17 de julho de 2008

Vôo da galinha, nunca mais!

É preciso controlar a inflação sem repetir 2004, quando a alta do juro interrompeu a recuperação da economia

Paulo Nogueira Batista Jr.

Folha de S.Paulo

A INFLAÇÃO preocupa por dois motivos. Primeiro: os choques externos (alimentos, petróleo e outras commodities) atingem a economia em um período de expansão da demanda interna. Segundo: uma inflação liderada pelos alimentos é especialmente nociva para os pobres. De acordo com a FGV, a inflação para quem está na faixa de 1 a 2,5 salários mínimos subiu para 9%. Nessa faixa de renda, os alimentos representam cerca de 40% da cesta de consumo. É possível combater a inflação aumentado a oferta de produtos? Dentro de certos limites, sim. Por exemplo, pode-se direcionar mais crédito a setores capazes de expandir rapidamente a produção, como a agricultura. Pode-se, também, reduzir a carga tributária sobre setores da economia em que os preços estejam muito pressionados. Mas essas medidas têm limites. Na maioria dos setores, o investimento demora a se refletir em aumento da capacidade produtiva. O investimento eleva primeiro a demanda (ao se traduzir em compras de máquinas, equipamentos etc.) para só depois redundar em ampliação da oferta. A desoneração tributária, por sua vez, nem sempre resulta em diminuição de preços. Por exemplo, os preços dos produtos comercializados internacionalmente, os chamados "tradeables", dependem basicamente dos preços internacionais e do câmbio. No caso desses produtos, a redução de tributos redundaria em aumento da margem de lucro sem efeito apreciável sobre os preços. Para os "tradeables", o que se pode fazer é operar seletivamente com os tributos sobre comércio exterior. Uma possibilidade é diminuir tarifas de importação para abafar pressões localizadas de preços. Outra é tributar as exportações que estejam com preços em alta no mercado internacional. Há um certo tabu em torno dessa segunda possibilidade. Porém, dependendo das circunstâncias de mercado, um imposto sobre a exportação permite desatrelar o preço interno do preço externo, impedindo que a alta desse último se transmita totalmente ao primeiro. Quando a alta do preço internacional é muito acentuada, pode ser conveniente introduzir um imposto que modere o impacto inflacionário interno, sacrificando parte da elevada lucratividade do exportador. Seja como for, as medidas acima mencionadas não são suficientes para dispensar o controle da demanda. Não se trata, é claro, de abortar o crescimento iniciado em 2007, mas de reduzir o ritmo de expansão do consumo. O instrumento mais óbvio é a taxa básica de juro. Por motivos explicados em artigos anteriores (efeitos sobre o câmbio, o investimento, as finanças púbicas, entre outros), não convém carregar a mão no aumento dos juros básicos. Para desacelerar a demanda, o governo deve acionar outros instrumentos de forma seletiva, notadamente a contenção dos gastos públicos e controles diretos sobre o crédito. Ao cortar gastos do governo, é importante preservar os investimentos públicos e os programas sociais, como o Bolsa Família. Este último, aliás, precisa ser aumentado, como fez recentemente o governo, para compensar o efeito da alta dos alimentos sobre o valor real dos benefícios. No que diz respeito ao controle crédito, é fundamental preservar o financiamento do investimento privado e focar as medidas na diminuição do ritmo de expansão do crédito ao consumo. Trata-se, em resumo, de controlar a inflação sem repetir a experiência de 2004, quando um ciclo de alta dos juros básicos levou à interrupção de um processo de recuperação da economia, jogando o país, por quase dois anos, em novo período de crescimento medíocre. Vôo da galinha, nunca mais!.

Sobre o autor
Paulo Nogueira Batista Jr.,  53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

10 de julho de 2008

O Conselheiro Acácio contra a inflação

É importante que a política antiinflacionária combine a taxa de juro com outros instrumentos

Paulo Nogueira Batista Jr.

Folha de S.Paulo

"O tempo não cura nada; apenas tira o incurável do centro das atenções" (Ludwig Marcuse). Pare um minuto, leitora, para refletir sobre essa frase... Pronto, podemos continuar. Há certa desproporção entre a frase do filósofo alemão e os propósitos basicamente pedestres e até acacianos do artigo de hoje. A ligação (um pouco forçada, reconheço) é a seguinte. O tempo -14 anos desde o lançamento do Plano Real- tirou a inflação do centro das atenções. Em 1999, ela ameaçou retornar ao proscênio, mas não teve grande impacto. Agora, ela volta a incomodar -sobretudo os pobres.Tratei do assunto na quinta-feira passada. Um leitor escreveu reclamando que eu perguntara: "O que deve ser feito contra a inflação?" -e não me dera o trabalho de responder. Foi mal. De fato, passei o artigo dizendo o que não fazer (aumentar agressivamente os juros). Prometi ao leitor que iria tratar de cobrir a lacuna, e aqui estou tentando cumprir a promessa.

Começo com uma homenagem ao Conselheiro Acácio -aquele personagem do Eça que dizia o óbvio ululante com uma categoria impressionante (e que, aliás, também era economista): o tema é complexo e difícil de explicar em poucas palavras. Resolvi, então, desdobrar a explicação em duas partes; começo hoje e termino na quinta-feira que vem.

Primeiro ponto: parte da solução está no controle da demanda interna, que vem crescendo rapidamente e pressionando a inflação (mais especificamente, os preços dos produtos não-transacionáveis internacionalmente, pois os exportáveis e importados têm os seus preços determinados basicamente pelo câmbio e pelos preços internacionais).

O importante é reduzir o ritmo de expansão do consumo. O investimento, que também vem crescendo a taxas elevadas, é o componente da demanda que amplia a oferta agregada.

O investimento fixo líquido (deduzidas a variação de estoques e a depreciação do estoque de capital) corresponde à criação de capacidade produtiva. Quanto maior o investimento fixo líquido hoje, maior será, no futuro, a taxa de crescimento do PIB consistente com o controle da inflação (o jargão disfarça, mas a verdade é que ainda não consegui me livrar inteiramente do Conselheiro Acácio).

Um aumento da taxa básica de juro atinge os dois componentes da demanda interna. Era necessário aumentar os juros básicos? Provavelmente, sim. Se a taxa de juro nominal ficasse constante, haveria uma diminuição dos juros reais, o que não seria conveniente num período de alta persistente da inflação e das expectativas de inflação provocada por choques de oferta e aquecimento da demanda interna.

Mas, como expliquei na semana passada, há vários motivos, além do efeito sobre o investimento, para não carregar a mão no aumento dos juros.

É importante, portanto, que a política antiinflacionária combine a taxa de juro com outros instrumentos, como o governo já vem procurando fazer.

Os outros instrumentos seriam principalmente os seguintes: a) política fiscal restritiva -diminuição de gastos públicos correntes não-prioritários; b) controles seletivos sobre o crédito ao consumo; c) medidas pontuais para conter pressões localizadas de preços (desonerações de tributos internos, diminuição temporária de tarifas sobre importação, tributação seletiva de exportações com preços em alta no mercado internacional); e d) medidas de estímulo à oferta em setores de resposta rápida (agricultura, por exemplo).

Volto ao assunto na semana que vem.

Sobre o autor

Paulo Nogueira Batista Jr. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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