30 de dezembro de 2012

Dez anos de avanços

Dilma Rousseff


Os dez anos de governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores marcam a incorporação de uma nova agenda para o Brasil.

O combate à desigualdade social passou a ser uma política de Estado, e não mais uma ação emergencial. Os governos do presidente Lula e o meu priorizaram a educação, a saúde e a habitação para todos, a retomada dos investimentos públicos em infraestrutura e a competitividade da economia.

Na última década, raros são os países que, como o Brasil, podem se orgulhar de oferecer um futuro melhor para os seus jovens. A crise financeira, iniciada em 2007, devastou milhões de empregos e esperanças no mundo desenvolvido.

No Brasil, ocorreu o contrário. Cerca de 40 milhões de pessoas foram incorporadas à chamada nova classe média, no maior movimento de ascensão social da história do país. A miséria extrema passou a ser combatida com uma ação sistemática de apoio às famílias mais pobres e com filhos jovens.

Através do programa Brasil Carinhoso, somente em 2012 retiramos da pobreza extrema 16,4 milhões de brasileiros. Entre 2003 e 2012, a renda média do brasileiro cresceu de forma constante e a desigualdade caiu ano a ano. Nesta década, foram criados, sem perda de direitos trabalhistas, 19,4 milhões de novos empregos, sendo 4 milhões apenas nos últimos dois anos.

Reconhecer os avanços dos últimos dez anos significa também reconhecer que eles foram construídos sobre uma base sólida. Desde o fim do regime de exceção, cada presidente enfrentou os desafios do seu tempo. Eles consolidaram o Estado democrático de Direito, o funcionamento independente das instituições e a estabilidade econômica.

Acredito que os futuros governos tratarão como conquistas de toda a população nossos programas de educação --como o Pronatec, de formação técnica, o ProUni e o Ciência Sem Fronteiras-- e de eficiência do Estado --como os mecanismos de monitoramento de projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e a transparência na prestação de contas da Lei de Acesso à Informação.

O Brasil que emerge dos últimos dez anos é um país mais inclusivo e sólido economicamente. O objetivo do meu governo é aprofundar estas conquistas.

O desafio que se impõe para os próximos anos é, simultaneamente, acabar com a miséria extrema e ampliar a competitividade da nossa economia. O meu governo tem enfrentado estas duas questões. Temos um compromisso inadiável com a redução da desigualdade social, nossa mancha histórica.

Ao longo de 2012, lançamos planos de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, que abrem as condições para um novo ciclo virtuoso de investimento produtivo. Reduzimos a carga tributária, ampliamos as desonerações na folha de pagamento e, em 2013, iremos baratear a tarifa de energia.

São medidas fundamentais para aumentar a competitividade das empresas brasileiras e gerar as condições de um crescimento sustentável.

Iremos aproveitar a exploração do pré-sal para concentrar recursos na educação, que gera oportunidades para os cidadãos e melhora a qualificação da nossa força de trabalho.

É a educação a base que irá nos transformar em um país socialmente menos injusto e economicamente mais desenvolvido. Um Brasil socialmente menos desigual, economicamente mais competitivo e mais educado. Um país que possa continuar se orgulhando de oferecer às novas gerações oportunidades de vida cada vez melhores. Um país melhor para todos.

Tenho certeza que estamos no rumo certo.

Dilma Rousseff, 65, economista, é presidente da República desde janeiro de 2011.

20 de dezembro de 2012

Lênin e a "aristocracia operária"

O breve ensaio que se segue é uma contribuição à discussão do pensamento de Lênin, por ocasião do centenário de seu nascimento. O assunto pode ser tratado apropriadamente por um marxista britânico, uma vez que o conceito de uma "aristocracia do trabalho" é um que Lênin claramente derivou da história do capitalismo britânico do século XIX. Suas referências concretas à "aristocracia do trabalho" como um estrato da classe trabalhadora parecem ser extraídas exclusivamente da Grã-Bretanha. ... O termo em si é quase certamente derivado de uma passagem de Engels escrita em 1885 e reimpressa na introdução da edição de 1892 de The Condition of the Working Class in England em 1844, que fala dos grandes sindicatos ingleses como formando "uma aristocracia entre a classe trabalhadora".

Eric J. Hobsbawm


December 2012 (Volume 64, Number 7)

Tradução / Eric Hobsbawm, who died last October 1, aged ninety-five, has been much celebrated as one of the twentieth century’s greatest English-language historians despite his steadfast advocacy of socialism and use of the tools of Marxian analysis. But, if asked, the founding editors of Monthly Review, Leo Huberman and Paul Sweezy, his lifelong colleagues and comrades, would have differed a bit. They would have said that it was precisely because Marxism was intrinsic to his theory, understanding, and action that he gained his preeminence.

Both Hobsbawm and MR were born in turbulent times, he in the year of the Bolshevik Revolution, this magazine in the chaotic aftermath of the Second World War. But both came of age with the grim realities of the Cold War. Hobsbawm’s first book, published in the United States as Social Bandits and Primitive Rebels (1960), looked for lessons for fundamental change in pre-modern forms of resistance and rebellion, just as Huberman, Sweezy, and Baran were examining emerging revolutionary forms, especially in China and Cuba. Hobsbawm, of course, went on to chronicle the nineteenth-century revolutionary awakening of Europe while MR examined and analyzed the nascent radical upsurge in the global South.

Given the differences in their respective projects, distinctions in emphasis and direction were inevitable. In the aftermath of the 1956 events in the Soviet sphere Hobsbawm championed Eurocommunism, seemingly a break with the “hard line” Communism of the postwar European parties, but his stance was always to struggle within the movement not to separate himself from it. And for the next half-century he never considered himself anything other than part of the same project in which the editors of MR were engaged. So when W. W. Rostow’s The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto (1960), later seen as a justification for the Kennedy-Johnson third world imperial plans in Vietnam and elsewhere, became the blueprint for the counterattack against the insurgent developing countries, Paul Baran and Hobsbawm published a powerful rebuttal, that among other things, noted the uses that Cold War social science was put in aid of the U.S. imperial enterprise (see “The Stages of Economic Growth,” Kyklos, May 1961, pages 234–42). The impact of this much-cited article was such that little attention is paid any longer to Rostow’s work.

But like many radical academics, Hobsbawm’s perhaps greatest contributions were as a teacher and communicator; something he shared, especially, with MR editor Leo Huberman, who was most committed to what he called “spreading the word.” The two of them became great friends when Hobsbawm came to New York for the first time at the end of the 1950s. In addition to much political talk, Hobsbawm took Huberman to The Five Spot, a dark smoky jazz club on the Bowery to hear music by the young followers of Charlie “Bird” Parker. Huberman, of course, had no idea who that was, but later said that the music and Hobsbawm’s running commentary was an extraordinary introduction to the quintessential musical form of this country. Hobsbawm was able to communicate to Huberman, as he did in his jazz reviews for the New Statesman, the place of jazz and Parker in the narrative of the struggle against Jim Crow on the eve of the civil rights movement. The reviews were collected in The Jazz Scene, which Hobsbawm published with the pseudonym Francis Newton, brought out by Monthly Review Press in the United States in 1960.

Hobsbawm’s interests were wide-ranging, but his scholarship was singular and his commitment to socialism was steely. What made his work especially interesting was his ability not only to capture the historical specificity of a given age, but also his tendency to look at what was on the outskirts of the dominant view and see change as it emerged from the margins. Related to this was his proclivity to take on some of the hardest issues, including those facing the left. The following article, “Lenin and ‘The Aristocracy of Labor,’” from the August 1970 issue of Monthly Review is an instance of the latter.

— The Editors

O breve ensaio que se segue é um contributo para a discussão sobre o pensamento de Lênin, por ocasião do centésimo aniversário do seu nascimento. Trata-se de um assunto que pode ser convenientemente tratado por um marxista inglês, visto que o conceito de Lênin de uma "aristocracia operária" derivou claramente da história do capitalismo britânico do século XIX. As referências concretas que ele faz à "aristocracia do trabalho" como uma camada da classe operária, aparecem retiradas exclusivamente de Inglaterra (embora nas suas notas sobre imperialismo faça referência a fenômenos semelhantes nas partes "brancas" do Império Britânico). O próprio termo quase de certeza deriva de uma passagem escrita por Engels em 1885 e reeditada na introdução à edição de 1892 de A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844 que fala dos grandes sindicatos ingleses como "uma aristocracia dentro da classe trabalhadora".

A expressão propriamente dita pode ser atribuída a Engels, mas o conceito era familiar no debate político social inglês nos anos 1880. Em geral, era aceito que a classe trabalhadora em Inglaterra, neste período, continha uma camada favorecida – minoritária mas numericamente extensa – que era habitualmente identificada com os "artesãos" (i.e. os trabalhadores e artífices qualificados) e sobretudo com aqueles que estavam organizados em sindicatos ou outras organizações da classe trabalhadora. É este o sentido com que observadores estrangeiros também usaram o termo, por exemplo Schulze-Gaevernitz, que Lênin cita favoravelmente no célebre oitavo capítulo do "Imperialismo". Esta identificação convencional não era inteiramente válida mas, tal como a utilização corrente do conceito de uma camada superior da classe trabalhadora, refletia uma clara realidade social. Nem Marx, nem Engels, nem Lênin "inventaram" uma aristocracia do trabalho. Existia apenas com demasiada visibilidade na Inglaterra da segunda metade do século XIX. Além do mais, se existia em algum outro local, era claramente muito menos visível ou significativa. Lênin assumiu que até ao período do imperialismo ela não existia em nenhum outro local.

A novidade do argumento de Engels estava em outro lugar. Ele defendia que esta aristocracia do trabalho fora possível devido ao monopólio do mundo industrial pela Inglaterra e que iria desaparecer ou que seria empurrada para junto do resto do proletariado com o fim deste monopólio. Lênin concordou com Engels neste ponto e nos anos que precederam 1914, quando o movimento operário inglês se radicalizava, teve tendência a realçar a segunda parte da argumentação de Engels, por exemplo nos seus artigos Debates Ingleses sobre uma Política Liberal dos Trabalhadores (1912), O Movimento Operário Inglês (1912), e Em Inglaterra, os Desastrosos Resultados do Oportunismo, (1913). Embora não duvidando nem por um momento que a aristocracia operária era a base do oportunismo e do "liberal-trabalhismo" do movimento britânico, Lênin não aparecia até então a enfatizar as implicações internacionais da discussão. Por exemplo, aparentemente não a usou na sua análise das raízes sociais do revisionismo (vide Marxismo e Revisionismo (1908) e Diferenças no Movimento Operário Europeu (1910). Aqui, ele defendia que o revisionismo tal como o anarco-sindicalismo eram devidos à constante criação de certas camadas intermédias – pequenas oficinas, trabalhadores domésticos, etc. – nas margens do capitalismo em desenvolvimento, as quais, por sua vez, eram constantemente atiradas para as fileiras do proletariado, pelo que era inevitável que as tendências pequeno-burguesas se infiltrassem nos partidos proletários.

A linha de pensamento de onde partiu do seu reconhecimento da aristocracia do trabalho foi um pouco diferente; e deve-se notar que ele a manteve, em parte, pelo menos, até ao fim da sua vida política. Aqui é talvez relevante observar que Lênin obteve o seu conhecimento do fenômeno, não só a partir dos escritos de Marx e de Engels, que frequentemente discorriam sobre o movimento operário inglês, dos seus contatos pessoais com marxistas em Inglaterra (que visitou seis vezes entre 1902 e 1911), mas também a partir da completa e bem documentada obra de Sidney e Beatrice Webb "Democracia Industrial" sobre os sindicatos "aristocráticos" do século XIX. Ele conhecia profundamente este importante livro, tendo-o traduzido no seu exílio na Sibéria, o qual lhe deu uma compreensão imediata das ligações entre os Fabianos ingleses e Bernstein: "A fonte original de uma série de disputas e ideias de Bernstein encontra-se nos últimos livros escritos pelos Webb", escreveu em setembro de 1899 a um correspondente. Lênin continuou muitos anos mais tarde a citar informação dos Webb e, especificamente, refere-se à Democracia Industrial no decurso da sua discussão em "Que fazer?"

Duas propostas podem ter saído em parte ou principalmente da experiência da aristocracia do trabalho britânica. A primeira, "que a subserviência à espontaneidade do movimento operário, depreciando o papel do "elemento consciente", do papel da Democracia Social, significa, quer se goste ou não, o crescimento da influência da ideologia burguesa no seio dos trabalhadores". A segunda, que uma luta puramente sindical "é necessariamente uma luta de acordo com o setor (ofício), porque as condições do trabalho diferem muito nos diferentes setores e, em consequência, a luta para melhorar estas condições só pode ser conduzida de acordo com cada setor". (Que fazer? O segundo argumento é apoiado com referência direta aos Webb).

A primeira destas propostas parece basear-se na perspetiva de que, no capitalismo, a ideologia burguesa é hegemônica a não ser que deliberadamente neutralizada pelo "elemento consciente". Esta importante observação leva-nos muito além da mera questão da aristocracia do trabalho e não precisamos de prossegui-la aqui. A segunda proposta está mais intimamente ligada à aristocracia do trabalho. Argumenta que, dada a "lei do desenvolvimento desigual" dentro do capitalismo – i.e. a diversidade de condições em diferentes indústrias, regiões, etc. da mesma economia – um movimento operário puramente "economicista" tenderá a fragmentar a classe operária em segmentos "egoístas" ("pequeno-burgueses") cada um perseguindo os seus interesses, se necessário em aliança com os seus próprios empregadores, às custas dos restantes. (Lênin frequentemente citou o caso das "Alianças de Birmingham" dos anos 90, tentativas de um bloco conjunto sindicatos-administração para manter os preços em diversos setores metalúrgicos. Quase certo que retirou esta informação dos Webb.) Consequentemente, um tal movimento puramente "economicista" leva a quebrar a unidade e consciência política do proletariado e a enfraquecer ou neutralizar o seu papel revolucionário.

Este argumento também é muito geral. Podemos olhar para a aristocracia do trabalho como um caso especial deste modelo geral. Surge quando as circunstâncias econômicas do capitalismo permitem dar concessões significativas ao proletariado, dentro do qual certas camadas conseguem, por meio da sua especial escassez, engenho, posição estratégica, força organizacional, etc., estabelecer muito melhores condições para si em detrimento das restantes. Assim, podem existir situações históricas, como em finais do século XIX em Inglaterra, quando a aristocracia operária pode quase ser identificada com o movimento sindical, como Lênin por vezes esteve quase a sugerir.

Mas se o argumento é em princípio mais geral, não pode haver dúvida de que o que estava na cabeça de Lênin quando o usou, era a aristocracia do trabalho. Vezes sem conta encontramo-lo a usar expressões tais como: "o espírito pequeno-burguês que prevalece entre esta aristocracia do trabalho" (A Sessão do Departamento da Internacional Socialista, 1908): "os sindicatos ingleses, insulares, aristocráticos, filistinamente egoístas", "os Ingleses orgulham-se do seu sentido prático e de não gostarem de princípios gerais; é uma expressão do espírito artesão no movimento operário" (Debates Ingleses sobre uma Política Liberal dos Trabalhadores, 1912); e "esta aristocracia operária... isolou-se da massa do proletariado em sindicatos de ofícios fechados e egoístas" (Harry Quelch, 1913). Além disso, muito mais tarde, numa declaração programática cuidadosamente elaborada – no seu Esboço de Teses Preliminares sobre a Questão Agrária para o Segundo Congresso da Internacional Comunista (1920) – é feita a ligação com a maior clareza:

Os trabalhadores industriais não podem desempenhar a sua missão histórica mundial de emancipação da humanidade do jugo do capital e das guerras se se preocuparem exclusivamente com o seu estreito ofício, com os estreitos interesses do seu setor e se confinarem a cuidar e a preocupar-se em melhorar as suas próprias, por vezes toleráveis condições pequeno-burguesas. Isto é exatamente o que acontece em muitos países avançados à "aristocracia do trabalho" que serve de base aos ditos partidos Socialistas da Segunda Internacional.

Esta citação, que combina as primeiras e mais tardias ideias de Lênin sobre a aristocracia do trabalho, leva-nos naturalmente de umas para as outras. Estes escritos mais tardios são familiares a todos os marxistas. No geral, eles datam do período que vai de 1914 a 1917 e formam parte da tentativa de Lênin de fornecer uma explicação coerente para o irromper da guerra e especialmente o colapso simultâneo e traumático da Segunda Internacional e da maior parte dos partidos que a constituem. Encontram-se quase inteiramente no oitavo capítulo de Imperialismo e o artigo Imperialismo e a Divisão no Movimento Socialista escrito um pouco mais tarde (1916) complementa-o.

A discussão sobre Imperialismo é bem conhecida, embora as notas de rodapé de Imperialismo e a Divisão não sejam tão largamente conhecidas. Genericamente, é assim. Graças à posição peculiar do capitalismo inglês – "grandes possessões coloniais e uma posição monopolista nos mercados mundiais" – a classe trabalhadora britânica tendia, já em meados do século XIX, a estar dividida numa minoria favorecida de aristocratas do trabalho e uma camada inferior muito maior. A camada superior "aburguesa-se" enquanto ao mesmo tempo "uma parte do proletariado se deixa ser dirigida por gente que é comprada pela burguesia ou que pelo menos é paga por ela. " Na época do imperialismo, aquilo que era então um fenômeno puramente inglês encontra-se agora em todas as potências imperialistas. Assim, o oportunismo que degenera em chauvinismo social caracterizou todos os principais partidos da Segunda Internacional. Contudo, "o oportunismo não pode agora triunfar no movimento da classe trabalhadora de nenhum país durante décadas como aconteceu em Inglaterra" porque o monopólio mundial tem agora de ser partilhado entre uma série de países que competem entre si. Assim, o imperialismo, enquanto generaliza o fenômeno da aristocracia do trabalho, também produz as condições para o seu desaparecimento.

As passagens relativamente superficiais de Imperialismo são explanadas numa argumentação bastante mais vasta em Imperialismo e a Divisão. A existência de uma aristocracia operária é explicada pelos super lucros do monopólio que permitem aos capitalistas "devotar uma parte (que nem sequer é pequena) a subornar os seus próprios trabalhadores, de modo a criar qualquer coisa como uma aliança... entre os trabalhadores de um dado país e os seus capitalistas contra os outros países. Este "suborno" funciona através de fundações, a oligarquia financeira, preços altos, etc., (i.e. algo como monopólios conjuntos entre um dado capitalismo e os seus trabalhadores). A quantidade do potencial suborno é substancial – Lênin calculou-o talvez como cem milhões de francos em bilhões – e portanto, em certas circunstâncias, é a camada que beneficia disso. Contudo, "a questão de como esta pequena esmola é distribuída entre ministros do trabalho, "representantes do trabalho"... membros dos comitês das indústrias de guerra, funcionários do trabalho, trabalhadores organizados em pequenos sindicatos de artífices, empregados de escritório, etc. etc., é uma questão secundária." O que resta da argumentação, com exceções que serão referidas abaixo, amplia mas não altera substancialmente a argumentação de Imperialismo.

É fundamental recordar que a análise de Lênin foi no sentido de tentar explicar uma situação histórica específica – o colapso da Segunda Internacional – e fundamentar conclusões políticas específicas que retirou daí. Primeiro, argumentou que, na medida em que o oportunismo e o chauvinismo social representavam apenas uma minoria do proletariado, os revolucionários teriam de "descer mais profundamente até às verdadeiras massas"; em segundo lugar, que os "partidos burgueses dos trabalhadores" estavam agora irrevogavelmente vendidos à burguesia e não iriam desaparecer antes da revolução nem "regressar" ao proletariado revolucionário, embora pudessem "jurar em nome de Marx", onde o marxismo fosse popular entre os trabalhadores. Assim, os revolucionários devem rejeitar uma unidade fictícia entre o proletariado revolucionário e a facção filistina oportunista dentro do movimento dos trabalhadores. Em suma, o movimento internacional teve de se partir, de modo a que um movimento Comunista dos trabalhadores pudesse substituir um movimento Social-democrata.

Estas conclusões aplicavam-se a uma situação histórica específica, mas a análise que as suporta era mais geral. Como fazia parte de uma polêmica política específica e de uma análise mais vasta, algumas das ambiguidades da argumentação de Lênin sobre o imperialismo e a aristocracia do trabalho não são para ser escrutinadas tão de perto. Como vimos, ele próprio pôs de lado alguns aspetos da questão como "secundários". Contudo, a argumentação é em alguns aspetos pouco clara ou mesmo ambígua. Grande parte das dificuldades surge da insistência por parte de Lênin de que o setor corrompido da classe trabalhadora é e só pode ser uma minoria, ou mesmo, como por vezes sugere de forma polêmica, uma pequeníssima minoria, contra as massas que não estão "infetadas pela respeitabilidade burguesa" e às quais os marxistas têm de apelar, pois "esta é a essência da tática marxista."

Em primeiro lugar, é evidente que a minoria corrompida podia ser, mesmo na suposição de Lênin, um setor numericamente grande da classe trabalhadora e um ainda maior do movimento organizado de trabalhadores. Mesmo que só correspondesse a 20% do proletariado, como as organizações de trabalhadores em finais do século XIX em Inglaterra ou em 1914 na Alemanha (o exemplo é de Lênin) não podia ser simplesmente descartado politicamente e Lênin era demasiado realista para o fazer. Daí uma certa hesitação nas suas formulações. Não era a aristocracia do trabalho como tal, mas apenas uma "camada" que tinha desertado economicamente para a burguesia ("Imperialismo e a Divisão"). Não é claro de que camada se trata. Os únicos tipos de trabalhadores que são especificamente mencionados são os funcionários, os políticos, etc., dos movimentos reformistas dos trabalhadores. São de fato minorias – pequeníssimas minorias – corrompidas e por vezes francamente vendidas à burguesia, mas a questão por que dominam o apoio dos seus seguidores não é discutida.

Em segundo lugar, a posição da massa dos trabalhadores é deixada em alguma ambiguidade. É claro que o mecanismo de exploração de um monopólio de mercados, que Lênin considera como a base do "oportunismo", funciona de modo que os seus benefícios não podem ser confinados apenas a uma camada da classe trabalhadora. Há boas razões para supor que "qualquer coisa como uma aliança" "entre os trabalhadores e os capitalistas de uma dada nação contra os de outros países" (e que Lênin ilustra com "As Alianças de Birmingham" dos Webb) implica alguns proveitos para todos os trabalhadores, embora obviamente muito maiores para os bem organizados e para os estrategicamente fortes trabalhadores aristocratas de entre eles. É com efeito verdade que o monopólio mundial do capitalismo britânico do século XIX pode ter dado poucos benefícios às camadas mais baixas do proletariado, enquanto deu benefícios substanciais à aristocracia do trabalho. Mas isto foi porque nas condições de inflação e capitalismo competitivo, liberal, "laissez faire" não havia outro mecanismo senão o mercado (inclusive a negociação coletiva dos poucos grupos proletários com capacidade para tal) para distribuir os proveitos do monopólio mundial aos trabalhadores ingleses.

Mas nas condições do imperialismo e do capitalismo monopolista isto deixou de ser assim. Fundações, manutenção de preços, "alianças", etc., possibilitaram a distribuição de concessões mais largamente aos trabalhadores afetados. Além do mais, o papel do Estado estava a mudar como Lênin tinha consciência. "Lloyd Georgism" (que discutiu de forma clara em Imperialismo e a Divisão) tinha intenção de "assegurar donativos bastante substanciais aos trabalhadores obedientes na forma de reformas sociais (segurança, etc.). "É evidente que tais reformas iriam beneficiar os trabalhadores "não aristocratas" relativamente mais do que os "aristocratas" já confortavelmente instalados.

Por fim, a teoria de Lênin sobre o imperialismo afirma que a "mão cheia das nações mais ricas e privilegiadas" se tornaram em "parasitas no corpo do resto da humanidade", i.e., em exploradores coletivos e sugere uma divisão do mundo em nações "exploradoras" e "proletárias". Podiam os benefícios de uma tal exploração coletiva ficar inteiramente confinados em uma camada privilegiada do proletariado metropolitano? Lênin estava bem consciente que o proletariado romano original era uma classe coletivamente parasita. Ao escrever sobre o Congresso da Internacional de Stuttgart em 1907, observava:

A classe dos que não têm nada mas que também não trabalham é incapaz de derrubar os exploradores. Só a classe proletária que mantém toda a sociedade tem o poder de fazer com sucesso uma revolução social. E agora vemos que em resultado de uma política colonial de grande impacto o proletariado europeu atingiu em parte uma situação em que não é o seu trabalho que mantém a sociedade no seu todo mas sim o trabalho dos povos das colônias que estão praticamente escravizados... Em certos países estas circunstâncias criam a base material e econômica para infectar o proletariado de um país ou de outro com chauvinismo colonial. Claro que isto pode talvez ser apenas um fenômeno temporário, mas no entanto tem claramente de se reconhecer o mal e perceber as suas causas...

"Marx frequentemente fazia referência a um ditado significativo de Sismondi que os proletários do mundo antigo viviam à custa da sociedade enquanto a sociedade moderna vive à custa do proletário" (1907). Nove anos mais tarde, no contexto de uma discussão posterior, Imperialismo e a Divisão ainda refere que "o proletariado romano vivia à custa da sociedade."

A análise de Lênin sobre as raízes sociais do reformismo é frequentemente apresentada como se se tratasse apenas da formação de uma aristocracia do trabalho. Claro que é inegável que Lênin enfatizava este aspecto da sua análise muito mais do que qualquer outro e por uma questão de argumentação política quase excluindo qualquer outro. É também claro que hesitava em dar seguimento a outras partes da sua análise que pareciam não terem que ver com a perspetiva política que ele naquela altura estava de forma esmagadora preocupado em apresentar. Contudo, uma leitura profunda dos seus escritos mostra que ele considerava mesmo outros aspetos do problema e que estava consciente de algumas das dificuldades de uma abordagem excessivamente unilateral da "aristocracia do trabalho." Hoje, quando é possível separar aquilo que é de relevância permanente na argumentação de Lênin daquilo que reflete os limites da sua informação ou as exigências de uma situação política específica, estamos em posição de ver os seus escritos numa perspetiva histórica.

Se tentarmos julgar o seu trabalho sobre "aristocracia do trabalho" em tal perspetiva podemos bem concluir que os seus escritos de 1914-1916 são de alguma forma menos satisfatórios do que a profunda linha de pensamento que desenvolveu de forma consistente em O que Fazer? até Esboço de Teses Preliminares sobre a Questão Agrária de 1920. Com efeito, embora grande parte da análise de uma "aristocracia do trabalho" fosse aplicável ao período do imperialismo, o seu modelo clássico do século XIX inglês que formou a base do pensamento de Lênin sobre o assunto, estava a deixar de fornecer um guia adequado ao reformismo de, pelo menos, o movimento operário britânico por volta de 1914, embora como camada da classe trabalhadora estivesse provavelmente no seu auge em finais do século XIX princípios do século XX.

Por outro lado, a argumentação mais geral sobre os perigos da "espontaneidade" e do economicismo "egoísta" no movimento sindical, embora ilustrada pelo exemplo histórico da aristocracia do trabalho britânica de finais do século XIX, conserva toda a sua força. É com efeito uma das contribuições mais fundamentais e brilhantes de Lênin para o marxismo.

O vermelho e o negro

O motor do capitalismo é o lucro. Qual seria o do socialismo?

Seth Ackerman

Jacobin


Tradução / Radicais tem um hábito de falar na condicional. Subjacente a todos seus discursos sobre as mudanças que gostariam de ver no mundo reside um conhecimento desconfortável de que nosso sistema social impõe rígidos limites em relação à quantidade de mudanças que podem ser feitas no momento. “Depois da revolução...” é o prefácio melancólico e irônico à maioria dos desejos carinhosamente expressados pela esquerda.

Por que, então, os radicais são tão hesitantes em falar sobre como deveria se parecer um sistema alternativo? Uma das mais antigas e influentes objeções a tal discurso vem de Marx, com seu sempre citado escárnio em relação aos “receitas” utópicas para os “caldeirões do futuro”. A moral da citação, supostamente, é que a sociedade futura deve emergir das dinâmicas espontâneas da história, não a partir das imaginações isoladas de algum escriba. Mas não sem uma ironia, uma vez que dois anos depois disso o escriba Marx escreveu sua própria pequena receita na sua Crítica ao Programa de Gotha – a qual envolvia vale-trabalho, armazéns de suprimentos, e uma contabilidade para determinar quanto cada trabalhador deveria receber.

Da forma como aconteceu, os comentários de Marx foram uma réplica à crítica que tinha recebido numa publicação de em um jornal parisiense editado por alguns devotos do filósofo Auguste Comte, criticando Marx por não oferecer nenhuma alternativa concreta ao sistema social que ele condenava. (É por isso que, na citação original, ele pergunta ironicamente se as receitas pela quais os editores esperavam encontrar tratavam-se de receitas “Comtianas”). O alvo de Marx era exatamente essa obsessão de "pintar um futuro".

Um motivo relacionado à essa reticência é o sentimento de que enunciar ideias para o futuro das instituições sociais contribui para um tipo de elitismo tecnocrático que sufoca o ímpeto utópico do povo em movimento. Grandes mudanças sociais nunca acontecem sem que as multidões ganhem inspiração para atos heroicos de entusiasmo, e tentativas pacientes de lidar realisticamente com os problemas materiais do funcionamento da sociedade raramente são inspiradoras. Este questionamento não é de forma alguma trivial; uma das mais antigas falácias da esquerda é a ilusão de que a mudança acontece quando alguém aparece com um brilhante plano de dez etapas e consegue convencer a todos de sua genialidade.

Ainda assim, um projeto radical bem-sucedido deve apelar para todo registro emocional: não apenas aqueles momentos de êxtase quando a história se revela e tudo parece ser possível, mas também aqueles nos quais os humores tornam-se pensativos e críticos, quando até o mais inveterado dos otimistas se deixa tomar pela dúvida e pela reflexão. Mesmo uma luta tão épica e apaixonada como o movimento pelas oito horas diárias – o qual “parecia ser uma das utopias mais marcantes do socialismo revolucionário” na época, como lembrou Elie Halévy – era, no fim das contas, sobre uma medida burocrática, imposta pela legislação e pelos inspetores de fábrica.

Talvez o motivo mais fundamental pelo qual a esquerda tem suspeitado desse tipo de visões seja o fato de que elas sempre são apresentadas como um ‘fim da linha’ histórico – e um ‘fim da linha’ é sempre desapontador. A noção de que a história vai alcançar um ponto final onde o conflito social vai desaparecer e a política chega a um fim tem sido uma fantasia equivocada para a esquerda desde sua gênese. Cenários futuros nunca devem ser pensados como finais, ou mesmo irreversíveis; mais do que considerá-los esquemas para algum destino futuro, seria melhor simplesmente vê-los como mapas indicando possíveis rotas para sair de um labirinto. Uma vez deixado o labirinto, cabe a nós decidir o que fazer em seguida.

Neste ensaio, começarei com a premissa socialista comum de que as deficiências centrais do capitalismo surgem do conflito entre a busca privada pelo lucro de um lado e, a satisfação das necessidades humanas, de outro. Depois, esboçarei algumas das considerações que deveriam ser consideradas em qualquer tentativa de remediar essas deficiências.

Não estou preocupado aqui em alcançar uma harmonia total final entre os interesses particulares e os interesses gerais, ou em expurgar a humanidade de qualquer conflito ou egoísmo. Estou em busca do passo mais curto possível, desta sociedade que temos agora para uma nova sociedade na qual a propriedade mais produtiva seja de propriedade comum – não para radicalizar a mudança, mas simplesmente para mudar.

Não há nada de errado em pensar concreta e praticamente sobre como podemos nos libertar das instituições sociais que impõem tais limites sobre qual o tipo de sociedade somos capazes de ter. Porque podemos ter certeza de uma coisa: ou o sistema atual será substituído ou durará para sempre.

Os radicais respondem ao fim do “socialismo realmente existente” principalmente de duas formas. A maioria deixou completamente de falar sobre um mundo após o capitalismo, recuando para um política modesta de reformismo fragmentário, ou localismo, ou crescimento pessoal.

A outra resposta é exatamente o oposto – uma fuga para uma visão mais pura e intransigente da reconstrução social. Em certos círculos radicais, esse impulso desembocou ultimamente num apelo para um mundo sem estados ou mercados, e assim sem dinheiro, salários, ou preços: um sistema no qual os bens poderão ser livremente produzidos e consumidos, onde a economia poderá ser totalmente governada pela máxima “de cada qual de acordo com suas capacidades, a cada qual de acordo com suas necessidades”.

Toda vez que tais ideias são consideradas, imediatamente o debate parece se focar nas grandes questões filosóficas sobre a natureza humana. Os céticos zombam porque as pessoas são egoístas demais para tal sistema funcionar. Os otimistas argumentam que os humanos são uma espécie naturalmente cooperativa. Evidências estão presentes em ambos os lados dessa argumentação. Mas é melhor deixar tal debate de lado. É mais seguro admitir que os humanos apresentam uma mistura de cooperação e egoísmo, em proporções que mudam de acordo com as circunstâncias.

A sublime visão de um mundo sem estados ou mercados encara obstáculos que não são morais, mas técnicos, e é importante compreender exatamente quais são eles.

Temos que assumir que não queremos regredir a um nível nitidamente inferior de desenvolvimento econômico no futuro; devemos querer experimentar pelo menos os mesmos confortos materiais que temos sob o capitalismo. Em um nível qualitativo, é claro, muitas coisas devem mudar para que a produção satisfaça de melhor maneira as necessidades humanas e ecológicas. Mas não queremos testemunhar um declínio geral de nossa capacidade produtiva.

Mas a forma de produção que somos capazes atualmente requer uma maciça e complexa divisão do trabalho. Isso nos coloca um problema complicado. Para compreender de maneira concreta o que isso significa, pense de que forma os americanos viviam na época da Revolução Americana, quando o cidadão comum trabalhava numa pequena e relativamente isolada fazenda familiar. Tais famílias, em grande parte, produziam o que consumiam e consumiam o que produziam. Caso se deparassem com um modesto excedente agrícola, podiam vendê-lo para outra família das redondezas, e com o dinheiro que ganhassem podiam adquirir alguns luxos. Para a maioria, porém, não havia a necessidade de se apoiar no trabalho de outros para conseguir as coisas das quais precisavam para viver.

Compare essa situação com a nossa. Não apenas dependemos dos outros para conseguir nossos bens, mas o já elevado número de pessoas de quem dependemos tem aumentado em grandes proporções.

Olhe para a sala onde está sentado e pense nas coisas que você tem. Agora tente pensar em quantas pessoas estão diretamente envolvidas na produção dessas coisas. O computador no qual estou digitando, por exemplo, tem um monitor, um gabinete, um player de DVD, e um microprocessador. Cada parte foi feita em um fábrica separada, provavelmente em países diferentes, por várias companhias que empregam centenas ou milhares de trabalhadores. E então pense no plástico, borracha e metal brutos que são utilizados em cada um desses componentes, e em todas as pessoas envolvidas na sua extração. Adicione a indústria energética que alimenta as fábricas, os navios, e os caminhões que levam os computadores até seu destino. Não é difícil imaginar milhões de pessoas participando na produção de apenas alguns itens da minha escrivaninha. E imagine as milhões de tarefas envolvidas, cada uma realizada por um indivíduo com um pequeno rotina de atividades distintas.

Como cada um sabe o que fazer? Bom, é claro que a maioria dessas pessoas são empregados e seus chefes falam o que eles devem fazer. Mas como esses chefes sabem o quanto de plástico eles devem produzir? E como eles sabem mandar o plástico mais fraco para a fábrica de computadores, mesmo que tenham sido capazes de produzir um material mais resistente e de alta qualidade reservado para os produtores de equipamentos hospitalares? E como esses industriais julgam se vale mais a pena gastar mais recursos produzindo computadores com belos monitores LCD, do que serem mais econômicos e produzir os simples e antigos monitores de tubo?

O número total desses dilemas é praticamente infinito em uma moderna economia com milhões de produtos diferentes e bilhões de trabalhadores e consumidores. E todos devem ser resolvidos de forma globalmente consistente, pois em cada momento existem tantos trabalhadores e máquinas envolvidos, que produzir mais de alguma coisa significa fazer menos de outra. Os recursos podem ser combinados em um número praticamente infinito de permutações possíveis; algumas podem satisfazer as necessidades e desejos materiais da sociedade muito bem, enquanto outras podem ser desastrosas, envolvendo enormes quantias de produtos não desejados e muitas coisas desejáveis acabam não sendo feitas. Teoricamente, qualquer grau de sucesso é possível.

Esse é o problema do cálculo econômico. Em uma economia de mercado os preços desempenham essa função. E a razão pela qual os preços podem fazer isso é porque eles carregam informações sistemáticas sobre o quanto uma pessoa está disposta a abrir mão para conseguir uma coisa, dentro de um conjunto de circunstâncias. Apenas exigindo que as pessoas desistam de alguma coisa para ter acesso à outra, em certa medida, pode-se gerar uma informação quantitativa que mostra, em termos relativos, como as pessoas valorizam tais coisas. E apenas por conhecer o quanto de valor relativo as pessoas dão para milhões de diferentes coisas, os produtores participantes dessa vasta rede podem tomar decisões racionais sobre quais serão suas pequenas contribuições neste sistema global.

Nada disso significa que esse cálculo pode ser feito apenas a partir dos preços, ou de que os preços gerados em um mercado são de alguma forma ideais ou ótimos. Mas não existe outra forma de um sistema descentralizado poder continuamente gerar e transmitir tamanha informação quantitativa sem, de alguma forma, o uso dos preços. Não precisamos, é claro, ter um sistema descentralizado. Podemos ter uma economia centralmente planejada, na qual todas ou a maioria das decisões sobre a produtividade da sociedade serão delegadas a planejadores profissionais e seus computadores. A tarefa deles seria extremamente complexa e, seu desempenho, incerto. Mas pelo menos tal sistema poderia fornecer algum método para o cálculo econômico: os planejadores tentariam aglomerar dentro de seus departamentos toda a informação necessária e então descobrir o que cada um deve fazer.

Então alguma coisa precisa realizar a função do cálculo econômico que os preços desempenham em uma economia de mercado e os planejadores em uma economia planejada. Sendo assim, foi feita uma tentativa de dizer exatamente o que seria preciso para o cálculo econômico em um mundo sem estados e mercados. O ativista anarquista Michael Albert e o economista Robin Hahnel conceberam um sistema que chamaram de Economia Participatória na qual cada decisão livremente tomada por algum indivíduo, sobre produção e consumo, poderia ser coordenada por meio de um vasto planejamento societário através de um processo “participatório” sem nenhuma burocracia centralizada.

A Parecon (Participatory Economics), como é chamada, é um exercício interessante por conta de seus propósitos, uma vez que trabalha rigorosamente com o que precisaria existir para que tal economia “anarquista” funcionasse. E a resposta, resumidamente, é a seguinte: No início de cada ano, cada um deve escrever uma lista constando cada item que ele ou ela deseja consumir no decorrer do ano, junto com a quantidade de cada item. Ao escrever essas listas, todos consultam uma relação improvisada de preços de cada produto no mercado (não se esqueça de que na Amazon.com existem mais de dois milhões de itens listados apenas na categoria “Cozinha e culinária”), e o valor total da lista de desejos da pessoa não pode exceder seu “orçamento” pessoal, que é determinado por quanto ele, ou ela, prometem trabalhar durante o ano.

Uma vez que os preços iniciais eram apenas estimativas improvisadas, uma rede de conselhos ‘diretamente democráticos’ deve inserir no computador todas as listas de consumo e compromissos de trabalho, de modo a gerar um conjunto aperfeiçoado de preços que resultará em níveis planejados de produção e consumo (oferta e demanda) próximos ao equilíbrio. Depois, então, tal lista aperfeiçoada é publicada, o que dá início a uma segunda “iteração” do processo: agora todos devem reescrever novamente suas listas de consumo e compromissos de trabalho, de acordo com os novos preços. Todo o procedimento é repetido várias vezes até oferta e demanda estarem finalmente equilibradas. Eventualmente, todos votam para escolher entre alguns planos possíveis.

Em seus discursos e escritos, Albert e Hahnel narram esse interessante processo para mostrar o quão atrativo e plausível seu sistema pode ser. Mas, para muitas pessoas – dentre as quais me incluo – o efeito é exatamente oposto. Ao contrário de uma demonstração precisa de como poderia ser o cálculo econômico na ausência de mercados ou estados tal descrição indica que, se não impossível em teoria, seu funcionamento fica, pelo menos, impossível de imaginar. E a Parecon é, em si mesma, uma concessão ao ponto de vista purista, uma vez que viola o princípio “de cada qual de acordo com sua capacidade, a cada qual de acordo com sua necessidade” – não seria permitido que o consumo individual requisitado excedesse seu compromisso de trabalho. Mas sem essa estipulação, é claro, os planos não avançariam de forma alguma.

A questão não é que uma economia de larga escala sem estado e sem mercado “não funcionaria”. Na ausência de algum mecanismo coordenador, como o de Albert e Hahnel, ela sequer existiria. Portanto, o problema do cálculo econômico é algo que temos que levar muito a sério se queremos contemplar algo melhor do que o status quo.

Mas e sobre a outra alternativa? Por que não uma economia centralmente planejada onde a função do cálculo econômico fica por conta dos experts acumuladores de informação – democraticamente responsáveis, esperamos. Temos, na verdade, exemplos históricos desse tipo de sistema, apensar de estarem, é claro, longe de serem democráticos. Economias centralmente planejadas alcançaram algumas realizações: quando o comunismo chegou ao países pobres e rurais, como a Bulgária ou Romênia, eles foram capazes de se industrializar rapidamente, eliminar o analfabetismo, elevar os níveis educacionais, modernizar as relações de gênero, e eventualmente garantir que a maioria da população tenham habitações básicas e assistência médica. Esse sistema também pode aumentar a produção per capita bastante rápido, para se dizer, do nível de um atual Laos para uma atual Bósnia; ou do nível do Yemen ao do Egito.

Mas, para além dessas conquistas, o sistema enfrentou problemas. Aqui, uma nota introdutória se faz necessária: Uma vez que a direita neoliberal tem o hábito de medir o sucesso de uma sociedade por meio da abundância de seus bens de consumo, a esquerda radical tem a tendência a adotar uma postura na qual nega que esse tipo de coisa tenha alguma relevância política. Isso é um erro. O problema com as prateleiras do supermercado cheias é de que elas não são o bastante – não que sejam indesejadas ou triviais. Os cidadãos dos países comunistas encaravam a escassez, a baixa qualidade e a uniformidade das mercadorias não como meros inconvenientes, mas como violações de seus direitos básicos. Como um antropólogo da Hungria Comunista escreveu, “mercadorias de uma produção estatal-socialista... passaram a ser vistas como evidencias da falência da modernidade estatal-socialista e, mais do que isso, da negligencia do regime e até do tratamento ‘inumano’ de seus cidadãos”.

O desleixo com a oferta de suprimentos, na verdade, era popularmente sentido como uma traição da própria missão humanista do socialismo. Um historiador da Alemanha Oriental cita as petições que os consumidores comuns enviavam ao estado: “Realmente não está no espírito do ser humano, enquanto o centro da sociedade socialista, quando tenho que economizar por anos para comprar um Trabant e então não poder usar meu carro por mais de um ano porque faltam peças de reposição no mercado!”, desabafou. Outro escreveu: “Quando leio na imprensa socialista ‘máxima satisfação para os anseios do povo e assim por diante’ e... ‘tudo em benefício do povo’, chego a me sentir enjoado”. Em diferentes países e linguagens através da Europa, cidadãos usaram praticamente as mesmas expressões para evocar a imagem das mercadorias de baixa qualidade que eram “empurradas” para eles.

Dentre os itens que várias vezes estiveram indisponíveis na Hungria por conta do mau planejamento estavam “o utensílio de cozinha usado para fazer o macarrão húngaro”, “tampas de ralo que se encaixavam nas tubulações em estoque; e a caixa de metal necessária para a fiação elétrica nos novos prédios de apartamentos”. Como foi observado por um editorial de jornal na década de 60, essas coisas “não parecem ter importância até o momento em que alguém precisa delas, e de repente elas se tornam muito importantes!”.

E em um nível geral, as melhores estimativas mostram os países comunistas constantemente desabando por detrás da Europa Ocidental: a renda per capita da Alemanha Oriental, que era ligeiramente superior que a das regiões da Alemanha Ocidental antes da Segunda Guerra Mundial, nunca conseguiu se recuperar em termos relativos no pós-guerra e continuamente perdeu fôlego de 1960 em diante. No fim dos anos 80 ela representava menos do que 40% do nível de desenvolvimento da Alemanha Ocidental.

Diferentemente de uma economia imaginária sem estados ou mercados, as economias comunistas tinhamum mecanismo de cálculo econômico. Ele apenas não funcionou como se esperava. Qual foi o problema?

Para a maioria dos economistas ocidentais, a resposta é simples: o mecanismo era muito desajeitado. Nesta narrativa, o problema tem a ver com a “mão invisível”, a expressão que Adam Smith usou apenas de passagem, mas que comandou os escritores posteriores à reinterpretação do papel dos preços, oferta, e demanda na distribuição dos recursos. Smith tinha originalmente invocado o sistema de preços para explicar porque as economias de mercado exibiam uma aparente ordem, ao invés do caos – porque, por exemplo, qualquer mercadoria desejada poderia geralmente ser encontrada à venda, mesmo que nenhuma autoridade central tenha vislumbrado a necessidade dela ser produzida.

Mas no fim do Século XIX, as ideias de Smith foram formalizadas pelos fundadores da economia neoclássica, uma tradição cujas ambições explicativas eram muito maiores. Eles escreveram equações representando compradores e vendedores como vetores de oferta e demanda: quando a oferta excedia a demanda em algum mercado específico, o preço caía; quando a demanda excedia a oferta, ele subia. E quando oferta e demanda se igualavam, o mercado em questão era considerado em “equilíbrio” e os preços eram considerados “preços equilibrados”.

Para a economia como um todo, com seus incontáveis e interligados mercados, as coisas não eram bem assim até 1954 quando os futuros vencedores do Prêmio, Nobel Kenneth Arrow e Gérard Debreu, desenvolveram o que então foi celebrada como a memorável descoberta da teoria do “equilíbrio geral” – um achado que, nas palavras de James Tobin, “repousa exatamente sobre o núcleo da base científica da teoria econômica”. Eles provaram matematicamente que, sob certas premissas específicas, livres mercados eram capazes de gerar um conjunto de potenciais preços equilibrados que poderiam balancear oferta e demanda em todos os mercados simultaneamente – e a alocação resultante de recursos seria, em um termo importante, “ótima”: ninguém poderia fazer melhor sem piorar alguma coisa para alguém.

A moral que pode ser extraída dessa descoberta era de que os preços não eram simples ferramentas de mercado que as economias usavam para criar certo grau de ordem e racionalidade. Em vez disso, os preços que eram gerados pelos mercados – se tais mercados fossem livres e desimpedidos – eram ótimos, e resultavam numa alocação de recursos de eficiência maximizada. Se os sistemas comunistas não estavam funcionando, então, era porque o estranho e falível mecanismo de planejamento não podia alcançar essa solução otimizada.

Essa narrativa repercutiu nos instintos mais profundos da profissão econômica. As historinhas dos manuais de economia explicando porque o salário mínimo ou o controle sobre a renda acabam por tornar as coisas piores para todos são destinadas a mostrar que a oferta e a demanda ditam os preços a partir de uma lógica superior, desafiada pelos mortais por sua própria conta e risco. Essas histórias são análises de “equilíbrio parcial” – elas apenas mostram o que acontece em um mercado particular, artificialmente separado daqueles outros mercados que o cercam. O que Arrow e Debreu forneceram, acreditavam os economistas, era uma prova de que essa lógica se estende para a economia como um todo, com todos seus mercados interligados: uma teoria do equilíbrio geral. Em outras palavras, era uma prova de que no fim, os preços do livre mercado orientarão o conjunto da economia para seu ponto ótimo.

Assim, quando os economistas ocidentais desembarcaram no antigo bloco soviético após 1989 para ajudar na transição pós-socialista, seu principal mantra, repetido à exaustão, era “Corrijam os preços”.

Mas um grande volume de evidencias contrárias foi acumulada nesse meio tempo. Na época do colapso soviético, o economista Peter Murrell publicou um artigo no Journal of Economic Perspectives analisando os estudos empíricos sobre a eficiência nas economias planificadas soviéticas. Tais estudos falharam consistentemente em dar apoio à análise neoclássica: praticamente todos descobriram que, pelo padrão neoclássico de mensuração de eficiência, as economias planificadas se saíram tão bem ou ainda melhor que as economias de mercado.

Murrell implorou que seus leitores deixassem seus preconceitos de lado:

A uniformidade e o conteúdo dos resultados irão surpreender muitos leitores. Eu estava, e estou, surpreso com a natureza destes resultados. Dado sua inconsistência com as doutrinas em questão, existe uma tendência de descartá-los sob motivos metodológicos. Entretanto, tal descarte se torna cada vez mais difícil quando encaramos um acúmulo de resultados consistentes de uma variedade de fontes.

Primeiro ele reavaliou dezoito estudos sobre eficiência técnica: o grau de produção de uma empresa a partir de seu nível máximo de tecnologia. Casando estudos sobre empresas centralmente planejadas com estudos sobre empresas capitalistas, e a partir da mesma metodologia, ele comparou os resultados. Um artigo, por exemplo, apontava um nível de 90% de eficiência em empresas capitalistas; outro, usando o mesmo método, encontrou um nível de 93% em empresas soviéticas. Os resultados continuaram da mesma forma: 84% versus 86%, 87% versus 95%, e assim por diante.

Então Murrell examinou os estudos sobre eficiência alocativa: o grau em que investimentos são alocados entre as firmas de modo a maximizar a produção total. Um artigo descobriu que uma realocação totalmente otimizada dos investimentos poderia aumentar a produção soviética total apenas em 3% ou 4%. Outro descobriu que aumentando a eficiência soviética até o padrão dos EUA o resultado seria um incremento máximo de 2% da produção total. Um terceiro estudo produziu uma série de estimativas em torno de 1,5%. O maior número encontrado em qualquer estudo sobre a economia soviética foi 10%. Como Murrell notou, tais resultado dificilmente corroborariam “o encorajamento para a derrubada de todo um sistema socioeconômico”. (Murrell não foi o único economista a noticiar essa anomalia: um artigo intitulado “Por que a economia soviética é tão eficiente alocativamente?” apareceu na publicação Soviet Studies mais ou menos no mesmo período.)

Dois microeconomistas alemães testaram a hipótese “amplamente aceita” de que “os preços em uma economia planificada são conjuntos de razões de troca arbitrários sem nenhuma relação com a escassez relativa ou valorações econômicas, [ao passo que] os preços dos mercados capitalistas estão próximos aos níveis de equilíbrio”. Eles empregaram uma técnica que analisa a distribuição dos investimentos de uma economia entre as indústrias a fim de mensurar o quão esse padrão foge do que seria esperado em uma economia com os preços neoclássicos perfeitamente otimizados. Examinando dados das Alemanhas Oriental e Ocidental de 1987, eles chegaram a um “resultado espantoso”: a divergência era de 16,1% na Ocidental e 16,5% na Oriental, uma diferença banal. A diferença em favor do Ocidente, escreveram, era maior nos setores da manufatura, onde deveria existir algo como condições competitivas. Mas na maior parte da economia da Alemanha Ocidental – que então vinha sendo mundialmente celebrada como Modell Deutschland – monopólios, taxas, subsídios e tudo mais, deixaram, na verdade, sua estrutura de preços tão distantes da “eficiência” ótima quanto estava o moribundo sistema comunista atrás do Muro de Berlim.

O modelo neoclássico também foi desmistificado pelos numerosos experimentos que falharam com versões mais mercantilizadas do socialismo no Leste Europeu. A partir de meados da década de 1950, intelectuais e economistas reformistas da região pressionaram a introdução de mecanismos de mercado a fim de racionalizar a produção. Reformas foram tentadas em países com vários graus de seriedade, incluindo a abortiva Primavera de Praga. Mas o país que foi mais longe nessas experiências foi a Hungria, que inaugurou seus “novos mecanismos econômicos” em 1968. As empresas ainda eram controladas pelo estado, mas era esperado que elas comprassem e vendessem no mercado aberto e maximizassem seus lucros. Os resultados foram desapontadores. Ainda que nos anos 1970 a fraca economia de consumo húngara tenha sido apelidada pelos correspondentes internacionais de “os quartéis mais felizes do bloco soviético”, seu deprimente crescimento de produtividade não deslanchou e a escassez permaneceu sendo comum.

Se todos esses fatos e descobertas representam um motivo para duvidar da narrativa neoclássica, existe outro motivo ainda mais fundamental: os economistas descobriram buracos em sua própria teoria. Nos anos seguintes à elaboração por Arrow e Debreu de sua famosa prova de que livres mercados sob as condições certas poderiam gerar preços ótimos, teóricos (incluindo o próprio Debreu) revelaram algumas características preocupantes do modelo. Descobriu-se que tais economias hipotéticas geravam múltiplos esquemas de preços equilibrados possíveis, e não havia nenhum mecanismo que poderia garantir que uma economia que se assentasse sobre determinado esquema não passasse por longos ou infinitos caóticos ciclos de tentativa e erro. Ou pior, os resultados dos modelos não podiam suportar muito relaxamento em relação a seus pressupostos iniciais, nitidamente irrealistas; por exemplo, sem os mercados perfeitamente competitivos – que são virtualmente inexistentes no mundo real – não havia motivo para se esperar equilíbrio algum.

Mesmo o refrão liberal de que as intervenções do governo se justificam pelas “falhas no mercado” – anomalias específicas oriundas dos pressupostos presentes no modelo Arrow-Debreu – perdeu o compasso por conta de outra descoberta nos anos 1950: a “teoria geral do segundo melhor”. Introduzido por Richard Lipsey e Kelvin Lancaster, o teorema prova que mesmo se forem aceitos os pressupostos idealizados do modelo padrão, tentativas de corrigir as “falhas do mercado” e as “distorções” (como tarifas, controle de preços, monopólios ou fatores externos) provavelmente tornariam as coisas piores do que melhores, enquanto todas as outras falhas de mercado permanecem sem correção – que sempre será o caso em um mundo de endêmica competição imperfeita e informação limitada.

Numa ampla revisão da “falência da teoria do equilíbrio geral”, o economista Frank Ackerman [1] concluiu:

A história sobre Adam Smith, a mão invisível, e os méritos dos mercados, impregnam os livros-texto introdutórios, o ensino nas salas de aula, e o discurso político contemporâneo. O fundamento intelectual dessa história repousa no equilíbrio geral... Se o fundamento da história econômica preferida de todos está sabidamente doentio... então os economistas devem alguma explicação ao mundo.

A questão é: se uma história determinística sobre livres mercados gerando preços ótimos, levando a uma maximização dos resultados, não é mais viável, então a falência das economias planificadas dificilmente pode ser atribuída a esses fatores. À medida que os sistemas comunistas entravam em colapso no Leste Europeu, os economistas que haviam perdido a fé na narrativa neoclássica começaram a argumentar que uma explicação alternativa era necessária. O principal teórico desse grupo foi Joseph Stiglitz, que ficou famoso por seu trabalho sobre a economia da informação. Seus argumentos se articularam com outros dissidentes da abordagem neoclássica, como o eminente professor de economias planificadas húngaro, János Kornai, e economistas evolucionários como Peter Murrell.

Todos eles indicam certo número de características, amplamente ignoradas pela escola neoclássica, que se encaixam melhor à capacidade das economias de mercado para evitar os problemas que assolam os sistemas centralmente planejados. Os aspectos por eles enfatizados diferem entre si, mas todos tendem a surgir de um fato bastante simples: nos sistemas de mercado, as empresas são autônomas.

Isso significa que dentro dos limites da lei; uma empresa pode entrar no mercado, escolher seus produtos e métodos de produção, interagir com outras empresas e indivíduos, e deve fechar se não conseguir se manter com recursos próprios. Como um manual de economia planificada indica, em sistemas de mercado o pressuposto é “que uma atividade pode ser exercida a menos que seja expressamente proibida”, ao passo que nos sistemas planificados “o pressuposto corrente na maioria das esferas da vida econômica é de que uma atividade não deve ser exercida a menos que uma permissão da autoridade competente tenha sido obtida”. A fixação neoclássica com a garantia de que as empresas exerçam sua autonomia em um ambiente de laissez-faire – que as restrições às trocas voluntárias sejam minimizadas ou eliminadas – fica basicamente fora de questão.

Assim, a livre entrada e as múltiplas fontes autônomas de capital significam que qualquer um com novas ideias de produção pode buscar recursos para pôr em prática suas propostas sem encarar nenhum veto por parte do aparato planejador. Como resultado, elas têm uma chance muito maior de obter recursos para testar suas ideias. Isso provavelmente leva a um maior desperdício, inerente aos experimentos que falham – mas também a uma grande ampliação do aperfeiçoamento dos produtos e processos, e um aumento constante do desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico.

A autonomia empresarial para escolher os produtos e métodos de produção significa que eles podem se comunicar diretamente com seus consumidores e adequar seus resultados às suas necessidades – e com o livre acesso, os consumidores podem escolher entre a mercadoria de diferentes produtores: nenhuma agência é necessária para dizer o que precisa ser produzido. Para ilustrar a relativa eficiência informacional desse tipo de sistema, Stiglitz citou um contrato do Departamento de Defesa para a produção de camisetas brancas lisas: na proposta de licitação, a descrição física das camisetas desejadas se entendeu por trinta páginas. Em outras palavras, uma agencia centralizada jamais poderia estudar e depois especificar cada característica desejada de cada produto.

Enquanto isso, economistas do Leste Europeu perceberam que uma precondição essencial para as empresas serem verdadeiramente autônomas era a existência de um mercado de capital – e isso ajudava a explicar o insucesso das reformas orientadas pelo mercado na Hungria. Na busca de uma explicação para a persistência da escassez sob o novo sistema de mercado, o economista húngaro János Kornai tinha identificado um fenômeno que ele chamou de “leve restrição orçamentária” – uma situação na qual o estado continuamente transfere recursos para empresas deficitárias a fim de evitar sua falência. Tal fenômeno, argumentou, era o que estava por trás do problema da escassez na Hungria: na esperança de sempre serem salvas, as empresas operavam praticamente sem restrições orçamentárias, e assim praticavam ilimitadas demandas por bens materiais e de capital, causando crônicos gargalos produtivos.

Mas por que o estado continuava resgatando essas empresas com problemas? Não era, a princípio, porque as autoridades húngaras se opunham à quebra das empresas. Na verdade, quando as quebras aconteciam, a liderança comunista as tratavam como assuntos públicos, para demonstrar seu comprometimento com um sistema econômico racional.

A resposta definitiva era a ausência de um mercado de capital. Em uma economia de mercado, uma empresa com problemas pode vender parte de suas operações para outra firma. Ou poderia captar capital de credores ou investidores, se pudesse convencê-los do potencial para melhorar seu desempenho. Mas na ausência de um mercado de capital, as únicas opções práticas eram a bancarrota ou o salvamento por meio de bailouts. Constantes bailouts eram o preço que a autoridade húngara era forçada a pagar para evitar altas e dispendiosas taxas de falências empresariais. Resumindo, mercados de capital proporcionam um modo racional de lidar com a turbulência causada pelas duras restrições orçamentárias nos sistemas de mercado: quando uma firma precisa gastar mais do que arrecada, ela pode apelar para empréstimos ou investidores. Sem um mercado de capital, essas opções ficam excluídas.

À medida que a resistência ao comunismo crescia, aqueles no Leste Europeu que queriam evitar o retorno do capitalismo aprenderam boas lições. Em 1989, os dissidentes economistas reformistas poloneses Wlodzmierz Brus e Kazimierz Laski – ambos socialistas convictos e discípulos do renomado marxista-keynesiano Michal Kalecki – publicaram um livro examinando as previsões para a reforma do Leste Europeu. Os dois tinham sido influentes defensores das reformas democráticas e dos mecanismos econômicos socialistas desde os anos 1950.

A conclusão a que chegaram era que para ter um mercado socialista racional, empresas de propriedade pública deveriam ser criadas autonomamente – e isso exigiria um mercado de capital socializado. Os autores deixaram claro que isso deveria levar a um reordenamento fundamental da política econômica dos sistemas do Leste – e, de fato, das tradicionais noções de socialismo. Escrevendo às vésperas das agitações que derrubariam o comunismo, eles expuseram sua visão: “o papel da propriedade estatal deveria estar separado do estado enquanto autoridade investida da administração.... Empresas... têm que se afastar não apenas do estado em sua função mais ampla, mas também uma das outras”.

A noção esboçada por Brus e Laski era inovadora: uma constelação de empresas autônomas, financiadas por uma multiplicidade de bancos ou fundos de investimento autônomos, todas competindo e interagindo em um mercado – ainda que todas de propriedade pública.

Tudo isso serve de subsidio para se levantar a questão crítica sobre o lucro.

Existem dois modos para se pensar sobre a função dos lucros no capitalismo. Na concepção marxista, a busca incansável dos capitalistas por lucro dá ritmo e forma ao crescimento econômico, fazendo dele o definitivo “motor do sistema” – mas é tido como um motor errático e arbitrário, que deveria ser substituído por algo mais racional e humano. Na corrente econômica dominante, por outro lado, os lucros são entendidos simplesmente como um sinal benigno, transmitindo informações para as empresas e empreendedores sobre como satisfazer as necessidades da sociedade de maneira mais eficiente.

Cada uma dessas versões contem algo de verdadeiro. Observe a descrição da vertente dominante. Sua lógica é simples e direta: o lucro de uma empresa é o valor de mercado dos produtos que ela vende menos o valor de mercado dos insumos que ela compra. Então a busca pelo lucro leva a empresa a maximizar sua produção das mercadorias socialmente desejadas ao passo que economiza no uso das matérias primas escassas.

Mas essa lógica só se sustenta à medida que o valor de mercado de um item seja, na verdade, uma boa medida de seu valor social. Essa premissa é valida? Os esquerdistas sabem o suficiente para zombar dessa ideia. A história do capitalismo é um compêndio de mercadorias com preços mal estimados. Os capitalistas não são apenas dotados de uma riqueza de truques e manobras para inflacionar o valor de mercado dos produtos que vendem (através da propaganda, por exemplo) e depreciar o valor dos insumos que têm de comprar (trabalho de baixa qualificação, por exemplo). Mas o capitalismo em si produz, sistematicamente, preços para bens cruciais que guardam pouca relação racional com seu valor social marginal: pense nos planos de saúde, recursos naturais, taxas de juros, salários.

Então, se o lucro é um sinal, invariavelmente vem misturado com muito ruído. Mas ainda assim, existe um importante sinal ali. A maioria das mercadorias na economia não são como os planos de saúde ou os recursos naturais; elas são mais banais – como clipes de papel, chapas de metal, ou TVs de tela plana. Os preços relativos dessas mercadorias parecem funcionar como guias razoáveis para seu relativo valor social marginal. Quando eles se referem a esta porção dos insumos e produtos das empresas – digamos, uma companhia siderúrgica que compra ferro e o vende na forma de aço – a busca pelo lucro verdadeiramente faz com que os capitalistas queiram produzir coisas que as pessoas desejam da forma mais eficiente possível. São aqueles bens com valor mal estimados – trabalho, recursos naturais, informação, finanças, risco, e outros – que produzem a irracionalidade do lucro.

Em outras palavras, sob o capitalismo, as empresas podem aumentar seus lucros pela produção eficiente do que as pessoas querem. Mas elas também podem aumentá-los empobrecendo seus trabalhadores, pilhando o meio ambiente, enganando seus consumidores, ou endividando a população.

A resposta padrão para esse dilema é o que podemos chamar de solução social-democrata: deixe que as empresas busquem seus lucros privados, mas use a intervenção estatal para impedir que elas façam isso de forma nociva à sociedade. Banir a poluição, garantir direitos aos trabalhadores, defender o consumidor contra fraudes, combater a especulação. Essa agenda não é nada desprezível. O teórico social Karl Polanyi viu isso como parte do que chamou de um longo “duplo movimento” que está em andamento desde o início da revolução industrial. Polanyi argumenta que o capitalismo liberal sempre teve uma tendência de transformar tudo em mercadoria. Pela necessidade de a produção ser “organizada através de um mecanismo autorregulatório de trocas”, ela demanda que “homem e natureza devam ser trazidos à sua órbita; eles devem se sujeitar à oferta e demanda, isso é, serem tratados como mercadorias, como bens produzidos para serem postos à venda”.

Mas essa tendência mercantilizante sempre produziu seu oposto dialético, um contramovimento a partir da sociedade, buscando a desmercantilização. Assim, o duplo movimento de Polanyi era “a ação de dois princípios organizadores na sociedade, cada um deles impondo a si mesmo objetivos institucionais específicos, tendo o apoio de forças sociais definidas e utilizando distintos métodos próprios”:

Um era o princípio do liberalismo econômico, mirando o estabelecimento de um mercado autorregulatório, contando com o apoio das classes comerciais, e ostensivamente usando como métodos o laissez-faire e o livre mercado; e o outro era o princípio da proteção social, que busca a conservação do homem, da natureza e também da organização produtiva, contando com o apoio daqueles que são afetados de forma mais imediata pela ação deletéria do mercado – primeiramente, mas não de forma exclusiva, as classes trabalhadoras e campesinas – e usando legislação protetiva, associações restritivas, e outros instrumentos de intervenção como métodos.

Depois da Segunda Guerra, a pressão desse contramovimento fez da desmercantilização o motor implícito das políticas domésticas por todo o mundo industrializado. Partidos da classe trabalhadora, fortemente vulneráveis à pressão das camadas inferiores, estiveram no governo por mais de 40% do tempo nas décadas do pós-guerra – comparado com cerca de 10% no entreguerras, e quase nunca antes disso – e o “contágio da esquerda” forçou os partidos de direita a um consentimento defensivo. Educação, saúde, habitação, previdência, lazer, assistência à infância, a própria subsistência, e o mais importante, o trabalho assalariado: essas questões foram gradualmente removidas do âmbito de influência do mercado, transformados de bens que requerem dinheiro, ou artigos que são vendidos e comprados na base da oferta e demanda, em direitos sociais e objetos da decisão democrática.

Isso, pelo menos, era o programa social-democrata máximo – e em certos períodos e lugares no pós-guerra foram conquistas dramáticas.

Mas a solução social-democrata é instável – e é aí que entra a concepção marxista, com sua ênfase na busca do lucro como o motor do sistema capitalista.

Existe uma contradição fundamental entre aceitar que a busca pelo lucro do capitalista seja o motor do sistema, e acreditar que você pode sistematicamente domar e reprimi-la através de políticas públicas e regulações. Na descrição marxista clássica, a contradição é diretamente econômica: políticas que reduzem as taxas de lucro de forma demasiada levarão à queda do investimento e a uma crise econômica. Mas a contradição também pode ser política: os capitalistas sedentos por lucro usarão seu poder social para obstruir as políticas necessárias. Como você pode ter um sistema orientado por indivíduos que maximizam seu fluxo de caixa e ainda esperar sustentar normas, regras, leis e regulações reprimidoras do lucro necessárias para a manutenção do bem-estar coletivo?

O que se precisa é de uma estrutura que permita que empresas autônomas produzam e comercializem mercadorias para o mercado, visando gerar um superávit do resultado sobre a origem – ao passo que tais empresas sejam mantidas públicas e evitando que seu ganho seja apropriado por uma pequena classe de capitalistas. Sob tal tipo de sistema, os trabalhadores podem assumir qualquer grau de controle que desejem sobre a gestão das empresas, e que qualquer “lucro” possa ser socializado – isso é, ele pode verdadeiramente funcionar como um indicador, ao invés de uma força motriz. Mas a precondição de tal sistema é a socialização dos meios de produção – estruturados de forma a preservar a existência de um mercado de capitais. Como tudo isso pode ser feito?

Comece com o básico. O controle privado sobre a infraestrutura produtiva da sociedade é definitivamente um fenômeno financeiro. É pelo financiamento dos meios de produção que os capitalistas exercem seu controle, como uma classe ou indivíduos. O que seria preciso, então, é de uma socialização das finanças – ou seja, um sistema comum e coletivo de financiamento dos meios de produção e de crédito. Mas, o que isso significa na prática?

Pode-se dizer que as pessoas possuem dois tipos de ativos. Ativos “pessoais” incluem casas, carros ou computadores. Mas os ativos financeiros – posses sobre fluxos monetários, como ações, títulos, e fundos mútuos – são o que financiam a infraestrutura produtiva. Suponha que um fundo comum público tenha sido estabelecido, para realizar o que podemos eufemisticamente chamar de “compra compulsória” de todos os ativos financeiros de posses privadas. Ele poderia, por exemplo, “comprar” a participação de alguém em um fundo mútuo à preço de mercado, depositando o pagamento na conta bancária dessa pessoa. No fim desse processo, o fundo comum pode possuir todos os antigos ativos financeiros particulares, ao passo que toda a riqueza dos indivíduos teria sido convertida em depósitos bancários (mas com esses bancos sendo agora de propriedade comum, uma vez que o fundo comum possui todas as cotas de participação).

Ninguém perdeu nenhum valor; eles simplesmente venderam suas ações e títulos. Mas as consequências são de grande alcance. Os meios de produção e os créditos da sociedade constituem agora os ativos de um fundo público, enquanto os saldos dos indivíduos são agora passivos. Em outras palavras, o trabalho de intermediação entre as poupanças dos indivíduos e os ativos produtivos físicos da sociedade que costumava ser feita por bancos capitalistas, fundos mútuos, e assim por diante, foram socializados. O fundo comum pode agora restabelecer um mercado de capital “domado”, de base social, com uma multiplicidade de bancos socializados e fundos de investimento possuindo e alocando capital entre os meios de produção.

O exemplo aqui é que a transformação para um sistema diferente não precisa ser catastrófica. A situação que estou descrevendo, é claro, poderia ser revolucionária – mas ela não precisaria envolver um total colapso da antiga sociedade e a conjuração prometeica de algo completamente irreconhecível.

Ao fim do processo, as empresas não teriam mais donos individuais que buscam maximizar seus lucros. Ao invés disso, elas seriam propriedade da sociedade como um todo, da mesma forma que qualquer excedente (“lucros”) que elas possam gerar. Uma vez que as empresas ainda comprariam e venderiam no mercado, elas continuariam gerando excedentes (ou déficits) que podem ser usados para avaliar sua eficiência. Mas nenhum dono individual embolsaria, de fato, esses excedentes, fazendo que ninguém tenha interesses particulares em perpetuar ou explorar a falsa valorização de mercadorias que é endêmica ao capitalismo. A “solução social-democrata” que anteriormente era uma contradição – frustrando seletivamente a motivação-lucro para manter o bem comum, enquanto sistematicamente dependia dela como mecanismo do sistema – poderia então ser reconciliada.

Para o mesmo fim, os rendimentos das poupanças individuais poderiam ser fixados à determinado limite de renda, e para além desse nível, poderiam simplesmente compensar a inflação. (Ou o excedente social poderia ser dividido igualmente entre todos e ser simplesmente pago na forma de um dividendo social.) Isso poderia significar não exatamente a eutanásia do rentista, mas do “interesse” rentista na sociedade. E, ao passo que os indivíduos ainda poderiam ser livres para começar um negócio, e uma vez que suas empresas alcançassem certo tamanho, idade e importância, eles poderiam “virar públicas”: ser vendidas por seus donos num mercado socializado de capital.

O que estou descrevendo, em certo sentido, é o ápice de uma tendência que vem ocorrendo no capitalismo há séculos: a crescente separação entre propriedade e controle. Já em meados do Século XIX, Marx maravilhou-se com a proliferação do que agora chamamos de corporações: “Sociedades anônimas em geral – desenvolvidas a partir do sistema de crédito – fortaleceram a tendência de separar esse trabalho de gerência enquanto função da propriedade do capital, seja ele de posse própria ou emprestado. Da mesma forma como a sociedade burguesa testemunhou a separação das funções de juiz e administrador da posse fundiária, atributos estes da era feudal”. Marx viu grande significado nesse desenvolvimento: “É a abolição do capital como propriedade privada no próprio quadro da produção capitalista.”

Na década de 1930 essa “propriedade privada socializada” se tornou a forma dominante de produção no capitalismo americano, como Adolf Berle e Gardiner Means indicaram em The Modern Corporation and Private Propoerty. O modelo administrativo-corporativo pareceu enfrentar um desafio nos anos 1980 quando os proprietários capitalistas, insatisfeitos com as minguadas taxas de lucro, lançaram uma ofensiva contra o que eles identificaram como frouxos e complacentes gestores corporativos. Essa rixa titânica intra-classe pelo controle das corporações durou mais do que uma década. Mas no fim dos anos 1990, o resultado foi um compromisso auto-interessado dos dois lados: os CEOs mantiveram sua autonomia em relação ao mercado financeiro, mas abraçaram a ideologia da “valorização do acionista”; seus pacotes de ação eram construídos de forma mais sensível ao lucro da empresa e do desempenho no mercado de ações, mas também massivamente inflacionados. Na verdade, nenhum desses tecnicismos resolveu o problema da separação entre propriedade e controle, uma vez que novos esquemas de pagamento nunca chegaram realmente perto de conciliar os interesses pecuniários dos gestores e dos proprietários. Um estudo abrangente sobre a remuneração dos executivos de 1936 até 2005 feito pelo MIT e por economistas do Federal Reserve descobriu que a correlação entre o desempenho das empresas e a remuneração total de seus executivos era insignificante – não apenas na época do gerencialismo da metade do século, mas através de todo o período.

Em outras palavras, o laboratório capitalista vem realizando, por séculos, experimentos para testar se um sistema econômico pode funcionar quando ele rompe o link direto entre os lucros de uma empresa e a remuneração destinada a seus controladores. O experimento foi um sucesso. No capitalismo contemporâneo, com sua radical separação entre propriedade e controle, não faltam exemplos de defeitos e patologias, mas a falta de atenção ao lucro não foi um deles.

Como tais empresas socializadas devem ser governadas? Uma resposta completa para essa questão escapa em muito o escopo de um artigo como este; descrever minuciosamente os estatutos e regimentos de empresas imaginárias é exatamente a espécie de livro de receitas comtista que Marx acertadamente ridicularizou. Mas a questão básica está suficientemente clara: uma vez que essas empresas compram e vendem no mercado, seus desempenhos podem ser racionalmente avaliados. Uma empresa pode ser completamente controlada por seus trabalhadores, caso no qual eles poderiam simplesmente recolher todo seu rendimento, depois de pagar pelo uso do capital [2]. Ou ela pode ser “possuída” por uma entidade no mercado de capital socializado, com uma administração escolhida por essa entidade e um forte sistema de co-determinação por parte dos trabalhadores para contrabalanceá-la no interior da empresa. Esses gestores e “donos” podem ser avaliados pelos retornos relativos que a empresa gera, mas eles não têm nenhum direito de propriedade privada sobre a massa absoluta de lucros [3]. Se as expetativas do desempenho futuro precisem ser de alguma forma “objetivamente” julgadas, isso seria algo que o mercado de capital socializado pode fazer.

Tal programa não constitui uma utopia; ele não proclama o Ano Zero ou trata a sociedade como uma lousa em branco. O que ele tenta é esboçar um mecanismo econômico racional que negue a busca do lucro como prioridade acima das realizações das necessidades humanas. E nem descarta outras mudanças, mais básicas, na forma com os humanos interagem entre si e com o meio ambiente – ao contrário, ele minimiza as barreiras para novas mudanças.

Em tributo à Isaac Deutscher, a historiadora Ellen Meiksins Wood louvou sua “visão equilibrada do socialismo, que reconhece seu compromisso com a emancipação humana sem alimentar as ilusões românticas de que ele poderia curar todas as mazelas humanas, milagrosamente tornando as pessoas ‘livres’, nas palavras de Shelley, ‘da culpa ou sofrimento’”. O socialismo, escreveu Deutscher, não era o “produto final e perfeito da evolução ou o fim da história, mas apenas o começo da história”. Enquanto a esquerda puder conservar essa base elementar de esperança, ela poderá manter em vista um horizonte para além do capitalismo.

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[1] Nenhum parentesco.

[2] A economia das empresas geridas por trabalhadores é um tópico imenso que levanta uma série de questões institucionais complexas que fogem ao escopo deste artigo. (Ver Governing the Firm de Gregory Dow para uma abordagem abrangente do tema.) Mas em relação à política, o importante a ser notado é que com tais empresas não existiria mais o conflito sistêmico entre um capitalista autônomo ou uma classe gerencial e a massa da população. Existem ainda, é claro, interesses setoriais conflitantes. Mas eles existem independente do modelo de propriedade em questão. Além disso, penso que exista uma boa razão para acreditar que a influência de interesses setoriais paroquiais sobre a política é maior quando existe uma classe capitalista autônoma do que quando ela não existe, uma vez que essa classe tem um interesse intrínseco na manutenção da permeabilidade do estado às minorias auto-interessadas em geral.

[3] Não é preciso assumir que os gerentes devem necessariamente obter recompensas pecuniárias para melhorar seu desempenho. Mas usar essa premissa torna possível uma simples exemplificação matemática de como os gestores podem ser avaliados em relação aos lucros relativos, e não absolutos. Suponha que no início de cada ano as autoridades decidam sobre determinada fração da renda nacional para ser utilizada no pagamento de bônus gerenciais ao fim do ano. O número pode variar em cada ano, mas digamos que este ano seja de 3%. Quando o ano acaba, a renda nacional cresce, junto com o lucro total. Se o lucro total alcança 30% da renda nacional, isso significa que os bônus serão de um décimo do total dos lucros (3%/30%) – o que significa que o pacote de bônus para cada gestor da empresa será igual a um décimo dos lucros dessa empresa. Em um sistema como esse, cada gestor pode ter interesse em melhorar o desempenho lucrativo de sua própria empresa; mas ele não poderá ter nenhum motivo racional para subverter ou questionar qualquer lei geral, norma, costume, ou regulação sobre a limitação de lucros assentada no interesse público, assumindo que sejam aplicadas igualmente a todas as empresas. Novamente, o que importa aqui é o conceito: se existe dinheiro ou consagração como recompensa para o bom desempenho, o princípio é o mesmo.

Colaborador

Seth Ackerman é editor executivo da Jacobin.

16 de dezembro de 2012

Análise: Relação entre militares e islamitas é o maior enigma no Egito

Salem H. Nasser

Folha de S.Paulo

Desde que teve início a sequência de revoltas no mundo árabe, há quase dois anos, o Egito tem nos brindado com uma série de enigmas.

Votação de Carta vira referendo sobre presidente do Egito

Alguns dizem respeito ao futuro da sociedade egípcia e da sua organização política, outros ao futuro de seu posicionamento no jogo político regional e mundial.

As respostas passam pela solução, ainda que parcial, de alguns quebra-cabeças sobre o presente, o cenário político egípcio atual e as posições dos vários atores --as divisões que os opõem e as alianças que os unem.

Afinal, como caracterizar os eventos egípcios a cada momento dado? Será uma oposição entre forças remanescentes do regime anterior e forças revolucionárias?

Ou será uma divisão entre islamitas e liberais? Ou uma disputa de poder entre militares e civis, ou entre os militares e a Irmandade Muçulmana? E quais as preferências dos atores externos e como estes exercem influência?

Não se pode perder de vista que cada ator, considerando seus objetivos e tentando atingi-los, operará por vezes flutuações em seu comportamento e em suas alianças.

Assim, por exemplo, liberais e islamitas estavam unidos na tentativa de derrubar o regime de Mubarak e agora estão se enfrentando sobre uma nova Constituição.

De todos os enigmas persistentes nessa revolução egípcia, um dos mais obscuros é aquele que respeita às relações entre as duas forças políticas mais impressionantes daquele país: o establishment militar, herdeiro e centro do poder que comandou o Egito por quatro décadas, além de operador fundamental na economia, e a Irmandade, marginalizada pelas mesmas quatro décadas, mas cuja força se manifestou assim que houve eleições livres.

No momento em que a posse de Mursi como presidente eleito era posta em dúvida e foi finalmente permitida, cada lado fazia uma aposta em que seria capaz de preservar o máximo do próprio poder ao mesmo tempo em que colocaria em xeque o do outro.

Muito cedo, o presidente pareceu demonstrar o bem fundado da aposta da Irmandade ao demitir lideranças eminentes da cúpula militar.

Desde então, no entanto, havia quem dissesse que havia uma articulação, um acordo, entre as duas forças, do qual o fortalecimento da figura do presidente podia ser parte integrante. Ou esse acordo se estaria fazendo com a própria cúpula ou diretamente com o corpo militar, independentemente da vontade da cúpula.

Algumas indicações dessa articulação apareceram em várias ocasiões. A mais recente é a extensão dos poderes de polícia do Exército, concedido pelo presidente em meio à forte divisão que opõe seus partidários àqueles que rejeitam o regime de urgência em que se está tentando aprovar a nova Constituição.

Mas o que pode fazer com que duas forças que a história de meio século do Egito deveria manter opostas encontrem interesses comuns e sejam levadas a cooperar?

Uma pista para esse enigma particular pode ser esta: tanto os militares quanto a Irmandade Muçulmana têm interesse em que o poder continue concentrado e muito verticalizado, de modo a preservar a Irmandade de competição e preservar a dimensão do aparato militar como ator político e econômico.

E, é claro, desde fora, muitos desejam essa centralização do poder para evitar os riscos de instabilidade que um país como o Egito, se não contido por uma mão forte, poderia trazer ao jogo de poder regional.

SALEM H. NASSER é coordenador do Centro de Direito Global da GV

12 de dezembro de 2012

A arte do desastre financeiro

John Lanchester



Tradução / Não há, em toda a literatura universal, ensaio que tenha recebido mais belo título que “O Assassinato Considerado como Uma das Belas Artes” (1827), de Thomas de Quincey. Ocorre-me agora que, se De Quincey vivesse hoje, talvez se interessasse por escrever uma continuação: “O Desastre Financeiro Considerado como Uma das Belas Artes”. O material básico talvez não seja tão cativante, mas abunda. Como o megainvestidor americano Warren Buffett já disse mais de uma vez, “só na maré vazante se vê a bunda de quem nada sem roupa.” Crises financeiras e econômicas sempre arrastam com elas um surto de escândalos e revelações. Estamos em plena maré vazante (e vazando) e, francamente, fica-se sem saber por onde começar, tantos são os casos.

Na Grã-Bretanha, quem mostrou as vergonhas foi o banco Northern Rock, que quebrou no outono de 2007, primeira amostra do que seriam as subsequentes quebradeira e Grande Recessão. A novidade mais recente foi a venda do Rock ao Virgin Money, por £747 milhões (1,174 bilhão de dólares). Se os lucros do banco sobem, os dividendos a serem pagos aos contribuintes podem chegar até a £1 bilhão (1,572 bilhão de dólares). Dado que o custo de nacionalizar o banco foi £1,4 bilhão (2,201 bilhões de dólares), e dado que só se vendeu a parte ‘boa’, quer dizer, a parte do banco que se supõe que seja mais solvente, o negócio, embora esteja nas manchetes, não foi lá grande coisa. No melhor cenário, o contribuinte perde £400 milhões (629 milhões de dólares). Antes dos desastres de 2008, parecia muito dinheiro, mas quanto mais se examinam os números, pior a coisa fica.

Por trás da aparente simplicidade da compra do Rock por Richard Branson, do Virgin, jaz uma história muito mais complicada: praticamente todo o dinheiro para o negócio veio do sócio de Branson, W.L. Ross & Co., especialista em companhias em dificuldades e ações em baixa (um dos codinomes de Wilbur Ross é “O Rei das Falências”): £260 milhões de W.L. Ross; £50 milhões de Virgin Money; £50 milhões de um fundo de investimentos de Abu Dhabi. Considere-se antecipadamente perdoado, caro leitor, se não percebeu que, nessa conta, ainda faltam vários milhões para completar os £747 milhões do negócio.

Quer dizer: e o resto do dinheiro? Resposta: o negócio foi, de fato, pago com o próprio capital do novo banco, coisa em torno de £400 milhões (650 milhões de dólares). Ao tempo de seus últimos resultados, o banco Rock tinha 30% de fundos próprios de base (orig. Tier One). Esse número é um quociente de segurança dos bancos; mostra quanto o banco tem de dinheiro próprio: quanto mais alta a porcentagem, mais sólido o banco; os bancos britânicos, hoje, devem estar com 10% de fundos próprios. O Virgin prometera que o novo banco teria 15% de fundos próprios, muito abaixo da margem que se considera segura. Tudo isso significa que muito dinheiro, do negócio, é dinheiro vivo para o comprador. Os compradores estão usando o próprio patrimônio do banco Rock, para ajudar a comprar a banco. É transação frequente no mundo da finança, mas não é negócio que gere tranquilidade para um público já farto, cansado, nauseado de tantas e tão complexas engenharias financeiras.

Em resumo: o negócio do Virgin garante grandes prejuízos para os contribuintes, usa técnicas financeiras exóticas, semelhantes às que causaram o colapso do banco Northern Rock (agora ‘resgatado’) e ‘cria’ um ‘novo’ banco consideravelmente menos sólido que o banco que antes havia. Sob todos os aspectos, é resultado ainda pior que a alternativa preferida de muitos: criar um banco prioritariamente imobiliário. Ou, melhor dizendo: é pior sob todos os aspectos, exceto um: é negócio possível bem aqui e bem agora.

Depois que se anunciou o ‘resgate’ do Virgin, circulou no Parlamento que a Comissão Europeia, em troca da permissão para estatizar o banco Rock, havia imposto um limite de prazo para que o banco permanecesse como propriedade do Estado. (A ideia era que o fato de o Rock Northern passar a ser propriedade do Estado permitia ao banco oferecer garantias aos clientes – e fazer investimentos de risco – contra as quais nenhum banco privado poderia competir.) A data limite para que o Rock fosse devolvido à iniciativa privada era 2013. Ante essa restrição, e somada ao fato de que não havia sobre a mesa ofertas sérias para criar um banco imobiliário, o governo teve de escolher entre um pássaro na mão e um distante rufar de asas no mato. Não creio que tenham tido muita escolha. O contribuinte, compreensivo, foi garfado, mas não se ouviu falar de novo escândalo, por causa do inexorável desdobramento do desastre que sobreveio, em 2007, quando o banco Rock implodiu.

Parece-me que De Quincey, do ponto de vista estético, teria preferido o escândalo do MF Global nos EUA. O personagem principal dessa história é Jon Corzine, cujo nome não é muito conhecido fora dos EUA. Foi o principal executivo do Goldman Sachs, responsável por levar o banco, de parceria privada, para a Bolsa de Valores, fazendo, no processo, um dos maiores lucros de todos os tempos no mundo do capital, para todos os sócios do Goldman. Sabe-se que Corzine tinha o hábito de cumprimentar os colegas dizendo “Paz!” (gosto de pensar que, se eu trabalhasse com ele, cada vez que ele dissesse “Paz!”, eu responderia: “Dinheiro!”). Como principal executivo do Goldman, Corzine embolsou $400 milhões. Depois deixou o banco e mergulhou na política do Partido Democrata; com sua fortuna, comprou para usufruto pessoal um assento de senador pelo Estado de New Jersey, como se faz. Foi senador de 2001 a 2006; depois, foi governador de 2006 a 2010, quando perdeu, na tentativa de reeleger-se, para o Republicano Chris Christie. Então, já tendo percorrido o trajeto do dinheiro para a política, Corzine voltou ao dinheiro: tornou-se presidente de um fundo de derivativos chamado MF Global, com o objetivo declarado de converter a empresa em rival do Goldman.

Muitos já tentaram derrotar o Grupo Goldman. Nenhum caso teve final feliz. O MF Global fazia corretagem – e corretores, na essência, vivem de comprar e vender coisas em nome de clientes. A empresa nasceu de um desmembramento do Grupo Man, que patrocinou o Prêmio Corretor Man, em 2007. James Man foi o mercador e corretor de açúcar que, em 1784, conseguiu o contrato para fornecer rum à Real Marinha Britânica; a firma deixou de negociar com açúcar e passou a dedicar-se ao rum e outras commodities, obteve outros contratos futuros, passou aos derivativos em geral e, afinal, chegou aos serviços financeiros. Firma assim jamais crescerá suficientemente, ou suficientemente depressa para rivalizar com os grandes bancos de investimentos. Corzine, então, por sua conta, arrastou a empresa para os negócios de trading. A esse título fez investimentos gigantescos (leia-se: especulou) em bônus da dívida soberana da União Europeia. Foi como ter apostado pesadamente no futuro dos zepelins, no dia em que o Hindenburg partiu para a última viagem.

Quando sobreveio a crise na eurozona, o valor daqueles investimentos desabaram; para continuar nos negócios, o MF Global teria de poder exibir muito mais dinheiro do que tinha. Não exibiu dinheiro algum e, no dia 31/10, o MF Global requereu falência – e foi exatamente aí que essa história obscena, mas, afinal, rotineira, converteu-se em grande escândalo. O que se viu foi que, além de a empresa estar quebrada, o MF Global tampouco sabia dizer que fim dera ao dinheiro dos clientes pelo qual lhe competia zelar. Na primeira avaliação, faltavam $600 milhões de dólares; hoje, fala-se em rombo de mais de $1,2 bilhão. Atenção: aí não se computam as perdas da empresa: só dinheiro de clientes. E nesse pé estão hoje as coisas.

Por feliz coincidência, a quantidade de dinheiro faltante é quase exatamente igual à quantidade de dinheiro que vazou pelo ralo no nosso terceiro escândalo. Nesse caso, trata-se da empresa japonesa Olympus, fabricante de câmeras fotográficas. No início desse ano, a empresa nomeou um britânico, Michael Woodford, para o posto de novo presidente executivo. Woodford era funcionário da empresa há 30 anos, mas, mesmo nessas circunstâncias, não é frequente que empresas japonesas indiquem ocidentais para a presidência – só se conhece outro caso: Welshman Howard Stringer, presidente da Sony.

O primeiro ato de Woodford na presidência foi interrogar o conselho da empresa sobre vários pagamentos inexplicáveis que haviam sido feitos: $687 milhões pagos a serviços de consultoria, para a compra de uma empresa britânica de equipamentos médicos, pagamento feito por misteriosos intermediários nas Ilhas Cayman e em New York; outro pagamento, de $773 milhões, pela compra de uma empresa de cosméticos, de uma fábrica de contêineres e de um negócio de disposição final de lixo – negócios que, todos eles, haviam perdido 75% do valor ao longo de um ano.

O total de dinheiro envolvido nessas transações bizarras alcançava àquela altura 1,4 bilhão de dólares. Em resposta às interrogações de Woodford, o conselho de administração da Olympus demitiu-o, acusando-o de não compreender a cultura dos negócios à japonesa. A empresa reconheceu que autorizara aqueles sinistros desembolsos, que visavam a encobrir perdas em outros investimentos. A última notícia que se tem sobre o affair diz que polícia e autoridades judiciárias investigam agora uma possível conexão entre a Olympus e a Yakuza – o crime organizado.

A probabilidade de uma ‘conexão gângsteres’, e o fato de envolver a maior quantidade de dinheiro, faz do escândalo Olympus o mais esteticamente denso dentre os escândalos recentes. Mas o detalhe provavelmente mais importante de todo o processo está numa similaridade crucial que une todos esses escândalos.

Três grandes empresas, em três diferentes ramos, em três diferentes países; como traço de ligação, a evidência de que, em todos esses casos, alguém que se aproximasse – qualquer pessoa ou instituição, qualquer terceiro que se aproximasse –, e que contasse exclusivamente com a informação que a mídia distribui, jamais conseguiria saber o que realmente se passava naquelas empresas e naqueles negócios. É precisamente o que De Quincey chama de “uma obscuridade viciosa”.

William Goldman dizia, de todos que viam o cinema como negócio, que “não sabem de nada!” Tudo bem. Parece adequado ao cinema como negócio. Mas não pode(ria) ser adequado ao modo como operam empresas comerciais, cujos sócios são conhecidos, em todas as modernas economias do mundo desenvolvido. Não pode(ria) ser adequado, mas parece ser exatamente o que se vê acontecer nesses escândalos ‘financeiros’: ninguém sabe nada e, se sabe, não conta e ajuda a esconder.

Há tantas notícias tão ruins nas manchetes ‘de economia’ no momento, que parece difícil conseguir algum alento imediato. Pois aqui fica uma conclusão provisória, que pode ser um útil alento: todos esses escândalos têm, em comum, que todos eles mostram, afinal, à vista de todos, que o capitalismo está funcionando muito mal – por mais que as coisas sejam feitas exclusivamente segundo as regras do próprio capitalismo contemporâneo e pelos próprios capitalistas. É boa notícia.

Sobre o autor

John Lanchester’s novel The Wall came out earlier this year. His most recent non-fiction book is How to Speak Money.

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...