1 de outubro de 2006

A necessidade de planejamento: Em homenagem a Harry Magdoff

Escrevi há algum tempo que "Harry Magdoff é um grande professor e um combatente indomável. Suas contribuições para a teoria socialista - sobre o imperialismo e os desenvolvimentos monopolistas, bem como sobre o papel vital do planejamento para qualquer sociedade viável do futuro - são de uma importância verdadeiramente duradoura."

István Mészáros

Monthly Review

October 2006 (Volume 58, Number 5)

Escrevi há algum tempo que "Harry Magdoff é um grande professor e um indomável combatente. Suas contribuições para a teoria socialista — sobre o imperialismo e desenvolvimentos monopolísticos, bem como sobre o papel vital do planejamento para qualquer sociedade viável no futuro — são de uma importância realmente duradoura.

Tristemente, ele já não está entre nós. Mas deixou um grande legado para o presente e para o futuro. 

Em sua última conversa com Che Guevara, mencionada na nota nº 4 abaixo, Harry Magdoff perguntou: "Você sabe o que sinto sobre Cuba. O que eu deveria fazer?" Che respondeu-lhe com estas palavras: "Continue a educar-me".

Nos seus escritos e nas suas conversas Harry era verdadeiramente um grande professor que podia proporcionar valiosas e generosamente reconhecidas visões estratégicas mesmo para um gigante do movimento socialista como Che Guevara. Caberá agora à geração mais jovem fazer bom uso do rico legado de Harry Magdoff, apropriando-se das suas grandes percepções teóricas, expandindo-as sob circunstâncias em mudança e lutando, dentro do seu espírito, como combatentes intransigentes, pela sua realização nestas décadas críticas que estão por vir.

Sei que a questão do planejamento sempre esteve muito entranhada no coração de Harry. O artigo que se segue não foi escrito para a triste ocasião que estamos agora a assinalar. Faz parte de um estudo maior. Contudo, todas as suas linhas foram escritas dentro do seu espírito, como uma preocupação permanente do nosso tempo. Eis porque ofereço-o como tributo na ocasião do seu falecimento. 

Sempre recordaremos Harry Magdoff com admiração e afeto.

Planejamento: A necessidade de superar o abuso de tempo do capital 

O socialismo, o nome para o necessário modo alternativo de reproduzir nossas condições de existência neste planeta finito sob as presentes circunstâncias históricas, é inconcebível sem a adopção de uma forma racional e humanamente gratificante de controle social metabólico, ao invés do modo antagónico e cada vez mais destrutivo do capital de administrar a casa planetária.

Planeamento, no mais pleno sentido do termo, é uma característica essencial do modo socialista de controle social metabólico. Para o nosso modo alternativo de controle poder ser viável não só em relação ao impacto imediato da actividade produtiva sobre as condições de reprodução individuais e societais como também indefinidamente, tão longe no futuro longínquo quanto cada um possa e deva considerar a fim de se instituírem e manterem vivos as meios de protecção apropriados.

A este respeito, na ordem social metabólica do capital encontramos uma gritante contradição. Pois, por um lado, nenhum modo anterior de reprodução societal alguma vez teve um impacto mesmo remotamente comparável sobre as condições vitais de existência — incluindo o natural substratum da própria vida humana — não só na sua imediaticidade mas até mesmo no mais longo prazo. Ao mesmo tempo, por outro lado, a dimensão histórica a longo prazo está completamente ausente da visão do modo de controle social metabólico do capital, tornando-o portanto numa forma irracional e absolutamente irresponsável de administração. A exigência de racionalidade ao nível dos mais mínimos pormenores é não só compatível com o capital, na escala de tempo da imediaticidade (immediacy), como também exigida por este, como condição elementar da sua durabilidade, encontrando a sua estrutura operacional adequado no mercado capitalista. O perturbante, contudo, é que a dimensão vitalmente importante da racionalidade global (overall rationality) está necessariamente ausente deste modo de controle social reprodutivo. O crescente envolvimento do estado capitalista como um correctivo torto é um paupérrimo — e em última análise insustentável — substituto para isto.

Este incorrigível defeito estrutural do sistema exclui qualquer possibilidade de consciência histórica (historical consciousness) precisamente numa época em que haveria a maior necessidade da mesma: no nosso próprio período histórico de globalização. Pois o imprevisto — e pelas personificações do capital em princípio imprevisível — impacto a longo prazo do desenvolvimento do sistema já invadiu a totalidade do planeta. Consequentemente, se houve um tempo em que era relativamente justificado caracterizar a ordem capitalista como um sistema de "destruição produtiva", como descrito por alguns grandes economistas políticos liberais, como Schumpeter, torna-se uma ilusão muito perigosa continuar a celebrá-la em tais termos nos dias de hoje. Ou seja, continuar a deturpá-la deste modo numa época em que — sob o impacto do desenvolvimento histórico do passado século vinte, que resultou na teimosamente persistente crise estrutural do sistema do capital na sua totalidade — torna-se absolutamente inevitável confrontar o impacto devastador e a funesta potencialidade da produção destrutiva: ela é diametralmente oposta da idealizada "destruição produtiva".

Só um sistema racionalmente planeado de reprodução social metabólica poderia indicar um caminho para sair das contradições e perigos desta aflição historicamente produzida que agora está a ficar fora de controle. Remediar isto exigiria uma forma de genuíno planeamento abrangente (genuine comprehensive planning) — a fim de qualificar para o seu papel que agora é absolutamente necessário mas que no passado nunca foi praticamente factível — o qual deve ser capaz de tratar no nosso próprio tempo dos múltiplos problemas e todas as dimensões de um desenvolvimento sócio-económico, político e cultural, e não apenas com as dificuldades de coordenar e potenciar positivamente as forças produtivas de países particulares.

Compreensivelmente, sob os grupos de interesses profundamente incrustados e as circunstâncias auto-mitologizantes da "economia de mercado" capitalista dominante, a simples ideia de uma forma de economia alternativa planeada com êxito está excluída à partida. Na poderosa defesa do socialismo publicada recentemente, os Magdoffs caracterizaram esta abordagem míope que se opõe ao planeamento nos seguintes termos:

O cepticismo que as pessoas sentem acerca da eficácia ou mesmo da possibilidade do planeamento central admite apenas os defeitos enquanto nega as realizações. Não há nada em planeamento central que exija 'comandismo' e confinamento de todos os aspectos do planeamento às autoridades centrais. Isto ocorre devido à influência de interesses burocráticos especiais e do poder excessivo (overarching)do estado. Planear para o povo tem de envolver o povo. Planos para regiões, cidades e zonas urbanas precisam do envolvimento activo das populações locais, fábricas e lojas em conselhos de trabalhadores e de comunidade. O programa global — especialmente a decisão da distribuição de recursos entre bens de consumo e de investimento — clama pela participação do povo. Para isto o povo deve ter os factos, um modo claro de informar o seu pensamento, e contribuir assim para as decisões básicas. [1]

Em períodos de grande emergência histórica, como a Segunda Guerra Mundial por exemplo, mesmo os decisores capitalistas estão dispostos a incorporar alguns elementos de economia planeada no interior dos seus processos produtivos, ainda que apenas de uma espécie um tanto limitada e de modo geral voltada para o lucro. Uma vez, contudo, ultrapassada a grande emergência, todas estas práticas são rapidamente eliminadas da memória histórica, e a mitologia do mercado — que é proclamado ser idealmente adequado para a solução de todos os problemas concebíveis — é promovida ainda mais fortemente do que antes.

Seria um milagre monumental se a normalidade do modo de controle social metabólico do capital, em contraste com as suas ocasionais concessões de emergência, pudesse ser diferente disto. Pois a ideia de planeamento não pode ser separada da fundamental determinação do tempo apropriado para o dado sistema reprodutivo social. A este respeito, os bem conhecidos preconceitos contra o planeamento decorrem do necessário abuso de tempo do capital. A única modalidade de tempo que é directamente significativa para o capital é o tempo de trabalho necessário e os seus corolários operacionais, como as requeridos para assegurar e salvaguardar as condições da contabilidade de tempo orientada para o lucro (profit-oriented time-accountancy) e portanto a realização do capital numa escala extensa.

Como foi mencionado anteriormente, a racionalidade míope de insistir (e num sentido abastardado de 'planeamento') em pormenores de minutos em empresas particulares, necessariamente esvaziadas de uma concepção global da economia como um todo — uma prática que descobre a sua complementaridade na adversidade/conflitualidade do mercado combinado — é compatível apenas com tempo decapitado e curto-circuitado (decapitated and short-circuited time). Quando num período de emergência histórica, como a Segunda Guerra Mundial, são introduzidos alguns elementos de uma racionalidade mais abrangente, a fim de satisfazer um grande desafio militar, isto é feito sob o claro entendimento de que as medidas concedidas devem ser estritamente temporárias e terão de ser removidas os mais cedo possível na primeira oportunidade.

Em completo contraste com o estado de coisas existente, se reconhecermos o facto de que as práticas reprodutivas de um mundo globalmente integrado clamam pela introdução e retenção da força efectiva da racionalidade global, como devemos, a fim de reagir aos crescentes perigos da incontrolabilidade e consequentes explosões, nesse caso o perverso relacionamento do capital com o tempo deve ser radicalmente reexaminado e alterado. O planeamento abrangente verdadeiramente participativo das condições da reprodução social metabólica da humanidade — abarcando todos os seus diversos constituintes, incluindo o moral e cultural, e não apenas a dimensão estritamente económica — é uma exigência auto-evidente quanto a isto. Contudo, para tornar tal planeamento abrangente possível, é necessário ultrapassar a alienação fatalista e a condição paralisante através da qual o tempo é orientado para o lucro e miopicamente decapitado. "O tempo é tudo, o homem é nada; na maior parte do tempo ele é carcassa." [2]

A principal razão porque a normalidade do capital é incompatível com o planeamento abrangente é porque a exigência vital da orientação sócio-económica sustentável levanta-se de aspectos qualitativos de administrar uma ordem reprodutiva humanamente viável. Se fosse uma questão de simplesmente estender o tempo envolvido em operações económicas de capital, isto seria em princípio factível do ponto de vista do sistema dominante. O que interfere quanto a isto como uma condição que proibe de resolver o problema aparentemente intratável é a ausência total de uma medidaapropriada. Uma medida apropriada para avaliar adequadamente o impacto humano qualitativo das práticas produtivas adoptadas mesmo numa base a relativamente curto prazo, e não apenas no prazo mais longo. O modo altamente irresponsável pelo qual mesmo as exigências mínimas do Protocolo de Quioto são manuseadas pelos países capitalistas dominantes, acima de tudo pelos EUA,[3] é uma boa ilustração deste ponto.

O capital não tem dificuldades com a quantificação, e nem com a multiplicação auto-expansiva, desde que a sua projectada expansão produtiva possa ser definida sem qualquer recurso a considerações qualitativas tanto no plano dos recursos materiais e humanos como em relação ao tempo. Neste sentido, o crescimento, como um conceito particularmente importante tanto no presente como no futuro, deve ser manuseado pelo capital dentro das paralisantes delimitações da quantificação fetichista, embora na realidade não possa de modo algum ser sustentado como forma de estratégia produtivamente viável sem que a ele se apliquem considerações profundamente qualitativas. Da mesma forma, o planeamento abrangente (comprehensive planning) — em contraste com intervenções seguramente selectivas (em relação a objectivos produtivos particulares que possam ser perseguidos) e temporariamente limitadas (curto prazo) — é inadmissível porque nem o âmbito nem a escala de tempo da racionalidade globalhumanamente válida são receptivas à quantificação fetichista.

O conceito chave aqui não é a racionalidade em si e sim a necessária determinação da racionalidade sustentável exigida pela inerente humanidade das medidas globais adoptadas. A racionalidade parcial imediatamente quantificável pode estar em plena sintonia com os imperativos operacionais do capital dentro do seu microcosmos produtivo. Mas não a racionalidade global humanamente válida como estrutura orientadora e medida apropriada do sistema como um todo. Pois a única coisa que pode definir um sistema produtivo viável e sustentável em relação à sua racionalidade global é a próprianecessidade humana: uma determinação inerentemente qualitativa.

Tal determinação qualitativa global só se pode levantar a partir da realidade irrepreensível das necessidades humanas, ainda que capitalisticamente frustrada. É precisamente por essa razão que o capital deve subordinar o valor de uso — o qual é totalmente destituído de significado sem o seu relacionamento qualitativo a necessidades humanas claramente identificáveis — a valores de troca facilmente quantificáveis. Estes últimos nada têm a ver com necessidades humanas, só com a necessidade da auto-reprodução extendida do capital. Na verdade, é perfeitamente compatível com o triunfo do contra-valor destrutivo, como a aterradora realidade do complexo industrial-militar e do seu lucrativo envolvimento na "realização de capital" como as práticas directamente anti-humanas de guerras de genocídio demonstram claramente no nosso tempo.

O planeamento, no mais profundo sentido da expressão, é absolutamente vital para corrigir estes problemas e contradições. Mas o planeamento em causa não pode ser encarado sem a sua correspondente dimensão do tempo histórico. Quanto a isto, o conceito de tempo necessário para que o planeamento faça sentido no seu significado próprio — em contraste com aquele estreitamente técnico — não é um tempo abstracto e cósmico e sim otempo humanamente significativo. Pois no decorrer da história, e especialmente ao longo do desdobrar da história humana, o conceito de tempo é significativamente alterado no sentido de que com o desenvolvimento de seres humanos — e a concomitante "humanização da própria natureza" (Marx) — uma dimensão de tempo radicalmente nova entra no quadro.

O facto de que a humanidade, em contraste com o mundo animal, seja constituída por indivíduos historicamente criados e, sob condições cambiantes, em desenvolvimento histórico, não pode ser divorciado da circunstância de que indivíduos humanos, em oposição à sua espécie, tem um tempo de vida estritamente limitado. Consequentemente, graças a um longo desenvolvimento histórico o problema do tempo apresenta-se no contexto humano não simplesmente como a necessidade de sobreviver desde o primeiro dia [do nascimento] até à última hora do tempo de vida dos indivíduos particulares, mas simultaneamente também como o desafio que os confronta directamente para a criação de uma vida significativa, no mais alto grau possível, comosujeitos reais da sua própria actividade vital. Por outras palavras, em estreita conjunção com as cada vez mais aprimoradas potencialidades colectivas da sua sociedade das quais eles próprios são parte integrante e contribuidores activos. É assim que a consciência individual e a social podem realmente reunir-se no interesse de um avanço humano positivo.

Naturalmente, sob o domínio do capital tudo isto é impossível. A exigência vital do planeamento é anulada tanto ao nível societal abrangente como dos indivíduos particulares. No mais vasto nível societal o planeamento abrangente, em sua orientação positiva para as necessidades humanas, é desqualificado em favor dos interesses das mais míopes contabilidades orientadas pelo tempo, trazendo com isto crescentes perigos de produção destructiva na presente conjuntura da história. Ao mesmo tempo, ao nível da consciência dos indivíduos a exigência de "dar sentido à própria vida" só pode cair dentro das mais socialmente ineficazes formas de discurso religioso, desinteressadas de tudo excepto "o mundo do além".

O necessário abuso de tempo do capital deve prevalecer a todo custo e em todos os domínios. Consequentemente, a fim de encarar uma ordem socialista reprodutiva como a alternativa hegemonica viável à existente, a questão do planeamento deve permanecer à frente das nossas atenções no sentido em que temos discutido nestas últimas páginas. Pois não pode haver êxito duradouro sem combinar a vasta dimensão social da racionalidade reprodutiva e a procura dos indivíduos por uma vida significativa.

Estas duas dimensões fundamentais do que significa ser um sujeito real, no sentido próprio da expressão, mantêm-se de pé ou caem em conjunto. Pois como poderia o corpo de produtores livremente associados, como uma força colectiva conscientemente auto-afirmativa, ser o "sujeito de poder" soberano no mundo social, planeando e administrando autonomamente seus intercâmbios produtivos com a natureza e entre os membros da sociedade, se os indivíduos sociais particulares que constituem aquela força colectiva forem incapazes de se emanciparem a ponto de se tornarem "sujeitos conscientes das suas próprias acções", assumindo plenamente a responsabilidade pela sua actividade vital significativa? E vice-versa, como poderiam os indivíduos terem uma vida significativa por si próprios se as condições globais da reprodução social metabólica forem dominadas por uma força estranha que frustra os seus desígnios e de um modo autoritário rejeita os objectivos de auto-realização e os valores que os indivíduos sociais tentam estabelecer para si próprios?

As violações burocráticas do planeamento em sociedades pós-capitalistas do tipo soviético foram manifestações das mesma contradição. A paralizadora "influência de interesses burocráticos especiais e o poder super-dominante (overarching) do estado" — correctamente deplorado pelos Magdoffs — tinham de fracassar. Pois os membros da Comissão Política que arbitrariamente atribuíram a si próprios o papel exclusivo de tomar decisões todo-poderosas ao administrar a sua decretada "economia planificada", descartando ao mesmo tempo, com indisfarçado senso de superioridade, até mesmo os principais planeadores responsáveis do estado como sendo "apenas um bando de contabilistas", como tornou bem claro Kruchov na sua conversa com Che Guevara[4]. Além disso, tanto quanto os indivíduos particulares da sociedade como um todo estavam interessados, eles tinham menos a dizer no processo de planeamento global do que aqueles arrogantemente caracterizados como "bando de contabilistas". O seu papel, como sujeitos individuais, era confinado pela autoridades do estado, de forma pouco cerimoniosa, a executar as ordens que lhes eram transmitidas de cima.

As consequências foram bastante desvatadoras, e compreensivelmente. Pois sob as circunstâncias prevalecentes o sujeito de consciência colectiva dos necessários intercâmbios abrangentes não podiam ser constituídos de modo algum como um genuíno sujeito colectivo, de modo a exercer um controle verdadeiramente sustentável sobre os processos vitais da reprodução societal. Isto era impossível porque as duas dimensões fundamentais do que significa ser um sujeito real, mencionadas acima, foram voluntariamente rompidas e opostas uma à outra. Deste modo — sob a referida modalidade de tomada de decisão de cima para baixo — ao potencial dos sujeitos colectivos válidos dos membros constitutivos da sociedade, os indivíduos particulares, foi negado o controle autónomo da sua própria actividade vital significativa, e portanto também do controle da reprodução social metabólica como um tudo. O resto da triste história tornou-se bem conhecido com a implosão do sistema de tipo soviético.

Assim, por todas as razões aqui discutidas, ultrapassando radicalmente o necessário abuso de tempo do capital — o qual degrada os seres humanos à condição de "carcaças do tempo", negando-lhes o poder de auto-determinação como sujeitos reais — é vital a criação de uma ordem social alternativa. O tempo decapitado e curto-circuitado não pode ser remediado só ao nível societal geral. As condições de emancipação individual e social não podem ser separadas — e muito menos opostas — uma da outra. Elas prevalecem ou caem em conjunto, no plano temporal da simultaneidade. Pois uma é plenamente exigida para a realização da outra. Ninguém pode esperar pela emancipação dos indivíduos enquanto os objectivos gerais elementos de transformação social não estiverem cumpridos com êxito. Pois quem sobre a terra podia dar os primeiros passos de uma transformação social abrangente se não os indivíduos que podem — e assim o fazem — identificar-se com os objectivos e valores da sua sociedade escolhida?

Mas para fazer isto, os indivíduos sociais particulares devem libertar-se do colete de força do tempo mesquinhamente decapitado que é imposto sobre eles. Eles podem assim fazer quando adquirem o poder de tomar decisões autónomas, conscientes e responsáveis, com a sua própria — não antagonicamente ampliada — perspectiva de actividade vital significativa. É assim que se torna possível constituir uma ordem social metabólica alternativa numa escala de tempo historicamente sustentável. E é o que confere o verdadeiro significado ao planeamento como um princípio vital da empresa socialista.

Notas: 

1 Harry Magdoff e Fred Magdoff, "Approaching Socialism", Monthly Review, July-August 2005, pp.53-54.

2 Marx, The Poverty of Philosophy, p. 47.

3 A infeliz Saga de Quioto é apenas a fase mais recente destes desenvolvimentos. Argumentei há mais de uma década que "Qualquer tentativa de tratar com problemas reconhecidos relutantemente deve ser conduzida sob o peso proibitivo das leis fundamentais e dos antagonismos estruturais do sistema. Assim, as "medidas correctivas" encaradas dentro da estrutura dos grandes encontros internacionais — como o de 1882 no Rio de Janeiro — equivalem a absolutamente nada, uma vez que eles devem ser subordinados à perpetuação das relações globais de poder estabelecidas e aos grupos de interesses. Causalidade e tempo devem ser tratados como um brinquedo dos interesses capitalistas dominantes, não importa quão agudos os perigos. Assim, o tempo futuro é rígida e irresponsavelmente confinado ao horizonte mais estreito das expectativas de lucro imediatas". (Beyond Capital, p.148). Caracteristicamente, mesmo as débeis resoluções da Conferência do Rio de Janeiro de 1992 — lançadas à água quase ao ponto de perder significado sob a pressão dos poderes capitalistas dominantes, primariamente os Estados Unidos cuja delegação foi encabeçada pelo presidente Bush [o pai do actual presidente] — são usadas só como umalibi para continuar como antes, nada fazendo para satisfazer o desafio enquanto pretendendo "cumprir as obrigações assumidas". (Ibid., p.270.)

4 Uma entrevista reveladora relata uma conversação que Harry Magdoff teve com Che Guevara : "Eu disse ao Che: 'O que é importante é que quando os planos são feitos, que os planeadores, os únicos que produzem direcções e números, deveriam envolver-se em pensar acerca das alternativas políticas reais à luz das condições práticas". Ele riu a seguir e disse que quando estava em Moscovo o seu anfitrião Kruchov, que estava então à cabeça do Partido e do governo, levou-o a ver lugares como um turista político. Viajando pela cidade, Che disse a Kruchov que gostaria de encontrar-se com a comissão de planeamento. Kruchov respondeu-lhe imediatamente: 'Por que você quer fazer isso? Eles são apenas um bando de contabilistas'." Ver Harry Magdoff, entrevistado por Huck Gutman, "Creating a Just Society: Lessons from Planning in the U.S.S.R. & the U.S.", Monthly Review, October 2002, p. 2.

István Mészáros é autor de Socialism or Barbarism: From the “American Century” to the Crossroads (Monthly Review Press, 2001) e Beyond Capital: Toward a Theory of Transition (Monthly Review Press, 1995).

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