30 de julho de 2010

Não é nenhum segredo o que o Paquistão vem fazendo com os talibãs

Todas as partes em conflito sabem o que vem ocorrendo desde que o Afeganistão foi ocupado. O que também é claro é que essa guerra é impossível de ser ganha.

Tariq Ali


Tradução / As declarações de David Cameron, posteriores às investigações de WikiLeaks, sobre a ajuda dada pelo Paquistão ao inimigo em Hindu Kush, não deveriam ser levadas tão a sério.1 O golpe cuidadosamente orquestrado na Índia estava destinado a agradar aos seus anfitriões e selar acordos de negócios (Cameron e Vince Cable estão a negociar para a indústria de armamento britânica).2 A resposta oficial do Paquistão foi igualmente falsa, dado que é impossível que Islamabad ataque o tocador.

Enquanto isso, todas as partes sabem o que o exército paquistanês vem fazendo com diversas facções dos talibãs desde que o Afeganistão foi ocupado, há quase nove anos. Há três anos, um soldado paquistanês matou um agente da polícia norte-americana no meio dessas conversações, tal como informou a imprensa paquistanesa. Uma fonte próxima ao exército paquistanês contou-me no ano passado, em Islamabad, que estiveram presentes agentes da espionagem norte-americana em conversas recentes entre o ISI (Inter-Services Intelligence) do Paquistão3 e os rebeldes. Não há motivos para que ninguém se surpreenda. A causa está clara também. A guerra é impossível de ser ganha.

O Paquistão nunca chegou a abandonar totalmente os talibãs depois do 11 de Setembro. Como iria deixá-los? Foi Islamabad que organizou a retirada dos talibãs de Cabul, para que os EUA e os seus aliados pudessem ocupar o país sem ter que entrar em combate. Os generais paquistaneses aconselharam os seus amigos afegãos a esperar o momento oportuno.

À medida que a guerra no Afeganistão piorava, cresciam os rebeldes. O caos social e a corrupção política da equipa de Hamid Karzai faziam com que a ocupação estrangeira parecesse muito pior aos olhos de muitos afegãos, incorporando uma nova geração de combatentes jovens que não haviam feito parte do regime deslocado. São estes neotalibãs os que organizaram de maneira efectiva a extensão da resistência que, tal como mostrava o diagrama de engenhos explosivos improvisados revelado por WikiLeaks, chega praticamente a qualquer parte do país.

Matthew Hoh, antigo capitão de infantaria da Marinha, que serve como oficial político no Afeganistão foi claro: "Os rebeldes pashtun, compostos de múltiplos grupos locais aparentemente infinitos, vêem-se nutridos pelo que percebem como uma incessante agressão contra a terra, a cultura, as tradições e a religião pashtun por parte de inimigos internos e externos (...). Observei que o grosso da rebeldia luta não pela insígnia branca dos talibãs e sim contra a presença de soldados estrangeiros e os impostos estabelecidos por um governo não representativo em Cabul".

No ano de 2007, os EUA tentaram apartar uma parte dos rebeldes do mulá Omar, líder dos talibãs, oferecendo-lhes postos no governo. Os líderes neotalibãs negaram-se a ajudar qualquer governo, enquanto houvesse tropas estrangeiras no país.

O Serviço de Espionagem do Paquistão, cuja autonomia sempre foi valorizada, deixou-se controlar. Alguns delinquentes foram descobertos quando aprovaram o ataque contra a embaixada indiana em Cabul, em 2008 e foram imediatamente disciplinados e deslocados. Hoje em dia, atacar o ISI do Paquistão tornou-se conveniente para o Ocidente, que necessita do general Kayani4 e não pode, portanto, atacá-lo directamente. Não há maneira do ISI do Paquistão ou alguma das partes do exército possam ajudar os rebeldes sem conhecimento de Kayani. E este sabe perfeitamente que para preservar os contactos, estes têm que oferecer protecção aos rebeldes que lutam contra a NATO.

Karzai estava tão desesperado há alguns meses por cortejar os talibãs que pediu ao general Eikenberry, o conciliador embaixador norte-americano, que tire toda a direcção talibã, incluindo Omar, da lista dos mais procurados. Eikenberry não se negou e sugeriu que cada caso deveria ser considerado por seus méritos. Que melhor indicação de que a guerra está perdida?

A WikiLeaks parece ter revivido temporariamente Karzai. "Coisa diferente é se o Afeganistão tem capacidade para isso", contestou ao responder a uma pergunta sobre o apoio do Paquistão aos talibãs, (...) "mas os nossos aliados dispõe desta capacidade. Agora a pergunta é: por que não actuam?"

Mas actuam sim, e vêm fazendo isso desde que Barack Obama se tornou presidente. Os ataques com aviões não tripulados estavam destinados a sufocar o apoio aos rebeldes através da fronteira. O que conseguiram foi desestabilizar o Paquistão. No ano passado, o exército deslocou à força mais de 250 mil pessoas do distrito de Orakzai, na fronteira afegã, e colocaram-nos em campos de refugiados. Muitos juraram vingança. No dia 8 de junho, militantes armados com granadas e morteiros atacaram um comboio da NATO em Rawalpindi. Cinquenta veículos da NATO foram destruídos e mais de uma dúzia de soldados morreram.

Isto não pode mais piorar. É hora de Obama abandonar todas as suas pretensões utilizadas para justificar uma guerra que só pode conduzir a mais mortes, mas não a uma solução. O que faz desesperadamente falta é uma estratégia de saída.

4 de julho de 2010

FIFA versus ONU

R.W. Johnson


Tradução / Aconteça o que acontecer daqui em diante, já foi excelente Copa do Mundo, para a Europa. Não só porque holandeses e alemães já despacharam devidamente Brasil e Argentina – no caso da Argentina, massacre que talvez custe o emprego de Maradona (e Dunga já foi demitido) –, mas porque três, dos quatro finalistas, são europeus. E, isso, mesmo depois de Itália, França e Inglaterra também terem sido rapidamente descartadas.

Haver três europeus entre quatro finalistas é detalhe que conta na política da FIFA. E a FIFA conta. Afinal, a FIFA é maior que a ONU. 207 membros da FIFA já se inscreveram para disputar a Copa do Mundo de 2014. A ONU tem só 192 Estados-membros. Também não é só porque Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte competem separadas da Inglaterra. O mesmo acontece em outras áreas. A China é membro da FIFA, tanto quando outros chineses de Taipei, Hong Kong, Macau e Mongólia, cada um com uma federação nacional de futebol. E, claro: enquanto a ONU vive atolada em dívidas, a FIFA tem bilhões em caixa.

A grande questão é que o número de 32 finalistas para disputar a Copa do Mundo permite representações de todos os cantos do mundo. Atualmente, 13 federações europeias, quatro ou cinco asiáticas, uma ou zero da Oceania, cinco da África, três ou quatro da América Central e do Norte e Caribe, quatro ou cinco da América Latina, e a nação anfitriã.

As 54 nações africanas vivem a tentar obter maior número de representantes, mas de fato os representantes africanos cairão de seis para cinco em 2014 – para encaixar o Brasil que substitui a África do Sul nos serviços de hospedar a competição. É provável, portanto, que o número de Latino-Americanos pule para seis. Na prática, o lugar extra para a América Latina é praticamente garantido, porque a indicação depende apenas de fácil play-off entre equipes muito mais fracas da América Central: em 2010, para classificar-se, o Uruguai teve de vencer apenas a fraca Costa Rica.

A verdadeira anomalia é a fraqueza dos grupos de Oceania e Ásia por um lado, e a força muito superior da Europa.

Entre os competidores europeus, estão Rússia, Áustria, Croácia, Turquia e os tchecos, todos com respeitáveis currículos como finalistas em Copas do Mundo. E, isso, sem falar de Hungria, Polônia, Bélgica e Ucrânia. Muitos desses países já estão ricos ou estão enriquecendo depressa e já se constituem importantes alvos-mercados para a TV Copa do Mundo.

Dado que todos os times mais ricos já estão na Europa, não há dúvida de que a lógica da economia, tanto quanto a lógica da bola, levarão a aumentar cada vez mais o número de finalistas europeus.

Se o futebol fosse administrado como o cricket na Índia, aconteceria exatamente isso, sem dúvida alguma – porque, uma vez que o dinheiro e os grandes números de televisão estão na Índia, o cricket internacional acontece, cada vez mais, em torno da Índia.

Pois é exatamente o que a FIFA mais inveja, porque a sessão asiática da FIFA é pateticamente fraca. Só há futebol decente no Japão e na Coreia do Sul. Nenhum dos gigantes asiáticos – China, Índia, Paquistão, Indonésia, Vietnã ou Malásia – é bom de bola. E pouco melhora se se inclui o Oriente Médio na Ásia.

Para piorar, os lugares extras que a FIFA reservou para ser ocupados pelas massas asiáticas acabaram por se ocupados por Nova Zelândia e Austrália, que absolutamente não interessam à FIFA.

Sepp Blatter construiu uma carreira pavimentada de votos africanos, porque prometeu que haveria uma Copa do Mundo na África – aposta boa, que lhe valeu 54 votos africanos.

Mas o futuro da humanidade virá da Ásia e a qualidade do futebol precisa melhorar por lá, ou o futebol nunca será jogo global. Mas, sim, em certo sentido, pode-se acalentar esperanças de que ainda chegue lá.

Afinal, Blatter tem salário muito maior que Ban Ki Moon, imensíssimos recursos e quantidade muito maior de poder real. Blatter jamais trocaria seu emprego pelo emprego de Moon, embora, claro, também tenha lá os seus problemas.

R.W. Johnson is an emeritus fellow of Magdalen College, Oxford, where he taught politics and sociology for many years. His most recent books are How Long Will South Africa Survive? and Look Back in Laughter: Oxford’s Postwar Golden Age. He lives in Cape Town.

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