10 de janeiro de 2011

O levante da Aliança Nacional Libertadora

As revoltas sociais aparecem no Brasil como resultado de país constituído pelo mando das oligarquias e pela ausência de hegemonia democrática

Antonio Carlos Mazzeo

Folha de S.Paulo

A matéria veiculada nesta Folha sobre as atividades de Luiz Carlos Prestes no levante da Aliança Nacional Libertadora contra o governo de Getulio Vargas ("Carta de Prestes mostra ação da URSS", 13/ 12/2010, Poder), em novembro de 1935, apesar de arrimada em algumas cartas do líder comunista, não acrescenta novas luzes a uma questão relevante para a história brasileira, ainda afrontada com paixões sectárias, a começar pelo nome que se atribui a esse movimento: "Intentona Comunista".

O levante da ANL integra um momento conturbado na história mundial. A década de 1930 é de depressão econômica, convulsões políticas e ditaduras fascistas na Europa. Nos EUA, Roosevelt elimina o "sindicalismo vermelho", a partir de um neocorporativismo aliado a setores da "aristocracia operária" e da máfia estadunidense, para impulsionar o New Deal.

Havia tensão na cena política internacional, na qual estava também o movimento comunista.

Vargas, que chega ao poder por um "coup de main", concluindo o período das revoltas tenentistas da década de 1920, irá enfrentar muitos opositores, dos constitucionalistas em 1932 a setores democráticos e populares que se posicionam contra sua política econômica e denunciam um possível golpe coordenado por Góis Monteiro.

Em 1934, uma onda de greves cobre o país, com ampla participação do funcionalismo público.

Nesse contexto funda-se a ANL, em 30 de março de 1935, com nítida hegemonia comunista, cujo programa político inspirava-se nas frentes populares, adotadas internacionalmente para combater o fascismo, e destacava pontos como o cancelamento da dívida externa, a nacionalização de empresas estrangeiras, liberdades democráticas e reforma agrária, além da construção de um governo popular.

Não é preciso escarafunchar as entrelinhas das cartas de Prestes para perceber que ali estavam embrionárias formulações do PCB, desenvolvidas já em 1926. Uma vasta bibliografia atesta o apoio do Komintern (a 3ª Internacional Comunista) à construção da ANL e, posteriormente, ao levante armado de 1935.

Demonstra, também, o elemento endógeno decisivo do levante, isto é, que o governo Vargas materializava a impossibilidade de alternativas institucionais numa forma societal geneticamente autocrática, propensa a golpes militares e a ditaduras das classes dominantes.

Não existem "chaves ocultas" para entender o que a historiografia nacional vem pondo em evidência.

As revoltas sociais aparecem no Brasil como resultado de um país constituído pelo mando das oligarquias e pela ainda presente ausência de uma hegemonia radicalmente democrática.

O mais é produto de ficção conspirativa inspiradas por ódios ideológicos e por frustrações subjetivas.

Antonio Carlos Mazzeo, livre-docente em ciência política, é professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e autor, entre outros, de "Sinfonia Inacabada - A Política dos Comunistas no Brasil" (Boitempo) e "O Voo de Minerva - A Construção da Política, do Igualitarismo e da Democracia no Ocidente Antigo" (Boitempo).


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