29 de novembro de 2010

Dois elogios para o WikiLeaks

Bernard Porter


Tradução / Bem, grande coisa não há. Mas, até aqui, só nos serviram pequenas fatias saborosas selecionadas pelos editores dos jornais premiados com uma prévia da coisa toda: selecionados por critérios dos jornais (em geral, os temas que renderiam as melhores manchetes, por país); e aparentemente pesadamente "editados" pelos jornalistas. O que ainda esteja por vir, não sabemos. (Tentei entrar diretamente na página de WikiLeaks, mas não consegui. Meu computador estará envelhecendo? Tráfego congestionado na internet? Alguma espécie de bloqueio?) Mas é pouco provável que se encontrem lá coisas realmente perigosas, tipo ‘top secret’, que provavelmente é material mais bem protegido.

O que mais se encontra nos WikiVazamentos, a julgar pelo que vi, são fofocas, e praticamente nenhuma novidade. As fofocas são evidentemente embaraçosas e poucos dizem sobre os assuntos ‘fofocados’: o que nos importa que o coronel Gaddafi ande pelo mundo com uma “voluptuosa enfermeira ucraniana”?! Será verdade? Será mentira? 

Por outro lado, as fofocas dizem muito sobre o modo de pensar dos fofoqueiros; sobretudo quando se tem a oportunidade de examinar uma grande amostra de material redigido, por exemplo, pelos embaixadores dos EUA em Londres. 

Descobri esse filão quando pesquisava as cartas privadas trocadas entre o Foreign Office e vários embaixadores britânicos nos anos 1850s: as cartas acompanhavam os telegramas oficiais, mas, diferentes dos telegramas, não eram reveladas ao Parlamento. O sistema de preconceitos que se inferia daquelas cartas tornava muito mais inteligíveis as políticas britânicas, do que os argumentos “oficiais” que acompanhavam, como “justificativas”, as propostas políticas.

Quanto a “já sabíamos disso”: sim, sim, muita gente sabia, mas muito do que já se sabia foi oficialmente desmentido no momento do evento, ou – o que é ainda pior – foi atribuída a alguma paranóia esquerdista ou sumariamente descartado como produto de alguma “teoria da conspiração”. 

Em geral, são necessários no mínimo 30 anos para que historiadores afinal possam exibir provas de que a sempre tão demonizada esquerda afinal tinha mesmo razão numa ou duas de suas análises. (Ou, vez ou outra, é a direita. Por exemplo, a velha história do “ouro de Moscou” do velho Partido Comunista da Grã-Bretanha.) Mas quando afinal a verdade aparece já é tarde demais e ninguém se interessa por ela. E é assim que, depois de 30 anos, os safados conseguem escapar, outra vez

Revelações instantâneas, no calor da hora, dificultam ou, pelo menos, diminuem a probabilidade de que os safados escapem. E isso, me parece, justifica a divulgação, por WikiLeaks, dessa recente imensa quantidade de documentos semissecretos da diplomacia dos EUA. 

Mas vejo alguns problemas. Primeiro, o problema da escala astronômica. Quem, afinal, conseguirá examinar tantos documentos e saber o que realmente documentam? Os historiadores só poderiam trabalhar com razoável segurança, se todo esse material tivesse aparecido, digamos, ao longo de trinta anos, ano após ano. E em todos os casos se aproximariam do material já com algumas ideias reunidas de outras fontes, e mesmo que provisórias, que lhes dariam um contexto histórico para os aspectos que mais lhes interessasse investigar. E trabalhariam com todo o conjunto dos dicta de cada embaixador dos EUA, por exemplo. Para isso, precisamente, inventaram-se as análises quantitativas. 

Um segundo problema é o modo como essa informação é abordada pela imprensa e pelos leitores: todos à procura de ‘revelações’, de porções mais sexy, de alguma “denúncia”, todos trabalhando com programas de busca por palavras-chaves e por aí vai. Respostas instantâneas (espero que não aconteça no caso dessa minha resposta instantânea) estimulam esse tipo de reação. 

O terceiro problema é que agora que toda aquela gente já sabe que suas opiniões e fofocas não são protegidas, de fato, por nenhum tipo de proteção confiável, e podem acabar publicadas em jornais, eles nunca mais escreverão tanto, nem tão descuidadamente. Assim, os historiadores do futuro não terão tanta informação da qual inferir os preconceitos que geram as atuais políticas quanto temos hoje – nesse que provavelmente foi o último jorro diluviano de material escrito para ser secreto, mas que acabou por chegar aos ouvidos do povo.

Nada disso deve ser lido como argumento contra revelar tudo o que foi revelado. Não gostaria de por meus interesses de historiador acima dos meus interesses de cidadão. Tenho-me divertido muito lendo o que fulano ou beltrano pensa de David Cameron ou de Nicolas Sarkozy ou de seja lá quem for, tanto quanto qualquer leitor de jornal não historiador. 

Estou gostando de ver com que facilidade algumas revelações já lançam dúvidas sobre o velho mito das boas relações anglo-norte-americanas – e não me incomodará se a coisa toda ruir como castelo de cartas. Não me incomoda ver tantos políticos tão atrapalhados; e adoraria – embora sem qualquer esperança de que aconteça – que todos os políticos que hoje tanto nos envergonham fossem trocados por outros que nos envergonhassem menos. 

De fato, encho-me de novas esperanças, ao ver que todos esses políticos e autoridades e embaixadores são tão ingênuos a ponto de entregar toda sua correspondência confidencial a um sistema tecnológico que pode ser facilmente violado por um hacker de 23 anos. Em certo sentido, vejo a coisa como deserção do sistema oficial de vigilância ao qual nós, cidadãos ordinários, estamos submetidos há anos. Não me parece, pelo que vi até aqui, que alguma vida tenha ficado ameaçada por causa daquilo lá. Assim sendo, no geral, congratulo-me, com algumas reservas, com WikiLeaks, por ter feito o que fez.

E estamos ainda no começo. Será interessante ver o que mais aparecerá nas próximas semanas; e se o que aparecer fará alguma diferença. Se fizer, seja qual for, é possível que eu descarte parte da minha reserva.

9 de novembro de 2010

É hora de rejeitar o consenso de Washington

Em Seul, a reunião do G-20 tem a chance de abandonar o dogma que reteve o mundo em desenvolvimento

Ha-Joon Chang


A reunião do G-20 esta semana, nos dias 11 e 12, em minha cidade natal, Seul, na Coreia do Sul, tem uma importância simbólica - é a primeira vez que a nova principal mesa de negociações do mundo reúne-se fora dos países do G-7, assumindo o papel de principal organismo de coordenação mundial de políticas de governo.

Agora que a reação inicial à crise terminou, o G-20 está buscando uma missão. Meus colegas coreanos querem um foco em "desenvolvimento", especialmente dos países mais pobres do mundo. Mas antes de acolher a iniciativa com braços abertos, é preciso perguntar que tipo de desenvolvimento o G-20 deve tentar estimular.

Um lugar evidente onde buscar inspiração é a história recente do país anfitrião. No curso de minha vida, a Coreia do Sul viveu um dos maiores milagres desenvolvimentistas - meio século atrás, sua renda per capita anual era de cerca de US$ 80, ou menos de metade da de Gana, à época. Hoje, essa renda é de US$ 19 mil, colocando o país em pé de igualdade com Portugal e Eslovênia. Como isso foi possível?

A Coreia do Sul, evidentemente, fez coisas que a maioria das pessoas concorda, são importantes para o desenvolvimento econômico, como investimentos em infraestrutura de saúde e educação. Mas, além disso, praticou uma série de políticas hoje supostamente más para o desenvolvimento econômico: ampla utilização de política industrial seletiva, combinação de protecionismo com subsídios às exportações; duras regulamentações sobre investimentos estrangeiros diretos; ativa, ainda que não particularmente ampla, utilização de empresas estatais; frouxa proteção a patentes e outros direitos de propriedade intelectual; pesada regulamentação das atividades financeiras nacionais e internacionais em um país.

Se a proposta coreana for aprovada, a reunião em Seul pode representar um divisor de águas: o início de uma nova abordagem desenvolvimentista realista e historicamente esclarecida, após décadas de equivocado fundamentalismo de mercado.

O G-7 foi sempre extremamente relutante ao recomendar essas políticas "heterodoxas" e insistiu que o pacote do Consenso de Washington - abertura, desregulamentação e privatização - era a receita certa para todos. Quando confrontados com o caso coreano, os defensores do Consenso de Washington tentaram descartá-lo, qualificando-o de exceção. Entretanto, a história das decolagens desenvolvimentistas na maioria dos países do G-7 - especialmente no Reino Unido, EUA, Alemanha, França e Japão - é, na verdade, muito mais próxima do modelo coreano do que qualquer coisa parecida com a agenda Consenso de Washington. As políticas "não ortodoxas" usadas pela Coreia e quase todos os outros atuais países ricos precisam ser seriamente consideradas em qualquer discussão inteligente e aberta sobre opções de desenvolvimento.

Será que as coisas vão mudar, com o lançamento da agenda de desenvolvimento do G-20? Uma análise das propostas do governo coreano sugere que podemos assumir um otimismo cauteloso.

A Coreia quer que o G-20 se concentre numa longa lista de questões ligadas ao desenvolvimento: infraestrutura, investimento privado e criação de emprego, educação, maior acesso dos países pobres aos mercados dos países ricos, maior inclusão financeira; estabelecimento de elementos para resistir a choques financeiros ou climáticos, segurança alimentar; governança.

Esse é um bom começo. Os coreanos rejeitam deliberadamente a abordagem "tamanho único" de décadas anteriores, em favor do que denominam "modelo iPhone dinâmico" - um conjunto de aplicativos de desenvolvimento para cada ocasião, inspirados em experiências bem-sucedidas em diversos países.

Mas existem algumas lacunas, também. É visível a falta de uma política industrial. A experiência coreana mostra que o sucesso exportador sustentável durante um longo período, pelo qual o país é famoso, demanda proteção e incubação de "setores nascentes" mediante uma política industrial seletiva, em vez de livre comércio e desregulamentação.

Equanimidade recebe atenção insuficiente. Em especial, não há menção a reforma agrária e a outras medidas para redistribuição de riqueza, que criaram a coesão social que tornou o desenvolvimento coreano posterior politicamente mais sustentável.

Então, vem a questão do dinheiro. É verdade que a agenda do G-7 por vezes parecia equiparar desenvolvimento a ajuda. No entanto, as propostas coreanas foram muito longe em rumo oposto, fazendo menção apenas passageira à importância de melhorar os fluxos de ajuda, tanto em qualidade como em quantidade.

Se essas lacunas puderem ser sanadas, a reunião do G-20 em Seul poderá representar um divisor de águas: o início de uma nova abordagem desenvolvimentista realista e historicamente esclarecida, após décadas de equivocado fundamentalismo de mercado. Claro, o G-20 é um fórum de discussão, mas fórum de discussões têm um papel- eles confirmam ou contestam o "senso comum" de uma época. Um Consenso de Seul baseado na verdadeira história de meu país poderá ser mais justo e mais eficaz do que o de Washington, que perdeu sua credibilidade intelectual e pragmática.

1 de novembro de 2010

O capitalismo e a maldição da eficiência energética

O retorno do paradoxo de Jevons

John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York

Monthly Review

November 2010 (Volume 62, Number 6)

Tradução / A maldição da eficiência energética, mais conhecida como Paradoxo de Jevons – a ideia de que a maior eficiência energética (e de recursos materiais) resulta não em conservação, mas em seu uso aumentado – foi primeiramente colocada em questão por William Stanley Jevons, no século XIX. Apesar de esquecido durante a maior parte do século XX, o Paradoxo de Jevons foi redescoberto nas últimas décadas, e está no centro das disputais ambientais do presente.

O século XIX foi o século do carvão. Foi o carvão, acima de tudo, que moveu a indústria britânica, e, portanto, o império britânico. Mas em 1863 o industrial Sir William George Armstrong, em seu discurso anual para a Associação Britânica para o Avanço da Ciência, questionou se a supremacia mundial britânica na produção industrial poderia ser ameaçada no longo prazo pela exaustão das reservas disponíveis de carvão.[1] Naquele tempo, nenhum estudo econômico havia sido levado a cabo sobre o consumo de carvão e o seu impacto no crescimento industrial.

Em resposta, William Stanley Jevons, que se tornaria um dos fundadores da economia neoclássica, escreveu, em apenas três meses, um livro intitulado A questão do carvão: uma investigação sobre o progresso da nação, e a provável exaustão de nossas minas de carvão (1865). Jevons argumentou que o crescimento industrial britânico se baseava no carvão barato, e que o seu custo ascendente, à medida que minas mais profundas eram exploradas, acarretaria a perda da “supremacia comercial e manufatureira”, possivelmente “no período de uma geração”, e um limite do crescimento econômico, gerando um “estado estacionário” da indústria “em um século”.[2] Nenhuma tecnologia ou substituição do carvão por outras fontes energéticas, segundo ele, poderia alterar isso.

O livro de Jevons teve enorme impacto. John Herschel, uma das grandes figuras da ciência britânica, escreveu em apoio à tese de Jevons que “estamos usando nossos recursos e expandindo nossa vida nacional a uma taxa enorme e crescente, e assim é iminente um acerto de contas, mais cedo ou mais tarde”.3 Em abril de 1866, John Stuart Mill saudou A questão do carvão na Casa dos Comuns, discursando em favor da proposta de Jevons de compensar a exaustão desse recurso natural crítico através do corte da dívida nacional. Essa causa foi assumida por William Gladstone, chanceler de Exchequer, que instou o Parlamento a agir para reduzir a dívida, baseado nas expectativas incertas para o desenvolvimento nacional futuro, devido à prevista exaustão rápida das reservas de carvão. Como resultado, o livro de Jevons rapidamente se tornou um bestseller.4

Mas Jevons estava totalmente equivocado em seus cálculos. É verdade que a produção britânica de carvão, em resposta à demanda crescente, mais do que dobrou nos trinta anos seguintes à publicação do livro. Durante o mesmo período nos Estados Unidos, a produção de carvão, a partir de um nível muito menor, cresceu dez vezes, apesar de ainda permanecer abaixo do nível britânico. 5 Mas não ocorreu nenhum “pânico do carvão” duradouro, devido à exaustão dos suprimentos de carvão disponíveis, no final do século XIX e início do século XX. O maior erro de Jevons foi igualar a energia para a indústria com o carvão em si, sem prever o posterior desenvolvimento de energias substitutas do carvão, como o petróleo e a hidroeletricidade.6 Em 1936, setenta anos depois do furor parlamentar gerado pelo livro de Jevons, John Maynard Keynes comentou sobre a projeção de um declínio da disponibilidade de carvão feita por Jevons, observando que ela foi “dist orcida e exagerada”. Pode-se acrescentar que o seu escopo foi bastante estreito.7

O Paradoxo de Jevons

Mas há um aspecto do argumento de Jevons – o próprio Paradoxo de Jevons – que continua a ser considerado um dos insights pioneiros na economia ecológica.8 No capítulo 7 d’A questão do carvão, entitulado “Sobre a economia de combustível”, Jevons respondeu à noção comum de que, uma vez que “o suprimento decrescente de carvão será enfrentado com novos modos de usá-lo de maneira eficiente econômica”, não haveria problema de suprimento, e que, de fato, “a quantidade de trabalho útil extraído do carvão pode ser aumentada muitas vezes, enquanto a quantidade de carvão consumido permanece estacionária ou diminui”. Em aguda oposição a isso, Jevons contrapôs que a maior eficiência no uso do carvão como fonte energética apenas gerava um aumento de demanda para esse recurso, e não diminuição de demanda, como se poderia esperar. Isso porque a melhora na eficiência levava a uma expansão econômica adicional. “É uma grande confusão”, escreveu ele, “supor que o uso econômico de combustível equivale a uma diminuição de consumo. Na verdade ocorre exatamente o contrário. Como regra, novos modos de economia levarão a um aumento de consumo, de acordo com um princípio reconhecido em muitos casos semelhantes... Os mesmos princípios se aplicam, com ainda mais força e distinção, para o uso de um agente geral como o carvão. É a própr ia economia no seu uso que leva ao seu consumo extensivo”.9

“Tampouco é difícil ver”, escreveu Jevons, “como surge esse paradoxo”. Toda inovação tecnológica na produção de máquinas a vapor, destacou ele em uma detalhada descrição da evolução da máquina a vapor, resultara numa máquina termodinamicamente mais eficiente. E cada máquina nova, aperfeiçoada, resultara em uso aumentado de carvão. A máquina de Savery, uma das primeiras máquinas a vapor, destacou ele, era tão ineficiente que “praticamente, o custo do funcionamento impedia a sua utilização; ela não consumia carvão, porque a sua taxa de consumo era muito alta”.1 0 Modelos posteriores que eram mais eficientes, como a famosa máquina de Watt, levaram a cada vez maiores demandas por carvão, a cada aperfeiçoamento. “Cada um desses aperfeiçoamentos da máquina a vapor, quando levado a cabo, não faz mais do que acelerar novamente o consumo de carvão. Todo ramo da manufatura recebe um novo impulso – o trabalho manual é substituído ainda mais por trabalho mecânico, e obras muito prolongadas, que não eram comercialmente viáveis com o uso da energia mais cara, podem ser executadas.1 1

Ainda que Jevons tenha pensado que esse paradoxo se aplicava a numerosos casos, o seu foco n’A questão do carvão foi inteiramente no carvão como “agente geral” da industrialização e como estímulo para indústrias de bens de investimento. O poder do carvão para estimular o avanço econômico, o seu uso acelerado, apesar dos avanços na eficiência, e a severidade dos efeitos a ser esperados do declínio de sua disponibilidade, eram todas devido ao seu papel duplo como o combustível necessário para a moderna máquina a vapor e como a base para a tecnologia do alto-forno. Em meados do século XIX, o carvão era material-chave para altos-fornos e na fundição do ferro – o produto industrial crucial e base do domínio industrial.12 Foi em virtude de seu maior desenvolvimento nessa área, como “manufatura do mundo”, que a Grã-Bretanha foi responsável pela metade da produção mundial de ferro em 1870.13 A maior eficiência no uso do carvão, portanto, traduziu-se em maior capacidade de produzir ferro e expandir a indústria em geral, levando a uma crescente demanda por carvão. Como coloca Jevons:

Se a quantidade de carvão usado em um alto -forno, por exemplo, diminui em comparação com a produção, os lucros do comércio aumentarão, novos capitais serão atraídos, e o preço do ferro-gusa cairá, mas a demanda por ele aumentará; e, ao final, o maior número de fornos mais do que compensará a sua diminuição de consumo. E se nem sempre é esse o resultado em um ramo específico da manufatura, devemos lembrar que o progresso em qualquer de seus ramos estimula uma nova atividade em muitos outros, e leva indiretamente, se não diretamente, a mais incursões em nossos veios de carvão.[14]

O que tornou esse argumento tão poderoso à época é que pareceu imediatamente óbvio para todos os contemporâneos de Jevons que o desenvolvimento industrial dependia da capacidade de expandir a produção de ferro a baixo custo. Isso implicava que uma redução na quantidade de carvão necessário para um alto-forno seria imediatamente traduzida em uma expansão da produção industrial, da capacidade industrial, e sua habilidade de capturar uma maior porção do mercado mundial – e vem daí a maior demanda por carvão. A tonelagem de consumo de carvão pelas indústrias do ferro e do aço da Grã-Bretanha, em 1869, de 32 milhões de toneladas, excedeu a quantidade combinada usada nas manufaturas em geral (28 milhões de toneladas) e estradas de ferro (2 milhões de toneladas).1 5

Essa foi a era do capital e a era da indústria na qual o poder industrial era medido em termos da produção de carvão e ferro-gusa. A produção de carvão e ferro na Grã-Bretanha cresceu em estreita correlação nesse período, ambas triplicando entre 1830 e 1860.1 6 Como coloca o próprio Jevons: “Depois do carvão... o ferro é a base material do nosso poder. Ele é osso e o tendão de nosso sistema de trabalho. Analistas políticos trataram corretamente a invenção do alto-forno de carvão como aquela que mais contribuiu para a nossa riqueza material... A produção de ferro, o material de toda a nossa maquinar ia, é a melhor medida de nossa riqueza e poder”.1 7

Assim, nenhum dos leitores de Jevons deixaria de perceber os efeitos multiplicadores na indústria de uma melhora na eficiência no uso do carvão, ou as “incursões aumentadas” às “minas de carvão” que isso geraria. “A economia”, ele concluiu, “multiplica o valor e a eficiência de nosso material principal; ela aumenta indefinidamente a nossa riqueza e de nossos meios de subsistência, e leva ao aumento de nossa população, obras e comércio, o que é gratificante para o presente, mas deve levar a um fim antecipado”.18

Uma lei natural

Ao tratar o carvão como “o material chefe” da indústria britânica, Jevons enfatizou o que ele via como uma mudança no desenvolvimento industrial, a partir do que ele chamava de “produtos básicos do país”, para outro. A grande batalha sobre as Corn Laws já haviam apontado para o fato – já apontado por seu pai, Thomas Jevons, entre outros – de que um menor preço para um produto básico expandiria fortemente a sua demanda, e em último caso, escassez (que, no caso do trigo, deveria ser satisfeita com importações).1 9 Mas ao final do século XIX, era o carvão, e não o trigo, que estava no centro de um tipo de escassez malthusiana.20

“A tese de Jevons nesse livro”, observou Keynes, “era que a manutenção da prosperidade e liderança industrial da Grã-Bretanha requeria um crescimento contínuo de sua indústria pesada numa escala que implicaria uma demanda de carvão em progressão geométrica. Jevons propôs esse princípio como uma extensão da lei da população de Malthus, e a designou como Lei Natural do Crescimento Social... A partir daí, basta um pequeno passo para colocar o carvão na posição ocupada pelo milho na teoria de Malthus”.21

Estendendo a teoria de Malthus ao carvão, Jevons escreveu: “A nossa subsistência não depende mais da nossa produção de trigo. A decisiva revogação das Corn Laws nos impele do trigo para o carvão. Ela marca, de qualquer maneira, a época na qual o carvão foi finalmente reconhecido como o produto básico do país; ela marca a ascensão do interesse manufatureiro, que é apenas outro nome para o desenvolvimento do uso do carvão”. Jevons argumentou que embora a população tenha “quadruplicado desde o começo do século XIX”, o consumo de carvão cresceu “dezesseis vezes”, e que esse crescimento da produção de carvão “per capita” era uma necessidade do desenvolvimento industrial acelerado, que teria de acabar.22

Mas a maior contradição por detrás do paradoxo que Jevons levantou – a dinâmica global de acumulação ou reprodução expandida intrínseca ao capitalismo – não foi analisada n’A questão do carvão. Como um dos primeiros economistas neoclássicos, Jevons abandonou a ênfase central na classe e na acumulação que distinguiu o trabalho dos economistas clássicos. As suas análises econômicas tomaram a forma de uma teoria do equilíbrio estático. Não há nada no seu argumento que lembre a noção de Karl Marx do capital como valor que se autovaloriza, e a consequente necessidade de contínua expansão.

O quadro de referência econômico de Jevons estava, portanto, mal-equipado para tratar concretamente questões como acumulação e crescimento econômico. A explosão da população, da indústria e da demanda por carvão (como o “material central” da vida industrial) era, em sua visão, simplesmente o produto de uma abstrata Lei Natural do Crescimento Social, elaborada a partir de Malthus. Ao enfocar o capitalismo mais como um fenômeno natural do que como uma realidade socialmente construída, ele não podia encontrar uma explicação para a demanda econômica continuamente crescente, que não fosse mencionar o comportamento individual, a demografia malthusiana e o mecanismo do preço. Ao invés de enfatizar o próprio motivo do lucro, ele se baseou na lei abstrata da energia de Justus von Liebig: “A civilização, diz o Barão Liebig, é a economia de energia, e a nossa energia é o carvão”.23

As forças que comandam a expansão econômica, alimentando a industrialização e resultando na demanda crescente por carvão, eram assim estranhamente fracas e maldesenvolvidas n’A questão do carvão, refletindo o fato de que faltava a Jevons uma concepção realista da economia capitalista e da sociedade.

Hegemonia industrial, não sustentabilidade ecológica

A hegemonia britânica, e não a ecologia, é o pano de fundo das considerações de Jevons. Apesar da ênfase que ele coloca na escassez de recursos e da sua importância para a economia ecológica, seria um erro considerar o caráter d’A questão do carvão como predominantemente ecológica. Jevons não se concentrou nos problemas ambientais associados à exaustão das reservas energéticas da Grã-Bretanha ou do resto do mundo. Ele nem mesmo mencionou a poluição do ar, do solo e hídrica que acompanhava a produção de carvão. Charles Dickens, décadas antes, descreveu as cidades industriais, com a sua queima concentrada de carvão, como caracterizadas por uma “praga de fumaça, que obscurece a luz, e suja o ar melancólico” em uma progressão incessante de “vômito negro, manchando todas as coisas vivas ou inanimadas, apagando a face do dia, e embrulhando todos esses horrores com uma densa nuvem negra”.24 Disso, não há nem sequer um traço em Jevons. Da mesma maneira, as doenças e riscos ocupacionais enfrentados pelos trabalhadores nas minas de carvão e nas fábricas alimentadas a carvão não constaram em sua análise, como testemunhado pelas Condições da classe trabalhadora inglesa de Friedrich Engels.25

De fato, não havia em Jevons nenhuma consideração pela natureza como tal. Ele simplesmente assumiu que os distúrbios e degradações em massa da terra eram um processo natural. Ainda que a falta de carvão, como fonte energética, tenha originado questionamentos em sua análise sobre a possibilidade do crescimento sustentado, a questão da sustentabilidade ecológica em si nunca foi abordada. Já que a economia tem de permanecer em contínuo movimento, Jevons desconsiderou fontes sustentáveis de energia, como a água e o vento, como inconfiáveis, limitadas a um tempo e local particular.26 O carvão ofereceu ao capital uma fonte energética universal para operar a produção, sem distúrbios dos padrões comerciais.

Jevons, portanto, não tinha resposta real para o paradoxo que levantou. A Grã-Bretanha poderia ou rapidamente usar a sua fonte barata de combustível – o carvão sobre o qual a sua industrialização repousava – ou poderia usá-lo mais lentamente. Ao final, escolheu usá-lo rapidamente: “Se pródiga e corajosamente avançarmos na criação de nossas riquezas, tanto materiais quanto intelectuais, é difícil estimar a grandeza da influência positiva que podemos atingir no presente. Mas a manutenção de tal posição é fisicamente impossível. Temos que fazer a escolha decisiva entre uma grandeza breve, mas verdadeira, e uma longa e continuada mediocridade”.27

Expresso nesses termos, o caminho a ser tomado era claro: buscar a glória no presente e aceitar a perspectiva de uma posição drasticamente degradada para as gerações futuras. Uma vez que Jevons não tinha resposta para o que ele viu como a exaustão rápida e inevitável dos estoques de carvão da Grã-Bretanha – e a capital e o governo britânicos não viram outro curso concebível a não ser “business as usual” – a resposta ao livro de Jevons tomou a forma predominante, por estranho que pareça, de uma justificação adicional para a redução da dívida nacional. Isso foi apresentado como uma medida preventiva face à eventual desaceleração da indústria. Como escreveu Keynes, “A proposição de que estávamos vivendo às custas de nosso capital natural” levou à resposta irracional de que era necessário levar a cabo “uma rápida redução do peso da dívida”.28

De fato, a quase totalidade do impacto político do livro de Jevons ficou confinado, ironicamente, ao seu penúltimo capítulo, “Taxas e dívida nacional”. Jevons e outras figuras, como Mill e Gladstone, que assumiu o seu argumento, nunca defenderam seriamente a ideia da conservação do carvão. Não há nenhuma menção na análise de Jevons ao ponto levantado por Engels em uma carta a Marx, na qual o capitalismo industrial era caracterizado como um “esbanjador de energia solar passada”, como evidenciado pelo seu “esbanjamento [de] nossas reservas de energia, nosso carvão, metais, florestas, etc.”.29 Para Jevons, a ideia de uma alternativa ao business as usual nunca foi discutida, e sem dúvida nunca foi cogitada. Nada estava mais distante da sua visão econômica do que a transformação das relações sociais de produção em direção a uma sociedade governada não pela busca do lucro, mas pelas necessidades genuínas das pessoas e pelos requisitos sócio-ecológicos da sustentabilidade. Ao final, os problemas que ele previu foram adiados no curso real da história pela expansão do uso de outros combustíveis fósseis – petróleo e gás natural –, assim como de energia hidrelétrica, e pela corrente exploração de recursos no mundo inteiro. Tudo isso, porém, preparou o terreno para o nosso dilema planetário atual e para o retorno do Paradoxo de Jevons.

A redescoberta do Paradoxo de Jevons

O Paradoxo de Jevons foi esquecido no auge da era do petróleo durante três quartos do século XX, mas ressurgiu nos anos 70 devido à crescente preocupação sobre a escassez de recursos associada com a análise dos Limites do crescimento feita pelo Clube de Roma, exacerbada pela crise do petróleo e da energia de 1973-74. Enquanto medidas de eficiência energética eram tomadas, economistas se debruçavam sobre a sua efetividade. Isso levou à ressurreição, no fim dos anos 70 e início dos 80, da questão geral posta pelo Paradoxo de Jevons, na forma do que foi chamado de “efeito rebote”. Essa era a noção bastante simples de que ganhos de eficiência propiciados pela engenharia normalmente levam a uma diminuição do preço efetivo de uma mercadoria, com isso gerando aumento de demanda, de maneira que os ganhos de eficiência não causavam um decréscimo no consumo de igual medida. O Paradoxo de Jevons foi frequentemente relegado à versão mais extrema do efeito rebote, no qual há um backfire, ou um rebote de mais de 100% da “economia de engenhar ia”, resultando em aumento, e não em diminuição, do consumo de um dado recurso.30

Os otimistas da tecnologia tentaram argumentar que o efeito rebote é pequeno, e, portanto, os problemas ambientais podem ser resolvidos em grande medida tão somente através da inovação tecnológica, com os ganhos de eficiência sendo traduzidos em processamento reduzido de energia e materiais (desmaterialização). Porém, há fortes evidências empíricas de um efeito rebote substancial. Por exemplo, avanços tecnológicos nos veículos automotores, que aumentaram a quantidade média de milhas percorridas por galão em 30% nos Estados Unidos a partir de 1980, não reduziram a energia total utilizada pelos veículos. O consumo de combustível por veículo permaneceu constante, enquanto os ganhos de eficiência levaram ao aumento não apenas do número de automóveis e caminhões nas estradas (e das milhas viajadas), mas também do seu tamanho e “performance” (taxa de aceleração, velocidade de cruzeiro, etc.) – de maneira que hoje SUV’s e minivans povoam as autoestradas estadunidenses. No nível macro, o Paradoxo de Jevons pode ser constatado no fato de que, ainda que os Estados Unidos tenham dobrado a sua eficiência energética desde 1975, o seu consumo de energia aumentou dramaticamente. Juliet Schor nota que nos últimos 35 anos: a energia gasta por dólar do PIB foi cortada pela metade. Mas ao invés de cair, a demanda energética aumentou em cerca de 40%. Além disso, a demanda cresce mais rapidamente naqueles setores que têm os maiores ganhos de eficiência – uso de energia no transporte e residencial. A eficiência de refrigeradores aumentou 10%, mas o número de refrigeradores em uso aumentou em 20%. Na aviação, o consumo de combustível por milha caiu mais de 40%, mas o uso total de combustível cresceu 150%, porque a milhagem por passageiro aumentou. Veículos têm história semelhante. E com a explosão da demanda, tivemos explosão das emissões. O dióxido de carbono desses dois setores aumentou em 40%, o dobro da taxa da maior economia.

Economistas e ambientalistas que tentam medir os efeitos diretos da eficiência na diminuição do preço e o efeito rebote imediato geralmente tendem a ver esse efeito como relativamente pequeno, no intervalo de 10 a 30% em ramos de alto consumo energético, como aquecimento e resfriamento doméstico e automóveis. Mas uma vez que são incorporados os efeitos indiretos, aparentes no nível macro, o Paradoxo de Jevons permanece extremamente significativo. É no nível macro que os efeitos de escala se tornam claros: aperfeiçoamentos na eficiência energética podem diminuir o custo efetivo de vários produtos, impelindo a economia em geral e expandindo o consumo energético em geral.3 1 Economistas ecológicos como Mario Giampietro e Kozo Mayumi argumentam que o Paradoxo de Jevons somente pode ser entendido em um modelo macroevolucionário, onde aperfeiçoamentos na eficiência resultam em mudanças nas matrizes da economia, de maneira que o efeito agregado é o aumento da escala e do ritmo do sistema como um todo.[32]

A maior parte das análises do Paradoxo de Jevons permanece abstrata, baseadas em efeitos tecnológicos isolados, e apartados do processo histórico. Elas deixam de examinar, tal como Jevons, o caráter da industrialização. Além disso, elas estão ainda mais distantes de um entendimento realista do caráter orientado à acumulação do desenvolvimento capitalista. Um sistema econômico devotado aos lucros, à acumulação e à expansão econômica sem fim tenderá a usar todos os ganhos da eficiência energética ou redução de custos para expandir a escala agregada da produção. A inovação tecnológica será, portanto, claramente configurada para esses mesmos fins expansivos. Não é mera coincidência que todas as grandes inovações que dominaram os séculos XVIII, XIX e XX (ou seja, a máquina a vapor, a estrada de ferro e o automóvel) se caracterizaram pela sua importância no direcionamento da acumulação do capital e pela retroação positiva que geraram no que concerne ao crescimento econômico como um todo – de maneira que os efeitos de escala na economia que resultaram de seu desenvolvimento necessariamente suplantaram as melhoras na eficiência tecnológica.33 A conservação no agregado é impossível para o capitalismo, por mais que a razão entradas/saídas possa aumentar na engenharia de um dado produto. Isso porque todas as economias tendem a estimular a formação de mais capital (caso canais de investimento estejam disponíveis). Esse é especialmente o caso quando recursos industriais essenciais – o que Jevons chamou de “materiais centrais” ou “produtos básicos” – estão em jogo.

A falácia da desmaterialização

O Paradoxo de Jevons é o produto de um sistema econômico capitalista que é incapaz de conservar na macroescala, pois ele é configurado para maximizar o processamento energético e material, desde a fonte de recursos até o depósito de final de lixo. A economia de energia em tal sistema tende a ser usada como um meio para o desenvolvimento adicional da ordem econômica, gerando o que Alfred Lotka chamou de “máximo fluxo energético”, ao invés de uma mínima pr odução de energia.34 A desconsideração da conservação absoluta de energia (em oposição à relativa) está imbricada na natureza e na lógica do capitalismo, como um sistema integralmente devotado aos deuses da produção e do lucro. Como colocou Marx: “Acumulai! Acumulai! Esse é o mandamento!”35

Visto no contexto da sociedade capitalista, portanto, o Paradoxo de Jevons demonstra a falácia das noções correntes de que os problemas ambientais com que a sociedade se depara podem ser resolvidos com meios puramente tecnológicos. Economistas ecológicos hegemônicos frequentemente se referem à “desmaterialização” ou “desacoplamento” do crescimento econômico em relação ao consumo de energia e recursos. O aumento da eficiência energética é com frequência tomado como uma indicação concreta de que o problema ambiental está sendo resolvido. Mas a economia de materiais e energia, no contexto de um dado processo de produção, como vimos, não é nada novo; ela é parte da história cotidiana do desenvolvimento capitalista.36 Cada nova máquina a vapor, como enfatizava Jevons, era mais eficiente do que a anterior. “Processos de economia de matérias-primas”, como notou o sociólogo ambiental Stephen Bunker, “são mais velhos do que a Revolução Industrial, e foram dinâmicos ao longo da história do capitalismo”. Toda noção de que a redução do processamento material por unidade de renda nacional é um fenômeno novo é, portanto, “profundamente a-histórica”.37

O que se negligencia, então, em noções simplistas de que a uma maior eficiência energética normalmente leva a um aumento da economia agregada, é a realidade da relação do Paradoxo de Jevons – através da qual a economia de energia é usada para promover novas formações de capital e a proliferação de mercadorias, demandando recursos cada vez maiores. Ao invés de uma anomalia, a regra de que a eficiência aumenta o consumo energético e material é integral ao própr io “regime do capital”.38 Como colocado em O peso das nações, um estudo empírico importante das saídas materiais nas últimas décadas em cinco nações industrializadas (Áustria, Alemanha, Holanda, Estados Unidos e Japão): “Ganhos de eficiência propiciados pela tecnologia e novas práticas gerenciais tem sido compensadas por [aumentos da] escala do crescimento econômico”.39

O resultado é a produção de montanhas sobre montanhas de mercadorias e custos unitários decrescentes que levam a um maior gasto de recursos materiais. Além disso, no capitalismo monopolista tais mercadorias tomam cada vez mais a forma de valores de uso artificiais, promovidos por um vasto sistema de propaganda e projetados para instigar uma demanda cada vez maior por mercadorias e pelo valor de troca que elas representam – como um substituto para a satisfação de necessidades genuinamente humanas. Bens desnecessários e desperdício são produzidos com labuta inútil para incrementar valores puramente econômicos, em detrimento do ambiente. Qualquer desaceleração desse processo de destruição ecológica, sob o sistema atual, implica o desastre econômico.

Aos olhos de Jevons, a “escolha decisiva” levantada pela continuação do business as usual era simplesmente “entre uma breve mas verdadeira grandeza [nacional] e uma longa e continuada mediocridade”. Ele optou pela primeira – o máximo fluxo energético. Um século e meio mais tarde, em nossa economia muito maior e mais global – mas não menos cara – não é mais apenas a supremacia nacional que está em jogo, mas o destino do próprio planeta. Certamente, há aqueles que defendem que deveríamos “viver bem agora e deixar que o futuro cuide de si mesmo”. Escolher esse caminho, porém, é flertar com o desastre planetário. A única resposta real para a humanidade (incluindo as futuras gerações) e para a Terra como um todo é alterar as relações sociais de produção, para criar um sistema no qual a eficiência não seja mais uma maldição – um sistema mais elevado, no qual igualdade, desenvolvimento humano, comunidade e sustentabilidade sejam objetivos explícitos.

Notas

1. Sir William George Armstrong, Presidential Address, Report of the 33rd Meeting of the British Association for the Advancement of Science, Held at Newcastle-upon-Tyne (London: John Murray, 1864), li-lxiv. Ver também William Stanley Jevons, The Coal Question: An Inquiry Concerning the Progress of the Nation, and the Probable Exhaustion of Our Coal -Mines, ed. A. W. Flux (London: Macmillan, 1906 [1865]), 32-36.

2. Jevons, The Coal Question, xxxi, 274.

3. John Herschel, citado em Juan Martínez-Alier, Ecological Economics (Oxford: Basil Blackwell, 1987), 161 -62.

4. Mic hael V . White, “Frightening the ‘Landed Fogies’ Parliamentary Politic s and the Coal Question,” Utilitas 3/2 (November 1991): 289-302; Leonard H. Courtney, “Jevons’s Coal Question: Thirty Years A fter,” Journal of the Royal Statistical Society 60/4 (December 1897): 789; John Maynard Keynes, Essays and Sketches in Biography (New York: Meridan Books, 1956), 132. O enfoque de Gladstone em relação à obra de Jevons foi inicialmente um estratagema tático, usado politicamente para justificar o argumento a favor da redução da dívida, que nunca foi de fato implementada no orçamento

5. Courtney, “Jevons’s Coal Question,” 797.

6. Jevons não estava sozinho nesse erro. John Tyndall, um dos maiores físicos da época, observou em 1865: “Não vejo nenhuma perspectiva para um substituto do carvão como fonte de potência motriz.” Citado em Jevons, The Coal Question, xi. Vale mencionar que a perfuração do histórico poço de petróleo de Edwin Drake no noroeste da Pensilvânia ocorrera apenas seis anos antes, em 1859, e o seu significado ainda não havia sido bem compreendido.

7. Keynes, Essays and Sketches in Biography, 128.

8. Mario Giampietro and Kozo Mayumi, “A nother V iew of Dev elopment, Ecological Degradation, and North–South Trade,” Review of Social Economy 56/1 (1998): 24-26; John M. Polimeni, Kozo Mayumi, Mario Giampietro, and Blake Alcott, eds., The Jevons Paradox and the Myth of Resource Efficiency Improvements (London: Earthscan, 2008).

9. Jevons, The Coal Question, 137-41.

10. Ibid., 141 -43.

11. Ibid., 152-53.

12. Ainda em 1842 as fornalhas inglesas ainda consumiam dois terços do carvão do país, mas quando Jevons escreveu o seu livro, mais de duas décadas mais tarde, isso havia diminuído para cerca de um quinto do consumo nacional e dificilmente se aplicaria a esse argumento, que se focava na demanda industrial de carvão como a maior e indispensável origem da demanda. Como disse Jevo ns, “Não me refiro aqui ao consumo doméstico de carvão. Esse pode sem dúvida ser diminuído sem problemas maiores além de diminuir nosso conforto domésticos e alterar de alguma forma nossos hábitos nacionais arraigados”. Ver Jevons, The Coal Question, 138-39; Eric J. Hobsbawm, Industry and Empire (London: Penguin, 1969), 69.

13. Eric J. Hobsbawm, The Age of Capital, 1848-1873 (New York: Vintage, 1996), 39-40.

14. Jevons, The Coal Question, 140-42.

15. Os dados de 1869 foram fornecidos na edição anotada da obra de Jevons de A. W. Flux. Em 1903 as relações mudaram, com as indústrias do ferro e do aço respondendo por 28 milhões de toneladas de consumo de carvão (menos do que no tempo de Jevons), enquanto o consumo das manufaturas em geral cresceu para 53 milhões de toneladas e das ferrovias para 13 milhões de toneladas. Ver Jevons, The Coal Question, 138-39.

16 Hobsbawm, Industry and Empire, 70-71.

17. Jevons, The Coal Question, 245.

18. Ibid., 156.

19. Ibid., 195, 234-41; Thomas Jevons, The Prosperity of the Landholders Not Dependent on the Corn Laws (London: Longmans, 1840).

20. O próprio Malthus negou a possibilidade da escassez de minerais, argumentando que as matérias primas, em contraste com os alimentos, “ocorrem em grande abundância” e “a demanda... não deixará de criá-las em quantidades tão grandes quanto forem desejadas”. Ver Thomas Robert Malthus, An Essay on the Principle of Population and a Summary View of the Principle of Population (London: Penguin, 1970), 100.

21. Keynes, Essays and Sketches in Biography, 128-29.

22. Jevons, The Coal Question, 195-96. A discussão de Jevons sobre o desenvolvimento industrial em termos dos vários produtos básicos antecipou a obra de Harold Innis e a teoria dos produtos básicos do crescimento econômico. Ver Mel Watkins, Staples and Beyond (Montreal: McGill-Queens University Press, 2006).

23. Jevons, The Coal Question, 142.

24. Charles Dickens, The Old Curiosity Shop (New York: E.P. Dutton and Co., 1908), 327.

25. Frederick Engels, The Condition of the Working Class in England (Chicago: Academy Publishers, 1984). Ver também John Bellamy Foster, The Vulnerable Planet (New York: Monthly Review Press, 1994), 50-5 9; Brett Clark e John Bellamy Foster, “The Env ironmental Conditions of the Working Class: An Introduction to Selections from Friedrich Engels’s The Condition of the Working Class in England in 1844,” Organization & Environment 19/3 (2006): 375-88.

29. Karl Marx and Frederick Engels, Collected Works (New York: International Publishers, 1975), vol. 46, 411.

26. Jevons, The Coal Question, 164-71.

27. Ibid., 459-60.

28. Keynes, Essays and Sketches in Biography, 132.

30. Blake A lc ott, “Historic al Ov erv iew of the Jevons Paradox in the Literature,” in Polimeni, et al., The Jevons Paradox, 8, 63. For the Club of Rome study, see Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers, William W. Behrens III, The Limits to Growth (New York: Universe Books, 1972).

31. Juliet B. Schor, Plenitude (New York: Penguin Press, 2010), 88-90. Para uma discussão detalhada dos dados empíricos sobre o Paradoxo de Jevons, ver John M. Polimeni, “Empirical Ev idence for the Jevons Paradox,” in Polimeni, et al., The Jevons Paradox, 141 -71.

32. Mario Giampietro and Kozo May umi, “The Jevons Paradox,” in Polimeni, et al., The Jevons Paradox, 80-81.

33. Para uma discussão de inovações que marcam épocas, ver Paul A. Baran and Paul M. Sweezy, Monopoly Capital (New York: Monthly Review Press, 1966), 219-22.

34. A lfred J. Lotka, “Contributions to the Energetic s of Evolution” Proceedings of National Academy of Sciences 8 (1922): 147 -51; Giampietro and Mayumi, “The Jevons Paradox,” 111-15.

35. Karl Marx, Capital, vol. 1 (New York: Vintage, 1976), 742.

36. John Bellamy Foster, Ecology Against Capitalism (New York: Monthly Review Press, 2002), 22-24.

37. Stephen G. Bunker, “Raw Materials and the Global Economy,” Society and Natural Resources 9/4 (July -August 1996): 421.

38. Robert L. Heilbroner, The Nature and Logic of Capitalism (New York: W.W. Norton, 1985).

39. Emily Matthews, Christof Amann, Stefan Bringezu, Marina Fischer -Kowalski, Walter Hüttler, René Kleijn, Yuichi Moriguchi, Christian Ottke, Eric Rodenburg, Don Rogich, Heinz Schandl, Helmut Schütz, Ester van der Voet, and Helga Weisz, The Weight of Nations (Washington, D.C.: World Resources Institute, 2000), 35.

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