grego merece apoio até o ponto em que aguente firme na guerra travada contra ele.

Qualquer que seja a conclusão, uma coisa é certa. Todos os argumentos tranquilizadores que circularam nos últimos anos -- acerca de um bluff europeu, acerca da possibilidade de derrotar a austeridade dentro da eurozona, de separar os acordos com os credores dos memorandos, de soluções na linha da conferência de Londres de 1953 sobre a dívida alemã (quer dizer, de uma reestruturação favorável ao devedor com o acordo do credor) -- por outras palavras, os elementos constituintes da narrativa do “bom euro” -- entraram todos em colapso.

Nalgum momento, também nos devem explicações sobre isto.

Sobre o autor:

Stathis Kouvelakis é professor de Filosofia Política no King’s College de Londres e membro do Comité Central do Syriza.

13 de fevereiro de 2015

Ernesto Laclau: Construindo antagonismos

por Razmig Keucheyan

Verso

Tradução / De origem argentina, professor de teoria política na Universidade de Essex na Inglaterra, Ernesto Laclau desenvolveu uma abordagem do político baseada na noção de "antagonismo", considerada como constitutiva tanto da fundação como dos limites do social. Embora, a princípio, antagonismo e reconhecimento sejam opostos, pode-se desenvolver a hipótese de que o confronto entre identidades, ainda que irreconciliáveis, sempre assumirá a forma de um reconhecimento mútuo. Sendo assim, o antagonismo conceitualizado por Laclau exclui processos como o genocídio, no qual a existência do outro é (integralmente) negada. O conceito presume que o oponente é construído como tal.

A teoria política desenvolvida por Laclau está exposta em duas principais obras: Hegemony and Socialist Strategy, com o subtítulo Towards a Radical Democratic Politics, com a co-autoria de sua colega, a filósofa belga Chantal Mouffe, e publicado em 1985; e On Populist Reason, publicado em 2005. Dentre seus outros trabalhos podemos citar Politics and Ideology in Marxist Theory (1977) e New Reflections on the Revolution of Our Time (1990). Laclau é um caso exemplar de pensador crítico globalizado. Ativista revolucionário em sua juventude na Argentina, esteve, por um período, próximo a Jorge Abelardo Ramos, o fundador da “Esquerda Nacional” argentina. Suas origens latino-americanas claramente moldam sua concepção política atual, especialmente a problemática do "populismo", o que é fortemente influenciada por sua experiência do Peronismo. Mas se algumas vezes Laclau assume um posicionamento em seu país – recentemente oferecendo seu apoio ao governo de Cristina Kirchner, por exemplo – o espaço intelectual no qual ele se movimenta é, principalmente, o mundo anglo-americano.

A publicação, em meados dos anos 80, de Hegemony and Socialist Strategy estimulou importantes debates na esquerda radical [1]. No cerne da análise de Laclau e Mouffe está o conceito gramsciano de hegemonia [2]. Para Laclau e Mouffe, Gramsci se situa como um ponto de inflexão na história do marxismo. O autor de Cadernos do cárcere estava consciente do fato de que algumas das teses centrais do marxismo tinham sido enfraquecidas pelo desenvolvimento do capitalismo. As expectativas de revolução na Europa Ocidental foram frustradas. E mais, um capitalismo ‘organizado’ emergiu no início do século XX, o qual Gramsci foi um dos primeiros (em 1934) a batizar de ‘Fordismo’ [3], e que era diferente do capitalismo ‘liberal’ da Belle Époque. Uma das consequências deste novo tipo de capitalismo era o crescimento, ao contrário de toda expectativa (marxista), de categorias intermediarias, burocratas e de todo tipo de ‘intelectuais’. A introdução por Gramsci da noção de hegemonia no marxismo tornou possível revisar e adaptar a doutrina de acordo com tais tendências, sem pôr em questão seus pressupostos básicos. A hegemonia tornou possível a compreensão da importância crescente de fatores ‘culturais’ nas relações sociais, uma vez que se refere à supremacia ‘moral’ de um setor da sociedade sobre o resto. Ela também tornou possível apreender cada situação política em sua singularidade. No marxismo clássico, a hegemonia (ou conceitos semelhantes) era um conceito essencialmente estratégico [5]. Ela interferia a propósito de casos estudados nos quais o proletariado deveria fazer alianças com outras classes – a burguesia, o campesinato, as classes médias – assegurando que sua dinâmica geral seja favorável a seus interesses. Isso não mudava em nada a centralidade das classes sociais na visão de mundo marxista, ou no fato de que a classe vetor da mudança histórica era a classe trabalhadora.

Em Gramsci, a hegemonia assume um sentido diverso, que altera profundamente a ontologia marxista: “Para Gramsci, os sujeitos políticos não eram – estritamente falando – classes, mas complexas ‘vontades coletivas’; paralelamente, os elementos ideológicos articulados pela classe hegemônica não tinham, necessariamente, um pertencimento de classe” [6]. De acordo com Laclau e Mouffe, Gramsci iniciou uma gradual emancipação do conceito de hegemonia daquele conceito de classe. Essa emancipação será concluída em sua própria teoria (de Laclau e Mouffe). As ‘vontades coletivas’ mencionadas por Gramsci possuem duas características principais. A primeira é que elas são contingentes – isto é, elas não são predeterminadas por interesses socioeconômicos dos atores envolvidos. Em outras palavras, elas são formadas no âmbito das relações de poder e nas ocasiões das lutas sociais concretas. Além disso, os setores ‘articulados’ no contexto de uma formação hegemônica podem ser de várias espécies. Eles podem envolver partidos e sindicatos, mas também comunidades territoriais, grupos étnicos, ou coletivos de identidade incerta que constroem uma identidade apropriada em ocasião da luta.

Para Laclau e Mouffe, apesar da separação entre hegemonia e classes sociais por ele inaugurada, Gramsci não abandonou completamente alguns dos aspectos fundamentais do marxismo. Em particular, o que eles chamam de ‘núcleo essencial’ persiste em seus escritos, o que acaba por atrelar à hegemonia uma lógica monocausal referente à posição de classe dos setores envolvidos. Laclau e Mouffe propõem dar conclusão ao movimento teórico iniciado por Gramsci e definitivamente abandonar a centralidade das classes. Estas últimas (as classes sociais) podem certamente ser importantes dependendo das circunstâncias. Mas a primazia destinada a elas pelo marxismo é recusada por Laclau e Mouffe. Vários motivos os levam a esta conclusão. Primeiramente, de acordo com ambos, o mundo social tem se tornado mais complexo desde o fim do século XVIII, aumentando sua heterogeneidade. Longe de ser consolidada, como previa o marxismo, a posição de classe dos indivíduos tornou-se consequentemente mais ambígua. Além disso, a classe trabalhadora industrial, antes inevitável na estruturação dos conflitos sociais, perdeu sua centralidade. Ela tem diminuído demograficamente nas últimas décadas. O advento dos ‘novos movimentos sociais’, os quais Laclau e Mouffe invocam da mesma maneira que Fraser, implicam em uma conflitualidade que não é mais necessariamente organizada em demandas econômicas ligadas ao trabalho. Em um nível epistemológico mais fundamental, Laclau e Mouffe criticam o ‘essencialismo da classe’ presente no marxismo. Sua ênfase no caráter contingencial dos grupos sociais indica que eles aderiram a uma forma de ‘indeterminismo’ sociológico, segundo o qual a coerência (relativa) dos atores é sempre construída no curso da ação, e não a priori. Laclau e Mouffe defendem um ponto de vista claramente anti-essencialista.

Em Laclau e Mouffe, o abandono da perspectiva de classe tem como correlato a importância da noção de antagonismo: ‘Uma vez que a identidade deixou de ser baseada em um processo de unidade infraestrutural… a classe trabalhadora se torna dependente de uma divisão da classe capitalista, que só pode ser concluída a partir de um confronto contra ela… “Guerra” torna-se assim a condição para uma identidade da classe trabalhadora’ [7]. Se nenhuma ‘essência’ subjaz ao social, os entes que aí se desenvolvem são necessariamente relacionais – isto é, eles são construídos a partir do respeito a algum outro ou contra algum outro. Curiosamente, Laclau e Mouffe sustentam que foi Sorel quem primeiro desenvolveu uma visão de mundo baseado na primazia no conflito. Sorel teve um impacto decisivo no pensamento de Gramsci, quem, em particular, adotou a noção de ‘bloco histórico’ dele. Influenciado por Nietzsche e Bergson, Sorel atesta a existência de uma tendência ‘vitalista’ dentro das tradições marxista e pós-marxista. Sua abordagem também pode ser concebida como uma radicalização do ponto de vista de E.P. Thompson. Thompson insiste no fato de que a consciência de classe (‘experiência’) importa tanto quanto, se não mais que, a condição socioeconômica dos trabalhadores para a determinação de seu pertencimento de classe. Assim como Laclau, ele concebe os grupos sociais em termos relacionais – isto é, mais precisamente, em termos oposicionais. A diferença é que Thompson não quer com isso negar que as classes sociais têm uma existência objetiva, ao passo que Laclau abandona essa ideia. Na sua visão, não existe nenhum elemento a priori que torne possível determinar onde o antagonismo irá surgir. Ele pode constituir-se em qualquer lugar.

On Populist Reason, lançado simultaneamente em inglês e espanhol em 2005, é uma das obras críticas mais debatidas no momento. Particularmente na américa latina, onde a tese de Laclau ecoou com a experiência dos regimes ‘populista-progressistas’ que surgiram no início dos anos 2000 – a saber, a Venezuela de Hugo Chávez, a Bolívia de Evo Morales, e o Equador de Rafael Correa. O advento desses regimes está relacionado com a história – em uma longa perspectiva – da américa latina, que já experimentou regimes semelhantes no passado. Entre eles encontramos o Peronismo, um movimento especificamente argentino que surgiu no fim dos anos 40 e que ainda estrutura a vida política do país até os dias de hoje. O caráter furtivo dessa corrente, em muitos aspectos – como a dificuldade de situá-lo nas coordenadas tradicionais da política moderna –, é um dos elementos que levaram Laclau a examinar o fenômeno populista. Em linhas gerais, o objetivo de Laclau é reabilitar esse fenômeno, habitualmente considerado como algo negativo. Na sua visão, o populismo nada mais é do que uma das formas assumidas pelo político nas sociedades democráticas modernas. Mais especificamente, é uma condição para o aprofundamento do valor central que governa os demais – a saber, a igualdade.

No início existia a heterogeneidade radical do mundo social. O final, para Laclau, é caracterizado pela multiplicidade e fragmentação de seus componentes, cujas identidades estão sempre flutuando. A heterogeneidade do social avança com o aumento da complexidade das sociedades. Para designar este fenômeno, Laclau usa a expressão ‘lógica da diferença’. Diversos setores sociais mobilizados a partir da esfera econômica (sindicatos), da esfera comunitária (etnicidades), ou outros, interagem com o governo e instituições existentes construindo demandas que são específicas a cada grupo. Às vezes, tais demandas são atendidas, caso em que o setor envolvido retoma suas atividades normalmente. Mas também pode acontecer, por questões de princípio ou conveniência, que o governo e instituições se neguem a atender tais demandas. É então que essa lógica da diferença é passível de ser transformada em uma “lógica da equivalência”. O caráter específico das demandas deixa de existir enquanto tal, uma vez que foi rejeitada pelo governo. Eles agora possuem pelo menos uma característica em comum – o fato de terem sido rejeitados – o que cria as condições para uma aliança entre eles. O populismo está pronto para entrar em ação. Sua condição é a transformação dos particularismos seccionais em demandas mais genéricas, que são inscritas em uma ‘corrente de equivalência”, criando uma ligação entre elas.

Um ‘limite interno’ é então criado no seio da comunidade, que separa o que é sustentado pelo poder daqueles setores que ainda não tiveram suas demandas satisfeitas. Esse limite, Laclau argumenta, transforma a plebe em povo. O povo está sempre constituído como algo em oposição a um adversário – no caso de Peron, por exemplo, à ‘oligarquia’. Para tal fim, o povo frequentemente reclama que suas demandas sejam incorporadas à figura de um líder populista. O uso por Laclau da noção de ‘plebe’ – originalmente, a classe baixa romana, em oposição aos patrícios – é similar ao uso feito por Hardt e Negri da ‘multidão’. Além disso, nota-se uma proliferação de antigos conceitos do grego e do latim no pensamento crítico contemporâneo. Não resta dúvida que isso atesta a dificuldade em se identificar os sujeitos da emancipação na conjuntura atual. Ambas as noções de ‘plebe’ e ‘multidão’ se referem às condições de indistinção ou descoordenação da população, composta de particularismos irredutíveis, e ainda não prontas para se constituírem como um verídico sujeito político. Em Laclau, a transição da plebe para o povo, através da transformação da lógica da diferença para a lógica da equivalência, anuncia sua formação enquanto sujeito. Podemos observar que em Negri, a missão da multidão é permanecer uma coleção de singularidades, que nunca se tornará um povo, uma vez que para ele o povo é a multidão cujo potencial foi subjugado pelo estado.

O populismo pressupõe a intervenção do que Laclau, seguindo certos estruturalistas e pós-estruturalistas – entre eles Lévi-Strauss e Derrida –, chama de ‘significantes vazios’. Significantes vazios são símbolos, predominantemente mas não exclusivamente linguísticos, investidos por diferentes sentidos por cada setor incorporado na cadeia de equivalência. Por exemplo, a quantidade de sentidos associados à ideia de ‘igualdade’ na história francesa, nos períodos revolucionários, como também na rotina de funcionamento das instituições, é incontável. Da mesma forma, na Argentina do início dos anos 70, a busca pelo retorno de Perón do seu exílio na Espanha tinha significados diferentes para cada setor do peronismo, como ficou evidente pelo tiroteio ocorrido eles no aeroporto de Buenos Aires quando o avião do general pousou em 1973. De acordo com Laclau, é indispensável que os significantes populistas estejam vazios. Tivessem seus conteúdos fixos, eles seriam capazes de incorporar apenas o imaginário ou os interesses de apenas um setor da sociedade. É justamente a capacidade de mobilizar diferentes setores que caracteriza o populismo. É possível que o conteúdo do significante tenha emanado de apenas uma fração da sociedade. Mas à medida em que cadeia de equivalência é estendida, ela se submete a um processo de abstração que a esvazia de sua substância e permite que seja preenchida com diversos significados. Isso leva Laclau a afirmar, assim como Rancière, Badiou e Zizek, que o universal existe, mas que ele é ‘um lugar vazio’.

Um terceiro e indispensável elemento no advento do populismo é obviamente uma forma de hegemonia. Ela é definida por Laclau como um universal contaminado por particularismos, ou uma unidade construída na diversidade [8]. Em On Populist Reason, a hegemonia é concebida como uma forma de sinédoque. Sinédoque é uma figura de linguagem que consiste em tomar a parte pelo todo, ou o inverso (o que envolve uma forma de metonímia). Na teoria do populismo de Laclau, a noção se refere aos casos onde parte da totalidade social substitui a totalidade e fala em seu nome. Quando os nativos bolivianos ou mexicanos penetram seus respectivos campos políticos nacionais, eles não aspiram meramente encontrar um local de existência na ordem política. Eles perturbam essa ordem e defendem ser o verdadeiro repositório da legitimidade nacional. Eles falam em nome de toda a comunidade, não apenas em seus próprios interesses. Para Laclau esta é a operação básica de hegemonia: ‘no caso do populismo… uma fronteira de exclusão divide a sociedade em dois campos. O “povo”, neste caso, é algo menor que a totalidade dos membros da comunidade: é um componente parcial que, no entanto, aspira ser concebido como a única totalidade legítima’. [9] Aqui Laclau se aproxima de Rancière, a quem se refere explicitamente. Devemos lembrar que para Rancière, o ‘errado’ de que são vítimas permite àqueles ‘sem parte’ falar em nome de toda a comunidade. Laclau não está dizendo nada diferente. A hegemonia consiste em falar pela comunidade a partir de um dos ‘campos’ separados pelo antagonismo. É nisso que a lógica populista consiste; e para Laclau, em última análise, se confunde com a própria lógica política, e nada mais.

Notas:

[1] Ernesto Laclau and Chantal Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics, London and New York: Verso, 2001.

[2] Existe uma tradição gramsciana argentina específica da qual Laclau é representante.

[3] Ver Antonio Gramsci, Selections from the Prison Notebooks, ed. and trans. Quintin Hoare and Geoffrey Nowell Smith, London: Lawrence and Wishart, 1971, Part II, capítulo 3.

[4] Sobre o conceito de hegemonia, ver Perry Anderson, ‘The Antinomies of Antonio Gramsci’, New Left Review, I/100, Novembro de 1976–Janeiro de 1977.

[5] Ernesto Laclau, ‘Identity and Hegemony: The Role of Universality in the Constitution of Political Logics’, em Butler, Laclau and Žižek, Contingency, Hegemony and Universality, p. 52

[6] Laclau and Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy, p. 67.

[7] ibid., p. 39. A centralidade do antagonismo em Laclau recupera aquilo atribuído por Schmitt como a oposição entre ‘amigo’ e ‘inimigo’ em sua caracterização do político.

[8] Laclau, ‘Identity and Hegemony’, p. 50

[9] Laclau, On Populist Reason, p. 81.

12 de fevereiro de 2015

Mudar o mundo tomando o poder

Seus críticos estão demostrando estar equivocados. O Syriza não desmobiliza os movimentos, mas os ajuda a crescer.

David Renton

Jacobin


Tradução / Para aqueles que, até recentemente, simpatizavam com Antarsya, a outra coalizão da esquerda radical na Grécia, é saudável refletir sobre o quão bem Syiriza tem ido no último mês e como foi mal Antarsya, em comparação.

A justificativa da existência separada de Antarsya é algo como: Antarsya, diferente de Syriza é uma coalizão de partidos que acreditam que a Grécia só pode ser salva por uma transformação revolucionária do Estado. Syriza diferente de Antarsya, se equivoca neste tema, tanto no que se refere à Grécia permanecer na Europa quanto se deve concordar em pagar a dívida a seus credores internacionais.

Aqueles que votam por Antarsya, votam por uma alternativa revolucionária ao capitalismo e, ao fazê-lo, mantém viva a possibilidade de uma verdadeira política revolucionária. Syriza, ao contrário, é meramente reformista e, provavelmente sofra um desgaste como o Pasok e os outros partidos sociais-democratas.

O voto em Antarsya se reduziu a somente 0,6% na última eleição, dado que esta se converteu em um referendo sobre a possibilidade, ou não, de um governo de esquerda (coisa a qual os trabalhadores mais politizados aspiram), mas mediante sua posição, Antarsya permaneceu exercendo uma pressão de esquerda sobre Syriza.

Manter-se fora da Syryza tem todos os benefícios de ser associado a um movimento em alta (as vendas do jornal “Solidariedade dos Trabalhadores” de alguns membros de Antarsya, aparentemente, são maiores que nunca), mas nenhuma das desvantagens de ser associado com a derrota de Syriza, quando venha a decepção inevitavelmente.

Onde esta justificativa de Antarsya começa a falhar é com a afirmação de que a melhor alternativa a um programa de reformas é oferecer um programa rival de reformas mais profundas ainda. Neste marco, os revolucionários são diferentes dos reformistas, principalmente, porque pedem mais. Se Syriza ofereceu nacionalidade grega aos filhos de todos os imigrantes, Antarsya, como jogador de pôquer, sobe a aposta e oferece legalizar todos os imigrantes na Grécia. Quando Syriza declarou que vai parar todas as privatizações planejadas, Antarsya respondeu dizendo que reverterá cada uma das privatizações da história grega.

Mas usar as eleições para gerar consciência revolucionária não se trata de subir a aposta do rival. Implica em uma explicação de como um governo, nos marcos do capitalismo, tem um poder limitado e como essas limitações podem ser superadas: somente através do conflito direto direto com a classe capitalista internacional.

Neste ponto, Syriza aparece com uma política mais sofisticada que Antarsya, porque possui uma análise de seus próprios limites como governo reformista (os poderes europeus não permitiram mais que um pequeno abatimento de nossa dívida) e uma ideia de como ir mais além desse limite (sobre a base da agitação fora do parlamento, mantendo a pressão sobre o governo e com o apoio da esquerda de fora da Grécia).

Coerentemente com sua política estratégica para lidar com a questão Syriza, os mais articulados partidários de Antarsya estão tomando cada exemplo da “traição da Syriza”, e contrapondo a eles, as potenciais virtudes dos protestos. As condições que possibilitam um governo de esquerda são atribuídas unicamente à atuação dos movimentos sociais. A razão pela qual os gregos tem uma Syriza seria, então, o único fato de terem feito trinta e duas greves gerais, enquanto os britânicos carecem de uma alternativa de massas ao Partido Trabalhista, por que só contam com a batalha pelas pensões no setor público.

Mas, de onde se supõe que virá um movimento de massas capaz de levantar-se de um modo direto e contínuo, convertendo-se em poderosos o suficiente para derrotar o Estado? A deficiência de Syriza seria que, como outros governos reformistas, continuamente conspira para desmobilizar os movimentos de massas, dizendo aos trabalhadores que votem, quando deveriam estar protestando.

Entretanto, quando observamos a Grécia, podemos ver claramente (admitindo que se encontra em suas primeiras duas semanas e, até agora, durante o período de “lua-de-mel”) que Syriza não tem desmobilizado os movimento, pelo contrário, tem aberto novas possibilidades para que emerjam, removendo as barreiras de fora do parlamento, com as manifestações de apoio à demanda da renegociaão da dívida e a propaganda feita ao enviar ministros a toda a Europa.

E a versão parlamentar do representante sindical que sempre quisemos ter, o que verdadeiramente aproveita a luta com os chefes e não retrocede ante ao primeiro sinal de problemas. E o povo responde ao que luta, até agora o governo Syriza está aumentado a confiança dos movimentos sociais.

Sujeita à sua lei-de-ferro, a classe capitalista global não renuncia à hegemonia na presença de uma ameaça localizada e não fará isto. Portanto, as maiores batalhas se encontram pela frente. Os partidários internacionais de Antarsya se equivocam e os que apoiam Syriza estão corretos ao desfaiar a noção dos primeiros que predizem: Syriza responderá ao poder real moderando-se cada vez mais.

Uma última posição fundamental dos partidários de Antarsya é que a classe operária tem um conjunto infinito de oportunidades e que pode prescindir da presente. Não importará muito, já que em outro cenário futuro, outro partido invariavelmente surgirá da esquerda, encarnado em outras pessoas de diferentes tradições e, portanto, melhor preparado a levar adiante a previamente inexistente guerra contra o Estado.

Se Syriza fracassar, não se voltará a uma situação de normalidade política. A polícia e o Aurora Dourada estarão em festa e sua vingança sobre os movimentos não será mais tolerante que a contrarrevolução agora em marcha no Egito.

Este é um resultado que nenhum socialista deve supor como aceitável.

Sobre o autor

David Renton is the author of The New Authoritarians: Convergence on the Right.

10 de fevereiro de 2015

A contracultura perdida

Vício Inerente descreve brilhantemente como o neoliberalismo cooptou a contracultura.

Stephen Maher

Jacobin


Tradução / A princípio, a perspectiva da “arte cinematográfica” parece que nunca foi tão desanimadora. A estratégia comercial dos estúdios corporativos tem o objetivo de gerar alguns blockbusters por ano, cada vez mais na forma de sequências intermináveis e spin-offs. Com isso, fazer arte é algo praticamente inadequado dentro da lógica de produção de filmes de Hollywood.

Essa situação deprimente foi brilhantemente satirizada no filme Birdman de Alejandro Gonzalez Inarritu. Agora, Vício Inerente de Paul Thomas Anderson traz um pouco de esperança na possibilidade de outro tipo de cinema.

Anderson consegue criar de forma consistente filmes que vão além do que foi feito antes e do que seus colegas estão fazendo atualmente. Realmente, é bastante comum ver diretores surfarem confortavelmente na produção de remakes de seus “maiores sucessos” — basta olhar para Wes Anderson, cujos mundos fantasiosos e engraçadinhos demonstram a mesma combinação de desapego cínico, presunção e falta de sinceridade, enquanto reformam tematicamente a importância central da paternidade para a geração de sentido em nossas vidas; ou os Irmãos Coen, que refizeram a Odisseia de Homero algumas dezenas de vezes ou mais até então, embora com personagens um pouco excêntricos.

Mas cada filme novo de Paul Thomas Anderson revoluciona o que pensávamos ser possível na tela. Talvez seja por isso que seus filmes podem ser compreendidos apenas depois de um tempo: precisamos assisti-los mais de uma vez, digerir, pensar.

Vício Inerente talvez seja o retrato mais brilhante da construção da hegemonia neoliberal e do fim severo dos sonhos da geração de 60. Ele conversa de forma muito poderosa com o aqui e agora, indicando a fuga nostálgica que anseia pelos “anos sessenta” e mostrando que esse mundo sublime, como é normalmente imaginado, nunca existiu.

A atualidade do filme também vem de sua exploração do momento no qual é possível detectar o surgimento das forças neoliberais que, por fim, gerariam a crise de 2008: privatização, desregulamentação, especulação imobiliária e booms de desenvolvimento. Não foi por acidente que Vício Inerente de Thomas Pynchon foi publicado em 2009. E, conforme sugerem tanto o filme quanto o livro, o ideal hippie continha em si a própria semente — o “vício inerente” — que o transformaria num pesadelo.

Um noir pós-moderno

O filme opera dentro da convenção de gênero “film noir”, repleto de sombras, névoa, becos escuros, um tipo de mulher fatal e um enredo complexo, quase impenetrável: Doc Sportello, um detetive particular hippie e maconheiro, recebe a visita de sua ex-namorada, Shasta Faye Hepworth, que passou a ter um caso com Mickey Wolfmann, um poderoso investidor imobiliário. Shasta diz, logo antes de desaparecer, que a esposa de Mickey, Sloane, e seu amante e suposto “guia espiritual” têm planos de dar um jeito em Mickey e fugir com seu dinheiro. Mais tarde, Doc é contratado por Hope Harlingen, uma ex junkie com dentes falsos, para descobrir o que aconteceu com seu marido — Coy, um comunista viciado em heroína que virou a casaca e tornou-se informante do Cointelpro.

No final das contas, os dois casos estavam relacionados à “Golden Fang”, uma enorme corporação e rede de tráfico de heroína com uma fachada de empresa fiscal estabelecida por um cartel de dentistas. A Fang também é proprietária de uma instituição de saúde mental recém-privatizada, na qual enfermeiros vestidos como Jesus correm de lá pra cá com Uzis, e onde os “loucos” são “curados”: ou seja, reprogramados mentalmente para se tornarem cidadãos responsáveis, dóceis e obedientes.

Depois de ser enviado à instituição, Burke Stodger, um ator famoso, foi transformado de comunista procurado em reacionário dedicado. Agora, os pacientes da instituição assistem o dia todo a maratonas de filmes do Stodger. Poderia haver um símbolo mais adequado, ou mais hilário, para o final dos anos 60 e o surgimento da nova ideologia hegemônica?

Vício Inerente tem tudo a ver com os filmes recentes de Anderson — O Mestre e Sangue Negro — mais do que com seus trabalhos anteriores (Magnólia, Embriagado de Amor e Boogie Nights: Prazer sem limites). Enquanto os anteriores abrangiam interrogações pós-modernas sobre filme, fama, desempenho, genialidade, infância, culpa e amor, os trabalhos mais recentes incorporam essas questões na exploração de momentos reveladores do desenvolvimento histórico dos Estados Unidos, resultando em filmes dos mais sofisticados e complexos já produzidos.

Nesses últimos filmes, que são sequências cronológicas, Anderson consegue uma convergência impressionante entre o ethos e o caráter de toda uma era, e as batalhas subjetivas de seus personagens.

Em Sangue Negro, há o encontro fatal do fundamentalismo religioso, do capitalismo e da extração de recursos naturais — fenômenos que continuamclaramente centrais a qualquer concepção sã de “América”, especialmente durante a invasão do Iraque — sobre o pano de fundo da expansão do capitalismo durante o final do séc. XIX. Em O Mestre, há a busca por sentido e propósito no despertar da Segunda Guerra Mundial, e o vazio da suburbanização pós-guerra, consumismo em massa e o núcleo familiar dos anos 50.

Assim, faz todo sentido que Vício Inerente ocorra no momento em que o lance dos “anos sessenta”, qualquer que seja o significado disso, chegou definitivamente ao fim; um momento no qual o sentido simbólico foi subvertido, produzindo uma sensação profunda de incerteza e desorientação. A mudança é onipresente em Vício Inerente.

Em uma das primeiras cenas do filme, Sortilege — a narradora do filme, e alguém possivelmente alucinada — diz a Doc que ele precisa mudar seu corte de cabelo: “Mude seu cabelo, mude sua vida.” Quando Doc pergunta qual estilo ele deveria usar, a resposta ambígua resume o filme de forma magnífica: todos precisam se adaptar, mas ninguém sabe o que se tornar, ou como chegar lá.

Muito mais clara é a transformação rápida e violenta do ambiente urbanizado de Los Angeles. Quando Tariq Khalil, membro da Black Guerrilla Family, inspirada em Marcus Garvey, contrata Doc para encontrar um dos guarda-costas de Mickey, um sujeito defensor da Supremacia Branca, ele o informa de que toda sua comunidade havia sido destruída e seus moradores despejados para dar espaço ao Channel View Estates, o investimento imobiliário mais recente de Mickey.

A narração de Sortilege conecta esse evento com a “longa e triste história” do redesenvolvimento urbano em Los Angeles, incluindo a “Batalha de Chavez Ravine”, na qual os residentes latinos tentaram resistir à demolição de sua comunidade, que abria caminho para o que é hoje o Estádio do Dodgers.

Cuidado com a Golden Fang

A complexidade da trama serve principalmente para ilustrar a relativa insignificância da busca de Doc, e para destacar que o que está “realmente” acontecendo ocorre a portas fechadas. Por becos escuros, em reuniões fechadas nos fundos de uma festa, em salas ocultas no consultório do dentista e em prédios comerciais comuns, uma entidade corporativa enorme e imensamente poderosa está transformando rapidamente a sociedade, de maneira kafkiana, da valorização e redesenvolvimento urbano para a Cointelpro e a venda de heroína.

Ninguém, contudo, parece perceber algo, em parte porque o excesso de drogas, sexo e rock é basicamente uma fuga. Como nos informa Sortilege, “valia a pena escapar da vida americana”.

Os hippies não estavam desafiando o poder conscientemente, mas sim buscando a felicidade pessoal. Eles pareciam acreditar que, se fechassem os olhos bem apertados, ou dessem mais um tapa, os demônios do mundo se dissolveriam em flores e luzes. “Pessoas como você perdem qualquer direito ao respeito no momento em que pagam o aluguel”, diz um personagem a Doc perto do final do filme.

Essa necessidade de “negar a realidade por meio de histórias”, de acordo com Hope, indica um motivo pelo qual a contracultura hippie foi recuperada (usando termos dos Situacionistas) com tanto sucesso. Enquanto os hippies fechavam seus olhos, as forças de reação espreitavam logo abaixo da superfície, recuperando suas forças de forma silenciosa e constante.

Mas essa recuperação resultou também do dinamismo ideológico do capitalismo. “Turmas obscuras” em festas hippies, escritórios corporativos e mansões suburbanas aproveitaram os aspectos da revolução contracultural que os convinha, adotando o vernáculo, o vestuário, o simbolismo, o espiritualismo e a emancipação sexual, e fazendo-se passar efetivamente por almas irmãs emancipadas.

Conforme escreve Slavoj Zizek, “o novo capitalismo” que surgiu nos anos 70 “apropriou-se de forma triunfante dessa retórica anti-hierárquica de 68, apresentando-se como revolta libertadora contra as organizações sociais opressoras do capitalismo corporativo e do socialismo realmente existente”: pense nos filmes anticomunistas de Burke Stodger junto com a emancipação sexual e iluminação espiritual de Sloane Wolfmann.

“O que sobrou da liberação sexual dos anos 60”, continua Zizek, “foi o hedonismo tolerante prontamente incorporado em nossa ideologia hegemônica”. O resultado foi o surgimento do “mestre permissivo pós-moderno, cuja dominação é maior por ser menos visível”.

O filme explora de forma intensa essa transformação cultural-simbólica. Como podemos ver, está cada vez mais difícil distinguir os hippies do sistema. Primeiro conhecemos Bigfoot Bjornson, inimigo e doppelgänger, uma versão malvada de Doc. Bigfoot é um policial com corte de cabelo flat-top “de proporções cavernosas” e “olhos que gritam violações dos direitos civis”, que aparece como ator em um comercial da Channel View Estates. Primeira fala de Bigfoot: “Cara, não quero que você pague aluguel!” Ele segue explicando, em linguagem hippie debochada, que pagar aluguel é “sacal” e “uma barra”, e que a solução é comprar uma casa nova em Channel View, construída sobre o que era antes uma comunidade de trabalhadores negros.

Adrian Prussia, um agiota e assassino de aluguel da polícia, diz coisas como “psicodélico” e “massa”. A esposa de Wolfmann, Sloane, tem um “guia espiritual” com quem ela obviamente tem intimidade sexual. Quanto ao próprio Wolfmann, ficamos sabendo por um dos informantes de Doc que é “um judeu que quer ser nazista”. Ele tem também um armário cheio de gravatas enfeitadas com imagens de mulheres nuas com as quais (supostamente) fez sexo, e abre um hospital psiquiátrico privado cujo nome é “uma antiga palavra indiana que significa serenidade”.

Um filme implacável

Bigfoot é um ator em todos os sentidos — não apenas no comercial da Channel View, mas também como figurante no programa “Adam-12”, que compete, enquanto Doc troca os canais da TV, com o discurso de Richard Nixon em um comício da “Vigilant California” (uma coalizão reaça espontânea, um pouco parecida com o Tea Party). Tanto o discurso quanto o programa policial mandam a mesma mensagem: há uma desordem nas ruas, e ela deve ser reprimida.

Durante todo o filme, assim como em sua obra-prima Magnólia, Anderson destaca como a televisão molda as percepções da realidade, desde a persona de Bigfoot na frente e por trás das câmeras, até a aparente interrupção de Coy Harlingen em um comício da Vigilant California (que, descobre-se depois, era apenas uma cena). Enquanto a comparação do comício com “Adam-12” aponta que as duas situações são essencialmente um show, a “interrupção” de Coy rende a ele credibilidade com as organizações de esquerda, de modo a infiltrar-se nelas com mais eficiência. Ou seja, Coy não está interrompendo a apresentação de Nixon, masparticipando dela. Nada disso é mais “real” do que “Adam-12”. Assim, a representação torna-se realidade.

Somos expostos à violência apenas duas vezes durante o filme, e ambas são impressionantes, algo como uma explosão de “realidade”. E essa violência não é de forma alguma purificadora: Doc não se redime como resultado, nenhum erro é desfeito e não ficamos aliviados.

Uma dessas explosões é representada pelo sexo entre Doc e Shasta, uma mistura atormentada de arrependimento, frustração, confissão e tragédia. Em vez de nos proporcionar uma satisfação spielberguiana de união da família ou casal, isso ilustra como a (não) relação entre Doc e Shasta ainda é muito problemática, contribuindo com a aura de tragédia inescapável do filme.

Ao contrário de filmes no estilo Odisseia, do tipo que os irmãos Coen produzem incessantemente, nos quais o personagem principal precisa passar por alguma aventura transformadora a fim de acomodar o “lar” para o qual ele retorna ao final da jornada, este filme se concentra em como o mundo está mudando, impondo a todos a necessidade de tornar-se algo novo — embora ninguém saiba o quê. A verdade é que não há um lar, e Doc não pode simplesmente voltar à sua vida como homem mais forte e mais sábio (como acontece em O Grande Lebowski, entre tantos outros).

O único gostinho de redenção que temos é a volta para casa de Coy, que mostra uma reviravolta interessante. Coy é resgatado de seu papel de informante da COINTELPRO e entra novamente na sociedade. Mas mesmo nesse momento a câmera permanece focada no rosto de Doc, que revela um vazio existencial, negando-nos a capacidade de dividir esse momento de felicidade.

Ao final do filme, Doc e Shasta parecem literalmente dirigir-se rumo a um abismo: aparentemente estão em um carro, mas do lado de fora da janela há apenas uma escuridão homogênea — nenhum cenário, outros carros etc. — enquanto Shasta diz que a sensação é “de o mundo todo estar debaixo d’água e nós sermos os únicos sobreviventes”. Até mesmo a narração de Sortilege desaparece.

É nesse abismo que vivemos desde então, quando as forças que testemunhamos no filme — reação do Estado, restabelecimento da cultura conservadora, neoliberalismo — começaram a fundir-se. Essas forças apenas se intensificaram, aprofundando a alienação, enquanto fazemos da nostalgia um escape, pensando em um período que jamais foi tão puro quanto nos lembramos. Parece que “ainda vale a pena escapar” da vida americana.

9 de fevereiro de 2015

Confúcio e o estadista Mao: Em direção a um estudo da religião e do marxismo chinês

Roland Boer


“Então, Confúcio ainda é útil algumas vezes no fim das contas. (Risos.)”[1]

As atividades do estadista Mao sobre Confúcio parecem razoavelmente bem conhecidas: Para Mao, ele era a corporificação do superado pensamento feudal, o “porta-voz de uma decadente aristocracia escravista.”[2] O contraste com a atualidade não poderia ser mais agudo, quando o estudo do confucionismo é promovido pelo governo – simbolizado pela celebração de 10 anos dos Institutos Confúcio ao redor do mundo em 2014. Ainda, a relação entre Mao Zedong e Confúcio é muito mais complexa do que essa oposição simplista sugere. Já que este é um estudo preliminar e já que minha grande paixão é o trabalho textual, prefiro focar em textos do próprio Mao Zedong do que fazer comparações generalizadas e infundadas.

Deixe-me ser claro, meu argumento não é que Mao e Confúcio são diametralmente opostos, nem que uma profunda harmonia possa ser fundada entre seus trabalhos. Ao contrário, argumento que Mao continuou lutando com Confúcio durante toda sua vida. Algumas vezes, ele condena Confúcio, ou ao que o nome “Confúcio” serviu, e outras vezes ele busca entender Confúcio e seu papel na China moderna. De forma a compreender como isso funciona, começo com as observações negativas de Mao Zedong e depois me volto para os comentários positivos. Encerro, focando naqueles que são ambivalentes e de fato dialéticos. Se é dialético, então há profundas implicações para a atualidade. Já que não posso lidar com todos os muitos textos sobre Confúcio aqui, focarei nos mais significativos em cada um dos passos do meu argumento.

Ideólogo feudal

“Besteira” – é como Mao descreve, descuidadamente, o pensamento de Confúcio. De forma mais completa:

Não há fim do aprendizado vindo da experiência... As pessoas cometem erros quando são jovens, mas é verdade que as pessoas mais velhas podem evitar cometer erros? Confúcio disse que tudo o que fez se conformou às leis objetivas quando ele tinha setenta anos. Eu justamente não creio nisso, isso é besteira.[3]

Isso resume bem a avaliação negativa de Mao sobre Confúcio. Esse discurso foi proferido em 1957, mas encontramos avaliações similares em outros trabalhos. Não tão abruptas talvez, mas ainda assim com o ponto de que Confúcio personifica a velha China, feudal. Ele fala da perspectiva da velha classe dominante, dos proprietários de terra e exploradores, tudo com o objetivo de assegurar que o antigo sistema hierárquico continua a funcionar tranquilamente.

Mas, isso foi um desenvolvimento tardio no pensamento de Mao? Um estudo cuidadoso de seus escritos indica que ele já estava lendo literatura anti-confucionista em sua juventude, tal como Tan Sitong, especialmente seus ataques sistemáticos aos tradicionais costumes e instituições confucionistas.[4] Na mesma época, ele observa: “penso que os ares burocráticos do velho Confúcio precisam ser de alguma forma atenuados depois de todos esses anos.”[5] O contexto era, é claro, o imenso debate sobre os “novos estudos” de fora da China.[6] Tão forte pareceu essa direção que Mao observa que qualquer esforço de estocar Confúcio e resistir ao novo aprendizado era equivalente a fazer o Chang Jiang (Rio Yangzi) mudar de curso em direção às montanhas Kunlun, tanto que o povo da China poderia “ir à Europa apenas tomando um barco da cadeia de montanhas Kunlun”.[7]

Sob este foco, nós podemos entender seus primeiros ataques aos velhos métodos de educação[8], o incentivo às novas escolas em Hunan, seu profundo criticismo dos velhos costumes de casamento[9], e mesmo o uso de Confúcio para justificar a subserviência à ocupação japonesa.[10] Em resumo, esse era “O problema de Confúcio”. Ele se tornaria gradualmente e mais abertamente crítico de Confúcio, advogando alternativas à tradição confucionista, tal como Lu Xun, ou o materialismo dialético de Marx, Engels e Lenin.[12] Já em 1927, ele pronunciou sua famosa declaração: “uma revolução não é como convidar pessoas para o jantar, ou escrever um ensaio, ou pintar um quadro, ou fazer bordado; ela não pode ser tão refinada, tão prazerosa e gentil, tão benigna, correta, cortês, moderada e complacente”.[13] As qualidades refinadas e gentis são precisamente aquelas que dizem que Confúcio usou quando viu informações sobre os governos dos países que visitou.

Talvez a declaração mais clara sobre o assunto apareça alguns anos depois no importante texto “Sobre a Nova Democracia”:

A China também tem uma cultura semi-feudal que reflete sua economia e política semi-feudal, estes expoentes incluem todos aqueles que advogam o valor de Confúcio, o estudo do cânon confucionista, o velho código de ética e as velhas ideias em oposição à nova cultura e às novas ideias... Esse tipo de cultura reacionária serve aos imperialistas e à classe feudal e precisa ser varrida do país. Ao menos que seja varrida, nenhuma nova cultura de nenhum tipo pode ser construída. Não há construção sem destruição, não há fluxo sem represamento, e nenhum movimento sem descanso; ambos estão fechados em uma luta de vida ou morte.[14]

Não desejo dizer mais aqui sobre a imagem negativa de Confúcio nos escritos de Mao Zedong, já que esta imagem é razoavelmente bem conhecida. Mas deixe-me encerrar essa discussão com outra formulação aguçada de 1957: “O Imperador Shihuang da Dinastia Qin veio ao seu fim precoce porque ele enterrou apenas 460 estudiosos do confucionismo”.[15] Faz referência ao infame fen shu kang ru (livro que queimou e enterrou vivo os estudiosos) escrito sob o reinado do primeiro imperador chinês Shihuang (259-210 AC), que buscou promover a escola Legalista às custas da escola confucionista.

As boas declarações de Confúcio

Em meio as ondas de avaliação negativa de Confúcio e da tradição confucionista, Mao também incluiu amplos sinais de apreciação. Em um de seus primeiros textos, ele escreve:

Os escritos dos estudiosos do confucionismo são diferentes daqueles dos homens letrados. O antigo era translucido e puro, mas o último, incontido e argumentativo.[16]

Ao contrário da impressão geral, mesmo na China, essa visão positiva de Confúcio não é restrita aos seus primeiros escritos. Descobri que isso foi levado ao longo do tempo até seus últimos escritos. Ou melhor, sua apreciação atravessa períodos diferentes, com ondas de muito interesse, depois de relativa negligencia e por fim um retorno ao interesse. A onda inicial de engajamento extensivo com Confúcio aparece em seu primeiro texto, simplesmente chamado “Notas de sala” (de 1913)[17], seguido de perto de seu influente texto sobre educação física e algumas correspondências desse tempo.[18] Como qualquer estudante diligente e indócil, Mao Zedong conhecia Confúcio profundamente bem. Esse interesse e conhecimento permaneceria com ele pelo resto de sua vida. Deixe-me dar três exemplos.

O primeiro diz respeito ao discípulo favorito de Confúcio, Yan Hui. Mao menciona Yan Hui diversas vezes, particularmente com referência a simplicidade de sua vida: “Com um único prato de bambo de arroz, um único copo de cabaça, e vivendo em seu meio com uma pequena margem de manobra, ele não permitia que sua alegria fosse afetada por isso.”[19] Ou, de forma mais ampla:

Confúcio prestigiava o Mestre Yan, dizendo que, com um único prato de bambo de arroz e um único copo de cabaça, enquanto outros não teriam suportado a aflição, não permitia que sua alegria fosse afetada por isso. Hui tinha o sábio como seu modelo, uma concha cheia de comida e um copo de cabaça para manter-se vivo. Não seria mais fácil para ele não estar triste, mas feliz?[20]

Selecionei esse exemplo por uma razão óbvia: o conselho de vida simples, se não o for esteticamente, se tornaria uma característica padrão de campanhas de retificação e anticorrupção. O que vem mais a mente é o alerta que Mao Zedong deu ao partido depois do fim bem-sucedido da revolução de 1949. Neste ele alerta aos militantes para que não se deixem levar pelo exercício do poder, mas para lembrarem a necessidade de uma vida simples e honesta, que eles puderam experimentar anteriormente durante a longa luta revolucionária.[21]

Um segundo exemplo dessa profunda apreciação de Confúcio se encontra no ensaio de juventude chamado “Um estudo da educação física”. Aqui Mao demonstra sua famosa rotina diária de exercícios, com alguns intrigantes e difíceis que devem ser praticados nu. “Muita roupa impede o movimento”, ele diz. “O exercício deve ser selvagem e bruto”. Nesta condição, se pode tomar os exercícios da forma que segue:

Faça flexões e mantenha os braços estendidos a sua frente. Estenda uma perna para o lado e dobre a outra para frente. A perna estendida pode ser mexida, enquanto você se apoia nos dedos da perna dobrada, com os calcanhares tocando as nádegas. Esquerda e direita sucessivamente, três vezes.

Aparte desta intrigante imagem de Mao pelado dedicado a tais rotinas de exercícios vigorosos e complexos, estou interessado na justificação teórica para tais buscas energéticas. Isso vem de nada mais que textos confucianos, referencias a isso aparecem ao longo do ensaio. “Saber o que vem primeiro e o que vem depois nos levará para perto do caminho”[22], ele diz. E depois, “desejo ser virtuoso e toda virtude está ao alcance das mãos.”[23] Mao aponta que essa compreensão é ainda mais verdadeira para a educação física. Tudo bem escolher citar frases, mas e sobre Confúcio? O uso da mente por alguém significa que ele é deficiente em saúde física, e um corpo robusto significa que este é deficiente em capacidades mentais? Não mesmo, pois “Confúcio morreu com setenta e dois anos, e nunca ouvi dizer que seu corpo não era saudável”.[24]

O terceiro exemplo relata os slogans da campanha de retificação, que usualmente aparece nos clássicos confucionistas. Encontramos então em 1957: “proponho uma revisão geral para realizarmos o trabalho de eliminar os contrarrevolucionários este ano ou no próximo para que tenhamos a experiência, promovamos justiça, e expurguemos as tendências malignas”.[25] Aqui “justiça” (zhengqi) invoca o espírito de retidão e justiça que no ensinamento confucionista (especialmente em Mencius) é o espírito fundamental do céu e da terra. Ou melhor:

O criticismo positivo e construtivo sempre será necessário nas causas do povo. A campanha de retificação do Partido Comunista da China é precisamente uma campanha sistemática de criticismo e autocrítica. Encorajar a crítica e desbaratar as preocupações daqueles a que se oferece a crítica, a diretiva do Partido na campanha de retificação aponta que precisamos implementar princípios resolutos como “dizer tudo que se sabe; dizer tudo que deseja falar; aqueles que falam nunca devem ser incriminados; aqueles que escutam (às críticas) deveriam sempre aprender uma lição; se há erros, correções devem ser feitas; se não há, deve haver encorajamento”... Cada membro do Partido Comunista deveria se comprometer firmemente a ouvir os adágios da antiga China que dizem “remédio bom é mais amargo ao paladar, mas é bom para curar a doença; uma palavra honesta entorta o ouvido para o lado errado mas é um verdadeiro guia para o bom comportamento.”[26]

Onde isso mais aparece é no texto “Sobre o materialismo dialético”, onde Mao escreve: “Quando um exame interno não descobre nada de errado, porque ficar ansioso, porque ficar com medo? Isso é um dito correto de Confúcio”.[27] As implicações disso para a presente “linha de massa” ou campanha anticorrupção que está sendo perseguida pelo presidente Xi Jingping deveriam ser óbvias.

Eu poderia citar mais exemplos de uma avaliação positiva de Confúcio por Mao, tais como: a necessidade de se concentrar na verdadeira natureza das coisas para atingir metas; ou a necessidade de “perguntar sobre tudo” (Analectos, III, XV); ou a necessidade de evitar ser preguiçoso e estudar duro; ou o ideal de moralidade no qual todas as coisas são nutridas juntas sem que uma atinja a outras; ou o ideal de uma grande paz e harmonia (taiping edatong); ou a necessidade de contra-atacar se preciso; ou a necessidade de unidade através da luta; ou de trazer consequências para a organização como um resultado de causar conflitos; ou a necessidade de desprezar o imperialismo como deve-se desprezar o termo “homem superior” (da ren); ou a conexão sacrificial entre Sócrates, Confúcio e Jesus Cristo; ou mesmo na sua poesia.[28] Mas, escolhi esses três exemplos – sobre viver com simplicidade, a disciplina dos exercícios físicos e a necessidade de autocrítica e retificação – já que eles se aprofundariam ao longo do tempo e se tornariam ensinamentos e práticas futuras.

Em direção a uma visão dialética

O que podemos compreender desse quadro complexo? Um modo de ver isso é assumir – seguindo os próprios comentários de Mao[29] – que ele estudou Confúcio na juventude, mas que tal estudo não teve muito uso. Outro é sugerir que Mao foi amplamente hostil a Confúcio e que os comentários ocasionais e as referências são só a aparência de uma antipatia mais profunda a este alentador de valores “feudais”. Nenhuma delas é correta, ao que me consta. Ao contrário, os próprios textos de Mao Zedong indicam uma imagem muito mais complexa. Neste caso, um engajamento negativamente resoluto é encontrado lado a lado com avaliações positivas e sustentáveis do legado de Confúcio.[30] Esses engajamentos não são, entretanto, uniformes ao longo de seus textos. Confúcio surge e escorre através dos escritos de Mao. Então, encontramos uma absorção inicial e de vez em quando uma crítica de Confúcio na década de 1910, depois há uma pausa de mais de uma década com apenas algumas referências. Entretanto, pelo fim dos anos 30 ele volta à Confúcio. Neste ponto se pode encontrar muitas referências, com algumas peças importantes onde ele sente a necessidade de reduzir a termo sua relação com Confúcio.[31] Esse engajamento alimentaria suas últimas observações sobre Confúcio.

Mas gostaria de ver mais de perto a situação da China hoje e sua relação com Confúcio e o estadista Mao. Fazendo isso, sugiro que o engajamento complexo de Mao a respeito de Confúcio pode ser compreendido da melhor maneira não em termos de uma contradição não resolvida, mas como uma dialética. O texto, “Sobre o novo estágio” (1938), faz este ponto muito claro:

“Outra de nossas tarefas é estudar nossa herança histórica e usar o método marxista para rever isso criticamente. A história dessa nossa grande nação remonta há alguns milhares de anos. Ela tem suas próprias leis de desenvolvimento, suas próprias características nacionais, e muitos tesouros preciosos... De Confúcio a Sun Yatsen, nós precisamos rever criticamente e precisamos constituir nós mesmos em herdeiros desse precioso legado. Reciprocamente, a assimilação deste legado se torna um método que auxilia consideravelmente a guiar o presente grande movimento. Um comunista é um marxista internacionalista, mas o marxismo precisa tomar uma forma nacional antes que possa ser posto em prática. Não há marxismo em abstrato, mas apenas marxismo concreto. O que chamamos de marxismo concreto é o marxismo que assumiu uma forma nacional, que é, o marxismo aplicado a luta concreta nas condições concretas que prevalecem na China, e não um marxismo abstratamente usado. Se um comunista chinês, que é parte do grande povo chinês, ligado a seu povo por sua própria carne e sangue, fala sobre marxismo aparte das peculiaridades chinesas, esse marxismo é meramente uma abstração vazia. Consequentemente, o significado de marxismo – isso é dizer, estar certo de que em todas suas manifestações ele está imbuído das características chinesas, e de usá-lo de acordo com as peculiaridades chinesas – se torna um problema que precisa ser entendido e resolvido por todo o Partido sem demora... Nossa atitude sobre nós mesmos deveria ser “aprender sem saciar”, e em direção aos outros “para instruir sem se cansar”.”[32]

Confúcio está no inicio desse precioso legado, o que construiu as características específicas da China. Tudo isso deve ser revisto criticamente, pesado e acessado, à luz do marxismo.

Como isso tem que ser feito? Mao nos provê um exemplo intrigante como meio de avaliação do significado político de algumas doutrinas de Confúcio, particularmente a Doutrina da Média, ética e depois como o idealismo de Confúcio deveria ter ficado “a seus pés”. Eles aparecem em algumas cartas, uma para Chen Boda e outra para Zhang Wentian. O foco nessas cartas são os artigos de Chen Boda, que se juntou aos comunistas em 1927 e se tornou o secretário político de Mao em 1937, enquanto também trabalhava no Departamento de Propaganda do Comitê Central. Os artigos em questão, “A Filosofia materialista de Mozi” e “O pensamento filosófico de Confúcio”, indicam não apenas que re-acessar os primeiros filósofos chineses era parte dos debates diários durante o período do Soviet Yan’an, mas também que o próprio Mao estava intensamente interessado nessas discussões. Mao era um dos que participava do círculo em que Chen Boda circulou seus artigos para comentários e sugestões, antes de publicá-los. Dada a importância desses textos, farei uma exegese dos mesmos.

Na carta inicial, escrita diretamente à Chen Boda, a discussão sobre Confúcio toma corpo por meio da Escola Moista de pensamento, fundada pelo artesão de classe baixa, Mozi (470-391 AC).[35] De forma significativa, Mao interpreta Mozi como amplamente da linha de Confúcio, uma visão que tinha como percursores Mencius e outros confucionistas, e vai contra os ataques de Mozi a Confúcio, o subsequente antagonismo entre as duas escolas, e mesmo a jovem tendência comunista de jogar Mozi contra a tradição confucionista.[36] Um assunto importante para Mao dizia respeito a doutrina da média. Na primeira carta, a Chen Boda, ele começa citando três frases de Mozi: “desejando zheng, se pesa o beneficio; em aversão a isso, se pesa as perdas”; “o zheng é intitubeável”; “mantendo um balanço entre os dois sem se inclinar para um dos lados”.[37] A palavra chave é zheng, que deve ser tomada como “posição”, “apropriação”, “correção”, ou mesmo, em uma direção confucionista distinta, como “o caminho do meio”. De forma significativa, Mao opta por esse sentido confucionista, um sentido sancionado por uma longa tradição que tinha absorvido Mozi sob o enquadramento confucionista. Para tal, ele cita quatro frases de Confúcio, dando peso a seu argumento em favor do último. Todos se voltam para a doutrina da média: “pegue os dois extremos e empregue o meio”; “escolha o meio, segure-o firme, e não o perca”; “mantenha o curso até a morte sem mudar”.[38]

Tendo estabilizado essa relação próxima entre Mozi e Confúcio (pelo amor de seu argumento), Mao faz seu ponto crucial. O Meio em questão não é nenhuma das duas posições entre as quais alguém encontra um balanço ou um terreno comum, nem um posição substantiva com os dois lados. Ao invés, seu argumento é flexível. Começa afirmando que uma disposição substantiva tem dois lados, mas que ela tenderá a pender para um lado em um único processo, que assim se torna seu principal significado. Esse significado é o que define e estabiliza o sentido principal do substantivo. Apenas quando alguém tiver clarificado essa disposição substantiva é que se torna possível identificar o que o desvio por um lado significa na verdade: pender para a direita ou esquerda é negar o substantivo e então outro substantivo seria criado. Não se pode evitar aqui a leitura das dimensões políticas de seu argumento, especialmente à luz da observação de Mao, de que isso “é a explicação que deveria ser feita se a Escola Moista é, de fato, materialista dialética”.[39] O movimento comunista é de fato um desvio inicial em direção a um lado, distanciando-se do capitalismo (e assim do Guomidang), estabelecendo o próprio comunismo como uma disposição substantiva clara e estável. Com o comunismo, se virar para direita ou esquerda não está contido no comunismo, mas envolve sua negação e o estabelecimento de um novo substantivo não-comunista.

Neste engajamento inicial, Mao menciona rapidamente uma distinção entre excesso (guo) e falta (buji). Uma posição substantiva irá opor ambos. No próximo item – uma resposta ao artigo de Chen Boda “O pensamento filosófico de Confúcio” (escrita para Zhang Wentian) – Mao explica em mais detalhe o que ele quer dizer com esses dois termos confucionistas. Ele começa citando todo o texto dos Analectos, que ele já havia citado antes:

“O Mestre disse, ‘Havia Shun – ele de fato era um grande sábio! Shun amava questionar os outros, e estudar suas palavras... Ele se atou aos dois extremos, determinado pelo Meio e empregou isso no governo do povo. Foi por isso que ele foi Shun!’ 
“O Mestre disse, ‘Essa era a maneira de Hui – ele escolheu o Meio, e sempre que ele se atinha ao que era bom, ele agarrava isso firmemente, como se o vestisse sobre o peito, e não o perdia’.”[40]

Os dois extremos em questão podem se relacionar com filosofia, pensamento, ou mesmo com a vida diária, mas Mao está interessado no foco político desses textos. Neste registro, ele cita um comentário, o aprovando sobre a Doutrina da Média de Zhu Xi, que se empenhou na busca pelo bem à luz da oposição entre o excesso e a falta. Isto é a chave: de um lado estaguo (excesso), e de outro buji (falta). Não apenas essa oposição deveria ser entendida em termos de uma disposição substantiva mencionada antes, mas também como a qualidade de um objeto em tempo e espaço. Embora essa qualidade deve ser discernida das quantidades de um objeto ou movimento, a relação entre qualidade e quantidade é dialética. Pode-se determinar a qualidade de certas quantidades, mas ao mesmo tempo as próprias quantidades provém um discernimento da qualidade. Sob esta luz deveríamos entender o excesso e a falta:

“Excesso” é uma coisa “de esquerda” e “falta” é uma “de direita”... se dissermos que essa coisa não está naquele estado, mas que entrou em outro estado, então isso tem uma qualidade diferente, e se tornou “excessivo” ou foi “para a esquerda”. Se dissermos que essa coisa ainda perdura no mesmo estado sem um novo desenvolvimento, então isso é uma coisa velha, um conceito estagnado, conservativo e teimoso; é de direita e “falta”.”[41]

Se Mao aponta que Confúcio não tinha tal noção do desenvolvimento de uma posição ou do objeto, rejeitando posições que já tinha sido aceitas, ele também indica sua profunda apreciação deste discernimento. De fato, foi “uma grande descoberta e uma grande conquista”, tanto que esse “importante campo da filosofia” requer uma explicação.[42]

Alguns outros temas dignos de análise também aparecem neste engajamento com Confúcio, notavelmente a ética e o idealismo de Confúcio. A discussão destes é mais crítica de Confúcio, se bem que de um modo que busca aplicar tais discernimentos para a dialética marxista. Sobre a questão da ética, os comunistas encararam um extenso aporte das tradições confucionistas pelo Guomidang para seus próprios propósitos. Teria sido mais fácil relegar Confúcio aos reacionários – como Mao o faz em outras ocasiões – e ataca o sistema de pensamento e cultura como um todo. Ao invés, ele busca espalhar as sementes de uma ética materialista da combinação confucionista de sabedoria, benevolência, coragem, lealdade e retidão.

Ele tenta tal trabalho aportando duas estratégias: traduzir em um registro materialista e fazer uma reordenação das relações entre as virtudes. A questão amplamente desconhecida e de fundo é a classe. Em seu contexto confucionista inicial, esses preceitos simplesmente reforçavam a posição da classe dominante. Assim, o desafio é traduzir as virtudes confucionistas em virtudes apropriadas aos camponeses e trabalhadores. Como se postam e como foram usadas por milhares de anos, as virtudes se leem como segue: sabedoria é idealista e arbitrária, benevolência é restrita a classe dominante e coragem meramente acarreta a “coragem” para oprimir as classes pobres. Traduzido para um registro materialista: sabedoria é concreta, nada menos que “uma teoria, um pensamento, um plano, um programa, uma política”, benevolência é uma necessidade de “amar e se unir à” teoria e ao programa desenvolvido primeiro, e coragem é a perseverança para superar dificuldades encaradas no agir do programa. Com o tratamento de Mao sobre a Doutrina da Média, podemos discernir as experiências do Partido Comunista e a luta dos camponeses e trabalhadores de forma mais geral, mas também vislumbrar como uma sociedade socialista pode trabalhar à luz dessas virtudes confucionistas traduzidas: programa, unidade e perseverança se tornam as novas formas da sabedoria, benevolência e coragem. A segunda estratégia envolve reordenar as relações entre as virtudes. O real alvo de Mao é a benevolência, pois ela foi considerada como a principal virtude confucionista. Seu movimento inicial é o de sugerir que as três virtudes são na verdade determinadas pela lealdade: sem lealdade sabedoria são palavras vazias, benevolência, hipocrisia e coragem uma caixa vazia. Mas, podemos também ver como o ato de tradução acima fez a benevolência algo secundário. Isso pertence ao reino da prática, do decreto, da teoria e do programa desenvolvido primeiro no exercício da sabedoria. Depois ele reforça o ponto elevando ainda outra virtude, a retidão, sobre a benevolência. Retidão pertence a sabedoria, ao desenvolvimento de teorias e programas – um ponto que corre contra a assunção confucionista de que benevolência é mais importante que retidão. É claro, essa inversão tem suas próprias características dialéticas, pois Mao em outro lugar aborda o papel crucial da prática no desenvolvimento de teorias.[43] Obviamente, essas diferentes ênfases não deveriam ser tomadas de forma isolada, pois a dialética teórico-prática é uma característica central do marxismo. De fato, é precisamente nestes termos de colocar Confúcio na dialética que encontramos o mais profundo engajamento de Confúcio.

Conclusão: Lidando com o idealismo confucionista

Então chego – pela via da conclusão – a questão final, nominalmente, o idealismo de Confúcio. Colocado de forma simples, esse idealismo não deve ser condenado, mas analisado por seus discernimentos, criticado por sua natureza particular e remodelado em um enquadramento materialista dialético. Mao começa seu argumento sobre o assunto com uma citação dos Analectos: “Se os nomes não estiverem corretos, a linguagem não esta de acordo com a verdade das coisas. Se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, os afazeres não podem ser levados ao sucesso”. Para Mao, isso provê apenas metade da verdade, comparável ao ponto comum marxista de que sem a correta teoria, não se pode ter a prática correta. Ainda, como a tradição marxista deixa claro, a própria teoria surge da prática em um modo dialético. Sob esse foco, se Confúcio introduziu sua observação sobre os nomes com a sentença: “se os fatos não estão claros, então o nome não estará correto”, depois ele teria desenvolvido uma posição materialista, com a realidade da prática como o outro componente necessário na dialética teoria-prática. Não se pode evitar notar a apreciação de Confúcio nesse texto, tanto que certos paralelos podem ser desenhados, mantendo em mente o ponto dialético de Mao: “Confúcio estava retificando os nomes da ordem feudal, nós estamos retificando os nomes da ordem revolucionária”. Em outras palavras, Confúcio provê um inteligente idealismo, que pode de forma frutífera se tornar parte do materialismo dialético”. Os ecos da famosa declaração de Marx sobre Hegel ser posto a seus pés, sobre usar a própria dialética para identificar o materialismo implícito em Hegel e fazer dela o enquadramento determinante, deveria ser óbvia – embora com um porém: O engajamento de Mao sobre Confúcio é feito “com características chinesas”.

Notas:

1. Mao 1957 [1992]a, pp. 358-59.
2. Editors 1974, p. 7. This quotation is drawn from one of many articles published during the
“Criticize Lin, Criticize Confucius” campaign in the Peking Review between 1969 and 1976.
3. Mao 1956 [1992]b, p. 160. The Selected Works choose a lighter term, “bragging” rather than
“bullshit” (volume 5, p. 333). The allusion is to section 4 in “Chapter II, Wei zheng” (On Government, Part II) in the Analects, where Confucius claimed: “At fifteen, I set my mind on learning; at thirty, my principles became firm; at forty, I became free of confusion and doubt; at fifty, I knew the decree of Heaven; at sixty, my ears became obedient for the reception of truth; at seventy I followed whatever my heart desired, without transgressing what is proper.” Legge 1960, pp. 13-14.
4. Zhang 1917 [1992], pp. 138-39. Tan Sitong was a Hunanese philosopher and reformist and
was perhaps the most radical of the three leading figures of the Reform Movement of 1898. He was
executed by the Qing authorities. His key work is Renxue (The Study of Benevolence).
5. Mao 1919 [1992]e, p. 346
6. Mao 1919 [1992]b, p. 371.
7. Mao 1919 [1992]c, p. 347.
8. Mao 1919 [1992]d, pp. 400-1.
9. Among others, see Mao 1919 [1992]g; 1919 [1992]f.
10. Mao 1919 [1992]i, p. 355.
11. Mao 1919 [1992]h, p. 408.
12. Mao 1937 [2004]b, p. 97; 1957 [1992]k, p. 775; 1937 [2004]a, p. 631. See also Mao 1957 [1992]g, p. 627.
13. Mao 1927 [1994], pp. 434-35
14. Mao 1940 [2005], p. 357; see also pp. 362-63
15. Mao 1957 [1992-e, p. 667.
16. Mao 1913 [1992], p. 33.
17. Mao 1913 [1992], pp. 13, 18, 19-20, 23, 24, 31-32, 37, 44-47, 50, 55.
18. Mao 1915 [1992]a, p. 67; 1915 [1992]c, p. 72; 1915 [1992]d, pp. 75, 79’ 1915 [1992]e, p. 81’
1915 [1992]b, p. 84; 1917 [1992-a, pp. 133-34; 1920 [1992], p. 504. A number of references also appear in the commentary or marginal notes on Friedrich Poulsen (from 1917-18): Mao 1917-1918 [1992],pp. 187, 289, 292. See also Mao 1919 [1992]a, p. 335.
19. Mao 1913 [1992], p. 27. Analects VI and IX. Legge 1960, p. 118.
20. Mao 1913 [1992], p. 56. See also Mao 1913 [1992], pp. 16, 24, 55; 1917 [1992]a, p. 136.
21. Mao 1949 [1971].
22 Mao 1917 [1992]b, p. 115. The Great Learning, I. 3. Legge 1960, p. 357.
23. Mao 1917 [1992]b, p. 117. Analects VII, XXIX. Legge 1960, 204. For other quotations, see
Mao 1917 [1992]b, pp. 113-14, 122.
24. Mao 1917 [1992]b, p. 118.
25. Mao 1957 [1992]f, p. 322. See also: “As for mistakes of other kinds, the same method can be
adopted. We can issue a notice beforehand to announce that rectification will be conducted at a certain time. Then this would not be punishment without prior admonition that would be a method of small democracy.” Mao 1956 [1992]b, p. 171.
26. Mao 1957 [1992]l, p. 568. The three sayings here are: Zhi wu bu yan; yan wu bu jin, yan zhe
wu zui, wen zhe zhu jie and You guo ze gai; wu ze jiamian. The first is a common saying with uncertain roots. The second and third come from “Da xu” (Major Preface) in the Shi jing (Classic of Odes) and from “Yi” in the Yi jing (Classic of Changes). The third also echoes the Confucian saying: “If there is a mistake, fear not to amend it” (Guo ze wu dan gai) in the chapter “Xue er” in the Analects.19. Mao 1913 [1992], p. 27. Analects VI and IX. Legge 1960, p. 118.
27. Mao 1937 [2004]a, pp. 623-24. Analects, XII, IV, 3. Legge 1960, 252. On a similar theme, see also: “Good medicine is bitter to the taste but beneficial for the sickness”; “Sincere advice is not pleasant to hear, but it is beneficial for one’s conduct”; “To love yet know their bad qualities, to hate and yet know their excellences.” Mao 1937 [2004]a, p. 657. See further Mao 1941 [2005]a, p. 810.
28. Respectively from Mao 1917-1918 [1992], pp. 285-86; 1930 [1995]a, p. 420; 1939 [2005]b,
pp. 84, 87-88; 1913 [1992], p. 21; 1917 [1992]a, pp. 135-36; 1937 [1999], p. 615; 1939 [2005]a, p. 204; 1939 [2005]g, p. 27; 1941 [2005]b, p. 652; 1956 [1992]a, p. 60; 1956 [1992]c, p. 83. See also Mao 1956 [1992]d, p. 103; 1938 [2004], pp. 490-91.
29. “In the past, when I was a student, the conditions were not so good as those you enjoy today.
First we read the works of Confucius, that is, the old stuff which goes, ‘Is it not pleasant to learn with
a constant perseverance and application?’ Later, I went to a foreign-style school and received some
bourgeois education. Although in school I did hear something about what Sun Yatsen and Marx had
said, I did not learn the true doctrine of Sun Yatsenism and Marxism until after I had left school. Now
you can hear about everything, except that there is a bit less about Confucius.” Mao 1939 [2005]c, p.
92. The quotation is from opening sentence of the Analects: Legge 1960, p. 137. See also Mao 1957
[1992]k, p. 775.
30. For the more ambivalent observations on Confucius, see Mao 1917-1918 [1992], p. 202;
1930 [1995]b, pp. 363, 402, 404-5; 1935 [1999], p. 92; 1937 [1999], pp. 622-23; 1957 [1992]d, p. 303; 1957 [1992]a, pp. 358-59; 1957 [1992]b, p. 365; 1957 [1992]i, p. 733; 1957 [1992]k, p. 777.
31. Mao 1939 [2005]d, pp. 23-25; 1939 [2005]e; 1939 [2005]f
32. Mao 1938 [2004], pp. 538-39. The quotations are from the Analects of Confucius, VII,
II. Legge 1960, p. 195. See also his comments on the need to pass down new things, such as big
character posters, in the tradition, as they have done with the Confucian Classics: Mao 1957 [1992]c, p. 608; 1957 [1992]g, pp. 626-27.
33. Mao 1939 [2005]d, pp. 23-25, 1939 [2005]e.
34. The first article was published in Jiefang 82, 102, and 104, in 1939 and 1940. The second
appeared in Jiefang 69, in 1939, pp. 20-24. Chen Boda also published an article on Laozi, entitled
“Laozi’s Philosophical Thought,” which was published in Jiefang 63/64, in 1939.
35. A complete translation of the surviving works of Mozi is now available in Johnston 2010.
Mozi’s for the early communists is that he took a stand against Confucian nostalgia and the embrace of harmony and universal love (boai) within the existing – and thereby hierarchical – forms of human relations. For the lower-class artisan Mozi, universal love (jian’ai) was non-differentiated and community oriented, against the narrow focus on family and clan. After the Warring States period, Moism suffered at the hands of imperial fostering of Confucianism, so much so that it was ignored for two millennia.
37. These are all drawn from the tenth book of Mozi’s works, chapters 40, 41, and 42. Chapters 40 and 41 are called “Canon” (Jing), while chapter 42 is “Commentary on the Canon” (Jingshuo).
38. The first couple of phrases are quoted from Doctrine of the Mean VI; VIII. Legge 1960, pp. 388, 389. Since Mao quotes the full texts from which these phrases are drawn in his next article, I have provided the full text below. The context for the remaining two phrases is as follows: “The superior man cultivates a friendly harmony, without being weak. How firm is he in his energy! He stands erect in the middle, without inclining to either side. How firm is he in his energy! When good principles prevail in the government of his country, he does not change from what he was in retirement. How firm is his energy! When bad principles prevail in the country, he maintains his course to death without changing. How firm is he in his energy!” Doctrine of the Mean X, 5. Legge 1960, p. 390.
39. Mao 1939 [2005]d, p. 25.
40. Doctrine of the Mean VI; VIII. Legge 1960, pp. 388, 389
41. Mao 1939 [2005]e, p. 35.
42. Mao 1939 [2005]e, p. 35.
43. Mao 1937 [1965].
44. Analects XIII, III, 5. Legge 1960, pp. 263-64.
45. See also: “Without idealism, we can’t show how good materialism is. Without opposition, there will not be struggle. Only that which emerges from struggle can withstand the test. Contradictions continually occur; there must be continuous struggle, and the continuous resolution [of contradictions]; in a billion years, this will remain so. After one learns about the positive things, one must also learn about the negative things. If we talked only about materialism and didn’t say anything about idealism, if we only talked about dialectics and said nothing about metaphysics, you wouldn’t know anything from the negative side, and the things on the positive side would also not be consolidated. Therefore, not only do we have to publish a collection of Sun Yat-sen’s works, but we have to publish a collection of Chiang Kai-shek’s works as well. We’ll talk about Hegel, Kant, Confucius, Lao Zi, the two Cheng [brothers]. Zhu [Xi], Wang [Yangming]; we’ll talk about all of them.” Mao 1957 [1992]h, pp. 243-44. See also Mao 1957 [1992]j,pp. 252-56; 1957 [1992]d, p. 303.

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Mao Zedong. 1957 [1992]c. “Conversation with Workers at the Shanghai Machine Tool Factory.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 601-19. Armonk: M. E. Sharpe.

Mao Zedong. 1957 [1992]d. “Conversations with Scientists and Writers on Contradictions Among the People.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 301-8. Armonk: M. E. Sharpe.

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Mao Zedong. 1957 [1992]f. “On Correctly Handling Contraditions Among the People (February 27).” In The Writings of Mao Zedong 1949- 1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 308-51. Armonk: M. E. Sharpe.

Mao Zedong. 1957 [1992]g. “Repel the Attacks of the Bourgeois Rightists.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 620-37. Armonk: M. E. Sharpe.

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Mao Zedong. 1957 [1992]i. “Speech at Supreme State Conference.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 724-52. Armonk: M. E. Sharpe.

Mao Zedong. 1957 [1992]j. “Speech at the Conference of Provincial, Municipal, and Autonomous Region Party Secretaries (January 27, 1957).” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 246-76. Armonk: M. E. Sharpe.

Mao Zedong. 1957 [1992]k. “Speech to Chinese Students and Trainees in Moscow.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 772-79. Armonk: M. E. Sharpe.

Mao Zedong. 1957 [1992]l. “We Must Have Positive Criticism, and Also Accurate Countercriticism.” In The Writings of Mao Zedong 1949-1976, Vol. 2, edited by John K. Leung and Michael Y. M. Kau, 569-73. Armonk: M. E. Sharpe.

Zhang Kundi. 1917 [1992]. “Zhang Kundi’s Record of Two Talks with Mao Zedong.” In Mao’s Road to Power: Revolutionary Writings 1912-1949, Vol. 1, edited by Stuart R. Schram, 137-40. Armonk: M. E. Sharpe.

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